Arquivo da categoria: Perfil

Marie NDiaye: romancista francesa fala de identidade e de sua escrita da ambiguidade

Marie NDiaye em seu apartamento em Paris. Fotos: ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / REVISTA QUATRO CINCO UM

PARIS — Por volta dos 10 anos, Marie NDiaye foi presenteada por sua mãe, professora de Ciências, com a Petite Internationale, uma pequenina máquina de escrever de plástico, concebida especialmente para crianças. Nessa época, descobriu o livro Them, da escritora americana Joyce Carol Oates, obra que a mãe, voraz leitora, havia tomado emprestado na biblioteca. “Foi um tipo de epifania. Saí transformada dessa leitura. Compreendi o que era possível criar com as palavras, e queria fazer igual. Esse livro mudou minha vida”, conta NDiaye, hoje aos 57 anos, assentada no sofá de seu apartamento em Paris, próximo à Place de la Nation. Tornar-se escritora não emergiu como uma interrogação, mas uma evidência, diz ela. Mais tarde, adolescente, ganhou de sua tia uma enorme e pesada máquina de escrever profissional. “Minha tia trabalhava em um banco, que modernizou a agência e descartou vários equipamentos. Foi uma grande felicidade ter essa bela máquina. Era como um grande e velho carro que funcionava bem. E fazia muito ruído”, relembra. Entre os 12 e 15 anos, se aventurou nas literaturas americana, russa e sul-americana, e tentava, a sua maneira, copiá-las. Ao ler Gabriel García Márquez, escreveu uma breve ficção que se passava na Colômbia. “Gostei imensamente de García Márquez, dessa erupção do fantástico na vida mais ordinária de pessoas comuns. Sempre fui muito atraída por essa mistura entre o fantástico e o real”, admite.

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GOLSHIFTEH FARAHANI: ‘Se vencermos no Irã, a mulher ganhará e o mundo também’

Atriz iraniana Golshfiteh Farahani, exilada em Paris desde 2008, se tornou uma porta voz do movimento contra a ditadura do regime islmâmico de Teerã. ©Philippe Gay

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – A atriz iraniana Golshifteh Farahani se converteu em uma infatigável ativista em apoio à revolta deflagrada em seu país em setembro, no rastro da morte da jovem Masha Amini, de 22 anos, sob custódia da polícia da moralidade por suposto uso inadequado do véu islâmico. Exilada em Paris desde 2008, a atriz não passa um dia sem postar aos seus mais de 15 milhões de seguidores no Instagram denúncias contra a violência e os desmandos praticados pela ditadura islâmica comandada com mão de ferro pelo líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei. Como uma porta-voz no exterior do movimento, tem se manifestado como pode, seja nas redes sociais ou escrevendo uma tribuna para o jornal New York Times. 

– Por vezes, me sinto realmente desesperada. Outras vezes, repleta de esperança. Algumas vezes em lágrimas ou com raiva. Cada dia é uma emoção diferente. A única coisa que sei é que não posso abandonar ­­­­­– desabafa ao Globo, ao final de mais um dia de filmagens para um novo longa-metragem na França.

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TEATRO: Christiane Jatahy EM alta voltagem

Foto: © Leo Aversa

FERNANDO EICHENBERG/ REVISTA PIAUÍ

PARIS – Em 2007, a diretora de teatro Christiane Jatahy foi uma das convidadas do Festival de Viena, um prestigiado evento de artes que acontece todo ano na capital austríaca. A encenadora carioca e sua trupe apresentaram a peça A Falta que Nos Move, que tinha por tema as complicadas relações familiares. O espetáculo começava de maneira inusitada: com a informação de que um dos atores não tinha chegado para a apresentação. A ideia era que a notícia fosse dada ao público do modo o mais realista possível, levando a crer que o elenco estava realmente desfalcado.

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RIP: Sempé (1932-2022)

Sempé em sua casa, em Paris. FOTOS: © Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG

Certa vez, em um domingo flanava pelo bulevar Montparnasse, em Paris, na companhia dos queridos amigos Luis Fernando Verissimo e Lúcia, e comentei que há pouco tempo havia entrevistado o grande Sempé em sua casa, no último andar de um prédio ali perto de onde estávamos. Verissimo, fã do desenhista francês, de pronto respondeu positivamente à minha pergunta se gostariam de conhecer o endereço. Caminhamos alguns minutos e logo estávamos em frente ao prédio. Mostrei o interfone, e recordo de Verissimo olhando para o alto, tentando imaginar, talvez, naquele momento o incansável Sempé debruçado em sua mesa, lápis à mão, criando mais uma de suas obras-primas. Havia entrevistado Sempé para o hoje extinto caderno Prosa & Verso, de O Globo. Recebido generosamente pelo anfitrião, além da ótima conversa, aproveitei para, com o seu consentimento, metralhar com minha câmera o personagem e o entorno. Jeans-Jacques Sempé nos deixou nesta quinta-feira, 11 de agosto. Aqui o resultado de nosso encontro, também publicado no segundo volume de meu livro de entrevistas, “Entre Aspas 2” (L&PM).

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LOUIS POUZIN, gurU do datagrama: “o HOMEM QUE NÃO INVENTOU A INTERNET”

Louis Pouzin, hoje aos 90 anos. Na edição de março da revista Piauí conto como a França jogou no lixo a chance de inventar a internet. ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG/ REVISTA PIAUÍ

PARIS/PLOURHAN – Na tarde de 17 de dezembro de 1996, a Biblioteca Nacional da França (BnF) havia preparado com zelo a cerimônia de abertura ao público de seu novo espaço de 7,5 hectares no bairro Tolbiac, em Paris. O ambicioso projeto fora anunciado em 1988 pelo presidente socialista François Mitterrand, exaltado como a “maior e mais moderna biblioteca do mundo”, recorrendo às “tecnologias mais avançadas de transmissão de dados”. Mitterrand conseguiu inaugurar oficialmente o local, sem os livros e documentos, em março de 1995, no apagar das luzes de seu segundo mandato. Coube a seu sucessor e rival, o conservador recém-eleito Jacques Chirac, abrir com pompa presidencial as portas da edificação de linhas puristas, de quatro torres de vidro, projetada à beira do rio Sena pelo arquiteto francês Dominique Perrault.

Na visita de praxe acompanhada pela imprensa, Chirac, em pé diante de um computador, acompanhava atentamente uma demonstração sobre as funcionalidades da internet na biblioteca quando interrompeu seu interlocutor: “Mouse? O que é mouse?”. A sequência, exibida no telejornal das 20h do canal France 2, viralizou segundo os meios da época e inspirou um sketch do então célebre programa humorístico de marionetes “Les Guignols de l’Info”, do Canal Plus. A gafe perdurou por anos com diferentes enredos, e a pecha de ignorante do mundo da informática perseguiu Chirac até o final de sua vida. Sua ex-conselheira para o fomento da internet confessou certa vez: “Ele ficou completamente traumatizado pelo affaire do mouse”. 

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Bolloré: o “murdoch francês” por trÁs do candidato de extrema direita éric zeMmour

Vincent Bolloré: canal CNews deu visibilidade ao candidato da direita radical Éric Zemmour. ©Marlene Awaad/Bloomberg

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS –  A candidatura do ultradireitista Éric Zemmour às eleições presidenciais francesas de 2022 não é fruto do acaso. Por trás de sua ascensão no cenário político nacional está o megaempresário francês Vincent Bolloré, que nos últimos seis anos constituiu um império de mídia focado em temas caros à extrema direita, como a imigração e o Islã. A ofensiva conservadora do industrial bilionário nos debates do país tem sido comparada à influência na política americana do magnata da mídia Rupert Murdoch e seu canal Fox News.

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Marlene taschen, 35 anos, ceo da editora de livros de arte taschen

Marlene Taschen ©Marco Glaviano

FERNANDO EICHENBERG/O GLOBO

PARIS – Aos 32 anos, Marlene Taschen soube de forma inusitada de sua nomeação como CEO da editora alemã Taschen, célebre tanto por democratizar os livros de arte como por glorificá-los em verdadeiros objetos de luxo. Seu pai, Benedikt Taschen, fundador da editora, era entrevistado ao seu lado em um evento em uma das livrarias da casa, em Berlim, e sem aviso prévio fez o anúncio. “Receber esta responsabilidade, assim deste jeito, foi um choque. E decidi aceitar o desafio”, conta ela em uma conversa por zoom de Londres, onde vive com o marido e a filha Aurelia, de 9 anos.

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ALAIN MABANCKOU: “HÁ, hoje, nos eua, uma luta contra o racismo e também entre classes”

O racismo é um departamento dentro da luta de classes”, diz o escritor Alain Mabanckou. ©Sébastien Micke

FERNANDO EICHENBERG / REVISTA ÉPOCA

PARIS – O escritor Alain Mabanckou viveu 22 anos na República do Congo, sua terra natal, outros 17 na França e, há 15, reside nos Estados Unidos, onde leciona literatura francesa na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Seus livros, como costuma dizer, habitam a geografia imposta por sua transumância, entre a África, a Europa e a América. Laureado pela Academia Francesa e finalista do Prêmio Internacional Man Booker, ele acaba de lançar na França “Rumeurs d’Amérique” (Rumores da América, ed. Plon), uma série de crônicas com impressões sobre o país que o adotou nos últimos anos.

Mabanckou manifestou nas ruas de Los Angeles junto ao movimento Black Lives Matter, e teme uma guerra civil nos EUA se o líder americano, Donald Trump, se recusar a aceitar o resultado das próximas eleições presidenciais em caso de derrota. O escritor conversou com Época em um café parisiense, em meio a promoção francesa de sua mais recente obra.

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A partir de arquivos inéditos, nova biografia mostra um sartre avesso ao engajamento políticO, divertido e sonhador

Correspondência privada e arquivos de áudio e vídeo revelam um outro Sartre. ©AFP

FERNANDO EICHENBERG/ REVISTA ÉPOCA

PARIS – E se o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), símbolo maior do intelectual engajado do século XX, implicado nas principais lutas sociais e conflitos internacionais pós-Segunda Guerra Mundial, no fundo, não era assim tão entusiasta de seu ativismo político? “Na verdade, a política me enche o saco”, desabafou Sartre a sua amante russa, Lena Zonina, em uma carta de janeiro de 1963. François Noudelmann, estudioso de Sartre há 20 anos, encontrou várias confidências similares nos arquivos inéditos a que teve acesso, cedidos pela filha adotiva do filósofo, Arlette Elkaïm, morta em 2016. Continue lendo A partir de arquivos inéditos, nova biografia mostra um sartre avesso ao engajamento políticO, divertido e sonhador

Em livro, Lindsey Tramuta traça o perfil de parisienses em destaque nas artes, na política, no feminisno e nos negócios

Lindsey escreveu um livro para combater o “clichê da mulher parisiense”. Fotos: © Joann Pai

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Em um de seus vídeos TEDs virais, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie afirma, em relação aos conceitos sobre os africanos, que “o problema dos estereótipos não é que sejam falsos, mas incompletos; eles fazem uma história se tornar a única história”. A premissa é utilizada por Lindsey Tramuta para denunciar uma visão “perniciosa e estreita” das mulheres parisienses, percebidas como “brancas, heterossexuais, magras, elegantes, sedutoras e preocupadas com superficialidades”. Em seu recém-lançado livro, The New Parisienne (a nova parisiense), Lindsey, americana radicada há 14 anos na capital francesa, combate este clichê, segundo ela, estimulado e reproduzido na publicidade, no turismo, no cinema, na literatura, em revistas de moda e estilo.

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A carioca Tabata Mey trocou a medicina pela gastronomia e hoje é uma chef estrelada na FranÇA

Tabata Mey recebeu sua primeira estrela do Guia Michelin e acaba de abrir um novo empreendimento em Lyon, na França, onde vive desde que saiu do Rio. Fotos ©Nicolas Villion

FERNANDO EICHENBERG/ O GLOBO

PARIS/LYON – Apesar da pandemia da Covid-19, o ano de 2020 trouxe boas notícias para a chef carioca Tabata Mey, 42, radicada em Lyon, na França. Em 15 de janeiro, ela inaugurou, junto com o marido francês, Ludovic, igualmente chef, o Food Traboule, uma praça de alimentação gastronômica em um local histórico da cidade, um projeto que levou três anos para se tornar realidade. Passados apenas 12 dias, foi anunciado que Les Apothicaires, o restaurante criado pelo casal em 2016, recebera sua primeira estrela no Guia Michelin.

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CaTherine Mathivat, quarta geraÇão da família à frente do deux magots, resiste à pandemia e quer “evolução sem revolução” para o célebre café parisiense

@Julio Piatti

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – A primeira lembrança de Catherine Mathivat do café Les Deux Magots remonta aos seus dez anos de idade, no final da década de 1970, quando passava fins de semana com seus avós, proprietários e moradores do andar de cima do já célebre local parisiense. “Descia com minha avó ver o que se passava embaixo, ficava ao lado do caixa observando o movimento dos garçons e dos clientes. Me recordo bem dos ruídos quando fechavam o terraço à noite”, recorda. Hoje, aos 51 anos, é ela quem comanda o emblemático café, ancorado no coração do bairro de Saint-Germain-des-Près. Continue lendo CaTherine Mathivat, quarta geraÇão da família à frente do deux magots, resiste à pandemia e quer “evolução sem revolução” para o célebre café parisiense

A trajetória de Jessica Préalpato, que, aos 34 anos, ganhou o título de melhor chef pâtissière do mundo revolucionando as receitas de doces

“Acredito na minha boa estrela. Nada ocorre por acaso”, diz Jessica Préalpato. ©Iannis G/REA

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – A francesa Jessica Préalpato, 34 anos, se tornou em 2019 a primeira mulher eleita melhor chef pâtissière do mundo na reputada classificação do World’s 50 Best Restaurants. É também, hoje, a única mulher a chefiar o menu de sobremesas em um restaurante distinguido com as três estrelas máximas do Guia Michelin, no caso, o estabelecimento do chef Alain Ducasse abrigado no Hotel Plaza Athénée, em Paris.

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“Há pessoas demais que, pela palavra, recorrem à violência”, diz Philippe Lançon, sobrevivente do ataque ao Charlie Hebdo

Philippe Lançon diz ter dificuldade de esquecer tudo o que aconteceu e ter a “constante impressão de que uma catástrofe vai cair sobre sua cabeça”. ©Mollona/Leemage

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Na manhã de 7 de janeiro de 2015, Philippe Lançon só foi perceber o que lhe ocorrera quando vislumbrou na tela de seu celular o reflexo de sua face desfigurada: um quarto de seu rosto, na parte inferior, se transformara, segundo sua própria descrição, em uma “cratera de carne destruída e pendente”, mostrando a nu o que restava de gengivas e dentição, fazendo-o parecer “um monstro”. Lançon foi um dos sobreviventes do atentado jihadista protagonizado pelos irmãos Chérif e Saïd Kouachi na redação do jornal francês Charlie Hebdo, em Paris. As balas disparadas pelas metralhadoras Kalachnikov dos terroristas, que arrancaram sua mandíbula, causaram um total de 12 mortes e 11 feridos. Em meio ao banho de sangue e os corpos inertes de seus colegas de jornal, ele só se salvou porque se fingiu de morto. Continue lendo “Há pessoas demais que, pela palavra, recorrem à violência”, diz Philippe Lançon, sobrevivente do ataque ao Charlie Hebdo

A musa eterna Jane Birkin fala sobre a beleza aos 72 anos, a carreira e como a música a ajudou a superar a morte da filha

Jane Birkin em seu apartamento parisiense, com sua buldogue Dolly. © Carole Bellaiche

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Certa vez, a mãe de Jane Birkin, a atriz britânica Judy Campbell, musa do dramaturgo Noël Coward e alcunhada pelo fotógrafo de moda Cecil Beaton como “a mais bela mulher da Inglaterra”, de súbito, lhe disse: “It’s gone” (sumiu). “O que, mamãe?”, replicou a filha, pensando em algum banal objeto perdido. A mãe respondeu: “Minha beleza. Foi-se”. Hoje, aos 72 anos, a célebre atriz e cantora confessa que, recentemente, se viu absorta na mesma reflexão materna. “Minha mãe deveria ter uns 70 anos quando me saiu com essa, e eu, uns 40. Hoje, a compreendo perfeitamente”, disse, enquanto sorvia uma xícara de chá em seu aprazível apartamento parisiense, nas proximidades da praça Saint-Sulpice, em uma conversa sonorizada pelos roncos de sua inseparável buldogue Dolly, estirada no tapete. Continue lendo A musa eterna Jane Birkin fala sobre a beleza aos 72 anos, a carreira e como a música a ajudou a superar a morte da filha

Maria de Medeiros: “Raízes têm tudo a ver com cultura e muito pouco com fronteiras”

Maria de Medeiros: “Sempre achei que se deveria poder mudar de nacionalidade como de camisa. Deveria ser bem mais fácil. A identidade é algo orgânico, se modificando perpetuamente. É uma esponja, vai captando coisas, repelindo outras, algo em movimento”. ©Victor Hugo

FERNANDO EICHENBERG / REVISTA UP

PARIS – “Quase não fiz viagens de turismo na minha vida”, conta, com singela naturalidade, a atriz Maria de Medeiros, acomodada em sua residência no 14° distrito de Paris. No entanto, é impossível enumerar todos os países por onde já passou até hoje. Seja como atriz ou diretora em uma centena de filmes, protagonista de peças teatrais ou cantora em turnês de seus concertos, ao longo de seus 54 anos ela atravessou uma infinidade de fronteiras nos cinco continentes. Nascida em Portugal e adotada pela França, a capital francesa se tornou para ela um porto aberto para o mundo. Continue lendo Maria de Medeiros: “Raízes têm tudo a ver com cultura e muito pouco com fronteiras”

Anastasia Mikova: cineasta fala sobre o filme “Woman”, que dá voz a duas mil mulheres de cerca de 50 países

Ao longo de três anos e meio, Anastasia Mikova conversou pessoalmente com mil personagens para o documentário. ©Peter Lindbergh

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Anastasia Mikova, 37 anos, exibia um sorriso de satisfação ao chegar para a entrevista em um ensolarado pátio no bairro de Montmartre, na capital francesa, nas proximidades de sua casa. Há dois dias, havia finalizado a fase de montagem de seu mais novo filme, “Woman”, codirigido pelo célebre fotógrafo e cineasta francês Yann Arthus-Bertrand, com pré-estreia mundial em 1° de setembro, em projeção fora de competição na Mostra de Veneza. Foram mais de duas mil entrevistas com mulheres realizadas por três anos e meio em cerca de 50 países. Continue lendo Anastasia Mikova: cineasta fala sobre o filme “Woman”, que dá voz a duas mil mulheres de cerca de 50 países

Lélia Wanick Salgado: “Não gosto de nada parado. O meu sangue roda rápido. Sempre fiz milhões de coisas ao mesmo tempo”

Lélia na Venezuela, em Salto Ángel, a mais alta cascata do mundo, com 979 metros de altura. @Arquivo Pessoal

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Instalada em sua sala na agência de imprensa fotográfica Amazonas Images, no número 93 do quai de Valmy, face ao aprazível canal Saint Martin, em Paris, a arquiteta e urbanista Lélia Wanick Salgado, 72 anos, recorda sua mais recente incursão, há poucas semanas, na Floresta Amazônica: “Fiquei lá uns dez dias. Dormíamos em um barco estacionado em frente a uma aldeia yanomami. Fazíamos dois voos diários de helicóptero. O objetivo principal, desta vez, era fotografar as duas cachoeiras mais altas da Amazônia brasileira. É uma emoção quando a aparelho sobe e se vê aquela floresta que não acaba mais. É tão lindo”. O responsável pelas imagens aéreas, pendurado à porta do helicóptero, era Sebastião Salgado, seu companheiro de vida e de projetos há 55 anos. Continue lendo Lélia Wanick Salgado: “Não gosto de nada parado. O meu sangue roda rápido. Sempre fiz milhões de coisas ao mesmo tempo”

Como a brasileira Simone Menezes se tornou uma das poucas (e mais importantes) regentes de orquestra no mundo

Simone Menezes vive em Lille, no norte da França, de onde viaja para atuar como regente convidada em diferentes países. © Bruno Bonansea

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS –  Tornar-se regente de orquestra não foi um plano precocemente concebido pela brasiliense Simone Menezes. Seu destino acabou sendo composto em uma partitura de forma quase natural. Aos seis anos de idade, já estudava piano. Três anos mais tarde, ensinava flauta para crianças de sua vizinhança, porque não via graça em tocar sozinha o instrumento. Aos 20, ainda durante sua graduação, criou a Orquestra Sinfônica Jovem da Unicamp e assumiu como regente assistente da Orquestra Sinfônica da USP. Naquela época, não havia se conscientizado de que estava adentrando em uma profissão predominantemente masculina, em que uma mulher com uma batuta na mão era percebida como uma ousadia e um comportamento inapropriado. Continue lendo Como a brasileira Simone Menezes se tornou uma das poucas (e mais importantes) regentes de orquestra no mundo

Chef Alain Ducasse fala de suas viagens e também do acidente aéreo em que foi o único sobrevivente e quase perdeu a vida

   Alain Ducasse se define como um “globetrotter degustador”. © Vincent Lappartient

FERNANDO EICHENBERG / UP MAGAZINE

PARIS – Conversar com o chef Alain Ducasse, um dos maiores nomes da gastronomia francesa, é viajar pelo mundo. Com um total de 18 estrelas no renomado Guia Michelin, fruto de 31 restaurantes espalhados por nove países em três continentes, ele mesmo se autodefine como um “globetrotter degustador”. Quem indagar sobre sua agenda, corre o risco de se perder pelo caminho. “No próximo sábado viajo a Portugal, vou e volto no mesmo dia, para avaliar a possibilidade de um novo projeto nos arredores de Lisboa. Na semana passada estive em Doha, no Qatar, só para um jantar, nem pernoitei em hotel, dormi no avião. Ontem, estava em Perpignan, para uma nova experiência com fermentação de chocolate e jantei no restaurante Le Clos de Lys, uma agradável surpresa do jovem chef Franck Séguret. Amanhã, vou a Barcelona, e depois parto para Manila, Macau e Hong Kong. Há quinze dias estive nos Estados Unidos e, antes, no Japão. Viajo pelo menos uma vez por semana“, diz, acomodado em uma pequena sala anexa à cozinha de seu estrelado restaurante no subsolo do Hotel Plaza Athénée, em Paris. Continue lendo Chef Alain Ducasse fala de suas viagens e também do acidente aéreo em que foi o único sobrevivente e quase perdeu a vida

A incrível história da chef brasileira Alessandra Montagne, de Poté (MG) para as cozinhas de Paris

Alessandra Montagne cativou os fran,ceses com menus caprichados a preços justos. Fotos ©Cécile Chabert

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Recentemente convidada para participar da elaboração do menu de um jantar servido em um evento gastronômico nos suntuosos salões do Quai d’Orsay, a sede do Ministério das Relações Exteriores francês, à beira do rio Sena, a chef brasileira Alessandra Montagne admitiu se sentir, por momentos, em um sonho acordado.

– Não conseguia parar de enxergar aquela menininha da roça, de pé no chão, vestido rasgadinho. Será que este povo tinha noção de que estava chamando a menina de Poté para cozinhar no Quai d’Orsay? – indaga, rindo. – Foi um grande orgulho estar na cozinha naquela noite ao lado de chefs como Guy Savoy e Gérald Passédat. No final, o Alain Ducasse veio me dizer que meu prato estava ótimo. Fiquei super-honrada, a França me deu muitas oportunidades. Continue lendo A incrível história da chef brasileira Alessandra Montagne, de Poté (MG) para as cozinhas de Paris

A história da ribeirinha Cacau, do rio Javarizinho, nos confins da Amazônia, para Paris e o mundo

Cacau em Paris, um sonho realizado. Fotos: © Arquivo pessoal

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Aos sete anos de idade, a pequena Cacau indagou a sua mãe o que havia para além do rio Javarizinho, nos confins da Amazônia, onde morava com a numerosa família em uma cabana sem água corrente e eletricidade. “Pra lá do rio, é o mundo”, foi a lacônica – e poética – explicação materna. Dias depois, sua mãe a avistou nadando ao longe, já bem distante da margem e, às pressas, pulou em uma canoa para resgatar a filha.

– Ela me puxou pelos cabelos, meu deu uns tapas, e perguntou para onde estava indo. Respondi: “Quero conhecer o mundo” – conta Cacau dos Santos, acomodada no club-restaurante Matignon, nas proximidades da avenida Champs-Elysées, na capital francesa. Continue lendo A história da ribeirinha Cacau, do rio Javarizinho, nos confins da Amazônia, para Paris e o mundo

Vitor Tarli: pesquisador brasileiro de baratas no Museu Nacional de História Natural francês

Vitor Tarli, um pesquisador dedicado ao estudo das baratas. © Fotos: Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Não seria surpresa se, certa manhã, Vitor Dias Tarli despertasse de seus sonhos transformado em uma gigantesca barata, a exemplo do personagem Gregor Samsa na célebre obra “Metamorfose”, clássico da literatura de Franz Kafka. Vitor convive com baratas diariamente. Mais do que isso: estuda-as com paixão e afinco. O paranaense, de 29 anos, é um dos raros especialistas brasileiros em baratas, e atualmente desenvolve uma pesquisa de doutorado sobre o tema no Museu Nacional de História Natural, em Paris. A instituição francesa de pesquisa e de difusão da cultura científica naturalista, fundada em 1793, possui uma das maiores coleções de baratas do mundo. Continue lendo Vitor Tarli: pesquisador brasileiro de baratas no Museu Nacional de História Natural francês

Christiane Jatahy: primeiro nome brasileiro a dirigir um espetáculo na Comédie-Française

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Christiane Jatahy começa neste novembro os ensaios para a “A Regra do Jogo”, na Comédie-Française. ©Marcelo Lipiani

FERNANDO EICHENBERG / FOLHA DE SÃO PAULO

PARIS – Christiane Jatahy observa os despidos muros de sua provisória morada em Paris e confidencia, inconformada: “Preciso continuar construindo minhas estantes. Sempre tive um prazer enorme de ficar admirando uma biblioteca, adoro a ideia de paredes repletas de livros, é algo que me apazigua”. Nascida em 1968, ela viveu a primeira parte de sua infância carioca de forma bastante solitária, imersa em numerosas leituras que estimularam sua imaginação e forjaram sua “sensibilização e o olhar para o mundo”. No segundo ato, até os 14 anos, a família avolumou, e o aspecto coletivo se afirmou pelo teatro. Com tios, primos e outros parentes, encenava peças para serem apresentadas nas celebrações familiares, em aniversários ou festejos natalinos. Na juventude, veio a descoberta da filosofia e do cinema, com sessões ininterruptas em cineclubes das 14h às 22h. Adulta, passou a criar no Brasil seus próprios espaços cênicos, mas, principalmente, a quebrar barreiras. Hoje, aos 48 anos, impõe-se com seus singulares espetáculos teatrais nos palcos da Europa, e se prepara para conquistar os Estados Unidos. Continue lendo Christiane Jatahy: primeiro nome brasileiro a dirigir um espetáculo na Comédie-Française

80 anos: um joyeux anniversaire, Verissimo

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Luis Fernando Verissimo escrevendo em seu apartamento em Paris. ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG/ ZERO HORA

PARIS – Quando ainda vivia em Porto Alegre, certa vez recebi Luis Fernando Verissimo e sua inseparável Lúcia para jantar em minha casa. Na época, morava num apartamento na rua Filadélfia, em um terceiro andar sem elevador. Ao me mudar para Paris, meu status subiu: desembarquei em um sexto andar sem elevador. Na calçada, diante da porta de meu prédio parisiense, Verissimo olhou para o alto, colocou a mão sobre meu ombro, e ainda com a mirada nos céus, confidenciou: “Acho que a minha amizade contigo só vai até o terceiro andar”. Continue lendo 80 anos: um joyeux anniversaire, Verissimo

Monique Lévi-Strauss: 90 anos de vida e muitas histórias para contar

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Monique Lévi-Strauss fotografada pelas lentes de Fe Pinheiro (Folhapress).

FERNANDO EICHENBERG / SERAFINA – FOLHA DE S. PAULO

PARIS – A sala principal do apartamento no prédio de número 2 da rua des Marronniers é iluminada por uma ampla janela situada na diagonal de uma longa e estreita mesa de madeira bruta, de tonalidade escura. “Ali meu marido trabalhava todos os dias”, aponta a anfitriã, acomodada no canto do sofá, em uma cinzenta manhã parisiense. “Você ouve o silêncio?”, indaga, poeticamente. “Aqui estamos num bunker – explica ela. É uma peça fortificada. Meu marido fez construir paredes reforçadas por tudo, para ter silêncio, algo imprescindível para ele”. Seu marido, citação constante em suas frases, era o célebre pensador, antropólogo e etnólogo francês Claude Lévi-Strauss, falecido em 2009 neste mesmo endereço, aos 100 anos de idade. Monique Lévi-Strauss, 90 anos – nascida em 5 de março de 1926, em Paris -, recebeu a Serafina em sua residência para conversar sobre um livro que ela escreveu: Une enfance dans la gueule du loup (Uma infância na boca do lobo, ed. Seuil), relato autobiográfico de uma experiência incomum de sua pré-juventude, na Segunda Guerra Mundial, elogiado pela crítica francesa. Mas não deixou de evocar seu cotidiano e sua história de amor com o autor de “Tristes Trópicos” (1955) – considerada como uma das obras capitais do século XX -, e também um dos fundadores da Universidade de São Paulo (USP). “Não foi amor à primeira vista!”, garante ela, com humor e jeito adolescente, exibindo uma vitalidade que desafia sua longevidade. Continue lendo Monique Lévi-Strauss: 90 anos de vida e muitas histórias para contar

Maria Ribeiro e Matilde Campilho: uma conversa entre a cronista e a poeta

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A poeta portuguesa Matilde Campilho (à esquerda) e a cronista e atriz carioca Maria Ribeiro no encontro em Lisboa. © Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

LISBOA – Uma é carioca, atriz, documentarista e cronista, 40 anos de vida, assume sua vaidade, as redes sociais, tem medo de avião, e gosta de inverno. A outra é portuguesa, poeta, 33 anos, evita a exposição, não tem Instagram, é andarilha, e gosta de verão. A primeira, Maria Ribeiro, viajou do Rio a Lisboa para o lançamento da edição portuguesa de sua compilação de crônicas, “Trinta e Oito e Meio” (lançado no Brasil pela ed. Língua Geral), e finaliza o livro “40 Cartas e um Email que Nunca Mandei” (ed. Planeta), que será lançado no início do ano que vem. A segunda, Matilde Campilho, vive hoje em Lisboa após uma temporada de três anos no Rio – de 2010 a 2013 -, e está na quinta edição lusitana de sua primeira obra de poemas, “Jóquei” (ed. Tinta da China; no Brasil, o livro foi lançado pela ed. 34). Além das diferenças de temperamento, as duas mantêm uma nítida convergência de interesse: a escrita. O Globo reuniu as duas escritoras em Lisboa para uma descontraída conversa nestes tempos de crescentes intercâmbios literários luso-brasileiros. Prova disso é que elas voltarão a se encontrar em novembro, quando Matilde Campilho mediará na cidade do Porto o debate do projeto “Você é o que lê”, que além de Maria Ribeiro conta ainda com Xico Sá e Gregório Duvivier. Continue lendo Maria Ribeiro e Matilde Campilho: uma conversa entre a cronista e a poeta

Samar Yazbek: o exílio e a vitória da morte na Síria

SAMAR YAZBEK / FOTOGRAF MUHSIN AKGUN
A escritora síria exilada em Paris Samar Yazbek. ©Muhsin Akgun

FERNANDO EICHENBERG/ FOLHA DE S. PAULO

PARIS – Certo dia, sentada em um café na praça da Bastilha, Samar Yazbek teve um sobressalto de pânico provocado pelo súbito pouso de um pássaro em seu joelho. Um reflexo de tempos passados. Antes de se exilar na capital francesa, em junho de 2011, o terror dos céus vinha dos disparos de atiradores aninhados no alto dos prédios e de bombas lançadas pelas forças do ditador Bashar al-Assad, no sangrento conflito sírio que se estende por mais de cinco anos. Escritora, intelectual, democrata e alauita (ramificação do islamismo xiita, mesma vertente do clã Assad), no início de 2011 Yazbek não hesitou em aderir aos protestos contra os desmandos do governo de Damasco, no rastro da Primavera Árabe. Naquela época, escreveu um texto que viralizou nas redes sociais: “Esperando minha morte”. Detida, foi levada para a prisão onde opositores do regime eram torturados. Interrogada cinco vezes pela polícia secreta síria, foi libertada em algumas semanas, “após alguns tapas”, mas acusada de “traição”. Sob constante ameaça de morte, conseguiu fugir para a França com a filha.

“Foi catastrófico para uma mulher como eu, liberal, e da comunidade alauita. Minha permanência lá era mesmo uma ameaça para quem me acolhia. Outras mulheres me encorajaram a deixar o país e poder escrever sobre tudo o que se passa na Síria”, conta ela à Folha num café de Paris, com o auxílio de um tradutor árabe, pois seu francês ainda é precário.

INCURSÕES

Mesmo no exílio, Yazbek atravessou clandestinamente a fronteira síria por três vezes, entre fevereiro de 2012 e agosto de 2013, para testemunhar o sofrimento em Idlib e Aleppo, zonas de conflito no norte do país. Nas duas primeiras vezes, permaneceu por dez dias cada, e na última, um mês. Em 2013, um ataque provocado pela explosão de um barril de pólvora quase a matou.

As experiências originaram o livro “Les Portes du Néant” (As portas do nada), recém-lançado na França. É uma narrativa explícita do inferno cotidiano da guerra civil -num acúmulo de tragédias, estupros, torturas, execuções, cadáveres e mutilações-, que adotou contornos religiosos com a entrada em cena do Estado Islâmico (EI). “Há apenas um vencedor na Síria: a morte. Só se fala dela, em toda a parte”, escreve em seu relato.

Laureada em 2012 com o prêmio internacional PEN/Pinter para “escritores de coragem” -pela obra “Uma Mulher no Fogo Cruzado: diários da revolução síria”-, Yazbek acredita que, por um lado, sua escrita é “um ato existencial de resistência à morte”. Para ela, o destino de Assad deve ser o banco dos réus no Tribunal Penal Internacional, em Haia: “Ele torturou e matou o povo sírio, espero que seja julgado por crimes contra humanidade. Tenta manipular para dizer ao mundo que há um inimigo mais perigoso do que ele, o EI”.

Yazbek também critica a comunidade internacional. “Países como EUA, Rússia e Irã não intervieram realmente porque têm seus próprios interesses. A situação piorou tanto que hoje se assiste a todas essas mortes no mar Mediterrâneo. Houve uma real diáspora no mundo. E foi só quando os países europeus foram realmente atingidos, com a chegada em massa dos refugiados, que se começou a buscar uma solução.”

REBELDIA

Rebelde por natureza, aos 16 anos a jovem Yazbek deixou sua cidade de Latakia, na costa síria, para se instalar solitária em Damasco e estudar literatura, o que numa sociedade árabe já pode ser considerado como uma “atitude revolucionária”, diz ela. Em 2012, criou a ONG “Women Now for Development”, para ajudar as mulheres sírias -segundo ela, “as primeiras vítimas da guerra”, junto com a crianças.

Recentemente, Yazbek começou a aprender o francês, idioma de seu novo país de adoção, o que evitava antes por razões subconscientes: “Tenho a impressão de que, ao me aproximar do francês, é como se fosse perder minha língua materna, me separar de algo de mim mesma. Mas, para me sentir bem aqui, terei de aprender.”

Amante das letras de José Saramago, Charles Baudelaire, Virginia Woolf ou Naguib Mahfouz, ela já disse que o estado das mulheres sírias, na luta contra o “extremismo religioso, o sistema patriarcal e o despotismo de Bashar”, se assemelha ao conto “A Colônia Penal”, de Franz Kafka: “Somos punidas por todo o lado”. Mas as similaridades param por aí: “Depois de todas as minhas leituras e do que já vi, penso que não há situação comparável ao sofrimento de hoje na Síria.”