Marlene taschen, 35 anos, ceo da editora de livros de arte taschen

Marlene Taschen ©Marco Glaviano

FERNANDO EICHENBERG/O GLOBO

PARIS – Aos 32 anos, Marlene Taschen soube de forma inusitada de sua nomeação como CEO da editora alemã Taschen, célebre tanto por democratizar os livros de arte como por glorificá-los em verdadeiros objetos de luxo. Seu pai, Benedikt Taschen, fundador da editora, era entrevistado ao seu lado em um evento em uma das livrarias da casa, em Berlim, e sem aviso prévio fez o anúncio. “Receber esta responsabilidade, assim deste jeito, foi um choque. E decidi aceitar o desafio”, conta ela em uma conversa por zoom de Londres, onde vive com o marido e a filha Aurelia, de 9 anos.

Hoje aos 35 anos, Marlene, que acaba de dar à luz no final de janeiro a uma nova menina, dirige da capital britânica as criações e os negócios da Taschen, que tem sede na cidade alemã de Colônia, impressões gráficas no norte da Itália e 13 livrarias espalhadas pelo mundo. E diariamente, no final do dia, faz uma reunião virtual de trabalho com o pai, que mora em Los Angeles na Chemosphere, a famosa casa suspensa em forma de disco voador projetada pelo arquiteto John Lautner, em 1960, nas colinas de Hollywood.

Benedikt Taschen ao abrir a Taschen HQ, em 1980. ©Taschen

A Taschen nasceu em 1980 como uma livraria de HQs em um modesto espaço de 25m2 em Colônia, inaugurada pelo então jovem empreendedor Benedikt na véspera de completar seus 19 anos. Hoje, se tornou uma marca de referência por suas edições sobre artes em geral, fotografia, arquitetura, design, erotismo, viagem ou lifestyle, em parcerias exclusivas com grandes nomes internacionais.

Na infância, a pequenina Marlene conheceu artistas como Christo e Jeff Koons ou a ex-atriz pornô Cicciolina. Aos 18 anos, recebeu a missão de acolher no aeroporto, sozinha, Mohammed Ali, que desembarcava para as dedicatórias da obra “GOAT (Great of All Times)”, uma homenagem ao fenômeno do boxe em edição limitada da coleção SUMO, de livros de dimensões gigantescas. Embora a precoce convivência com o universo da editora graças ao pai, seu percurso foi sinuoso até entrar profissionalmente na empresa familiar.

Edição Sumo de Helmut Newton, com móvel de apoio desenhado por Philippe Starck. ©Luca Rotondo

Ao 16 anos, saiu de casa para morar com um namorado. Aos 18, deixou a Alemanha para passar temporadas na Austrália, em uma experiência de intercâmbio, e depois no Panamá, pelo amor de um australiano. Mais tarde, acabou se estabelecendo na Inglaterra. Diplomada em comércio e psicologia, colaborou em Londres com o Museum of Everything, exposição itinerante de arte bruta criada pelo colecionador James Brett.

Foi em 2011, aos 26 anos, grávida de sua primeira filha, que surgiu o interesse de ingressar na Taschen: “Enquanto a Aurelia crescia dentro de mim, me dizia por que não dar minha energia para a empresa da família. Gosto do meu pai, temos uma boa conexão, admirava o que ele fazia. Perguntei se poderíamos trabalhar juntos, e ele ficou muito feliz. Um dos primeiros projetos de que participei foi o livro ‘Gênesis’, de Sebastião Salgado”.

O Brasil continua presente nos planos da editora. Para este ano, além de uma nova obra do fotógrafo brasileiro, sobre a Amazônia, está prevista uma reedição atualizada do livro da artista Beatriz Milhazes. Mais do que isso: o país poderá ter em breve sua primeira livraria Taschen. “Há uma possibilidade, hoje, de uma parceria bem interessante para uma loja em São Paulo. Acho que seria bem bom. Temos trabalhos com pessoas do Brasil, com a Beatriz, e agora estou também pessoalmente envolvida como integrante do conselho do Instituto Terra, do Salgado. E ainda temos a pretensão de um grande projeto sobre Oscar Niemeyer. Tivemos, inclusive, a assinatura dele, já adiantamos uma parte do trabalho, e espero que um dia chegará o momento para concretizá-lo”, diz Marlene.

Obra de David Hockney, com móvel projetado por Marc Newson ©Taschen

O catálogo de 2021 promete ainda obras dos artistas britânico David Hockney e da mexicana Frida Kahlo ou do estilista americano Virgil Abloh, diretor criativo da linha masculina da Louis Vuitton. “Hockney planejou permanecer todo o ano de 2020 em sua casa no interior da Normandia, pintando todas as mudanças das estações em um Ipad. Será um belo e poético artwork de 220 desenhos. O livro de Frida Kahlo foi algo muito difícil, nossa equipe está exausta. Trabalhamos com muitos museus e colecionadores, e tivemos de lidar também com o governo mexicano, em uma operação complicada. Em termos de conteúdo visual, será a obra mais substancial e ambiciosa já publicada sobre ela. Será um livro sobre sua vida e sua arte, com muitas fotos e pinturas”, conta. Já o livro de Virgil Abloh surpreendeu pela enorme quantidade de encomendas antes mesmo de ser lançado. “Foi uma loucura. Incrível como a notícia se espalhou rapidamente e a demanda foi impressionante. Tivemos de reimprimir antes do lançamento, algo inacreditável”, espanta-se. 

Nos seu horizonte está também um maior investimento em livros para crianças e em torno dos universos do tarô e cozinha, e para este último formou uma parceria com a publicação britânica The Gourmand. “Temos as mesmas visões de estilo e de estética. Hoje mesmo estava conversando com eles sobre o nosso primeiro livro, que será exclusivamente sobre o ovo. Não terá apenas receitas, mas também referências na arte, no cinema. Será uma abordagem artística e cultural de cozinhar”, revela. 

Livros da coleção T40, de preços mais acessíveis ao grande público. ©Taschen

Em 2020, para comemorar seus 40 anos de existência, a Taschen criou a coleção T40, de edições compactas de grandes sucessos XL da editora – como Ai Weiwei, Araki, Tadao Ando, Basquiat ou Bruegel -, a um preço acessível (€ 20 na Europa). Ao mesmo tempo, são vendidas edições limitadas a valores elevados. O livro sobre a marca Ferrari, por exemplo, esgotou em uma semana a € 25 mil o exemplar. A coleção SUMO pode trazer inseridas tiragens dos artistas, e móveis de apoio para os livros concebidas por nomes como Philippe Starck, Marc Newson ou Renzo Piano. “É algo muito único para uma empresa, não apenas para um publisher, atuar nestes dois extremos. Somos muito orgulhosos desta abordagem democrática. Nossas edições limitadas são fantásticas, e investimos tudo para fazê-las da melhor forma. Não há economias para alcançar a excelência. Vendemos por um preço caro, e depois fazemos uma versão comercial”, justifica Marlene.

Já a coleção de fotografia erótica, iniciada nos anos 200 sob a curadoria de Dian Hanson, não contribui de forma significativa para as vendas, segundo ela, mas colaborou para tornar a editora conhecida e também a dar visibilidade ao universo homossexual e queer. “De alguns destes livros somos bastante orgulhosos, porque ajudaram a uma certa liberação, tive testemunhos pessoais disso. Eram livros criativos e de espírito aberto. Alguns dos títulos não publicaríamos novamente, mas no conjunto não temos nada a esconder. Dian é uma expert em sexualidade, e pensamos em editar livros sobre sexo em geral”.

Marlene Taschen oferece ao papa Francisco o livro “Gênesis”, de Sebastião Salgado. ©Taschen

No ano que passou, sem poder viajar e com jornadas limitadas no escritório por causa de pandemia, e grávida, Marlene confessa ter podido refletir sobre estes novos tempos em meio à Covid-19. Seu pai teria dito certa vez: “Quando a maré está baixa, vê-se o banhista nu”. “Estando grávida, tinha uma boa razão para ficar mais calma. No lado pessoal, deu um significado extra a tudo isso”, admite ela, uma “multitarefas” assumida, habituada a uma intensa rotina de trabalho e a intimidade com aeroportos. “Não é um bom momento para o mundo, são tempos bastante tristes. 2020 foi nosso 40° aniversário, havia muitos eventos planejados e um programa para o Japão em torno das Olímpiadas, e por causa da pandemia tudo mudou. Usei o tempo muito bem para ter uma visão clara, mais focada. Quando tudo está bem, você deixa o barco correr, mas em tempos ruins, nota outras coisas que não veria antes e que devem ser mudadas. Para nós, foi uma catalisador para mudar e melhorar”.

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