Arquivo da categoria: RIP

R. BADINTER (1928-2024)

©Richard Dumas /VU

FERNANDO EICHENBERG / PARIS

Tive o privilégio de encontrar Robert Badinter, o homem que aboliu a pena de morte e a guilhotina na França, em três ocasiões, todas elas em seu apartamento face ao belo Jardim de Luxemburgo, em Paris. Dois desses encontros foram entrevistas. O terceiro, no entanto, ocorrido em 2019, foi bastante singular. Havia solicitado mais uma entrevista, centrada em questões de justiça internacional. Ele recusou, argumentando que não tinha nada de novo a falar, e que não queria discorrer sobre temas que pudessem provocar polêmica na França, mesmo que suas palavras fossem publicadas em um jornal brasileiro . Mas me convidou mais uma vez para vir a seu apartamento para simplesmente conversar. Às 9h de uma manhã de verão ensolarada, lá estava eu a soar sua porta. Ele me recebeu em seu gabinete, vestindo terno e gravata. Então com 91 anos, seu corpo aparentava frágil e sua voz enfraquecida, mas conversamos alegremente por mais de uma hora. Em boa parte do tempo, foi ele quem me entrevistou, indagando, estupefato, sobre a eleição de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil. Mas não deixei de fazer as perguntas que me interessavam. E também falamos de amenidades. Ao final, insisti que ele permistisse que usasse suas palavras em um texto para o jornal, mas se manteve  irredutível na recusa. Foi a última vez que o vi. Nesta sexta-feira, 9 de fevereiro, soube com tristeza de sua morte, aos 95 anos.

Aqui abaixo o texto que escrevi no meu livro de entrevistas “Entre Aspas vol. 2” (L&PM), de nosso primeiro encontro.

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RIP: JANE BIRKIN (1946-2023)

©Nico Bustos

FERNANDO EICHENBERG / PARIS

Ao longo de minha carreira jornalística em Paris, entrevistei Jane Birkin três vezes, a primeira em 2009, e a última há pouco menos de quatro anos, em 2019. Neste derradeiro encontro em um uma bela e fria manhã de novembro, ela me recebeu em sua casa, nas proximidades da praça Saint-Sulplice. Na sala de seu aconchegante apartamento, me ofereceu uma taça de chá, que ela mesmo fez, e conversamos pausadamente, enquanto seu inseparável buldogue Dolly dormia, roncando estirado no tapete. O resultado de nosso primeiro encontro, que reproduzo aqui, está publicado no segundo volume de meu livro de entrevistas, “Entre Aspas vol. 2” (ed. L&PM). No final, os links para as duas outras entrevistas — uma em que fala da trágica morte de sua filha, Kate Barry, e outra da publicação de seu diário íntimo — para quem quiser saber sobre essa luminosa, humana e singular artista, que já deixa saudades.

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ROLAND CASTRO (1940-2023)

© Castro Denissof Associés

FERNANDO EICHENBERG / PARIS

Arquiteto visionário, que ganhou notoriedade ao associar sua concepção de habitação e urbanismo a um combate político, e infatigável militante – foi um dos expoentes do movimento de Maio de 68 (experiência da qual levou sete anos em análise com o psicanalista Jacques Lacan para se recuperar) –, o  francês Roland Castro morreu no dia 9 de março, aos 82 anos, em um hospital parisiense. Em 2007, nos encontramos para uma entrevista em seu escritório na capital francesa. Leia aqui o resultado de nossa conversa, também publicada no meu segundo livro de entrevistas, “Entre Aspas vol.2” (ed. L&PM).

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just fontaine (1933-2023)

Just Fontaine: medo de Rolando porque o craque brasileiro nasceu no mesmo dia de sua mulher, Arlette. © AFP

FERNANDO EICHENBERG

A lenda do futebol francês Just Fontaine, até hoje detentor do recorde de gols marcados em uma Copa do Mundo, faleceu neste 1° de março, aos 89 anos, na cidade de Toulouse. Tive a chance de entrevistá-lo uma vez, às vésperas do Mundial da Alemanha, em 2006. Aqui, o resultado de nosso encontro.

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RIP: BRUNO LATOUR (1947-2022)

Foto: ©Fernando Eichenberg/2013

FERNANDO EICHENBERG

Tive a chance de conversar com o pensador francês Bruno Latour uma vez em Paris, para uma entrevista para o jornal O Globo. Além de suas bem-vindas reflexões sobre o mundo moderno, tenho a vívida lembrança de de sua extrema generosidade e bom humor em nosso encontro, em sua sala no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-po). O incansável intelectual nos deixou neste 9 de outubro de 2022, aos 75 anos, vitimado pelo câncer. A seguir a entrevista publicada no jornal e também no segundo volume de meu livro de entrevistas “Entre Aspas – vol 2” (ed. L&PM).

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RIP: J.-L. GODARD (1930-2022)

Jean-Luc Godard em 1998. ©Richard Dumas/Agence VU

FERNANDO EICHENBERG/HEADLINE

PARIS – Na última vez em que vi Jean-Luc Godard pessoalmente, ele estava sentado em uma mesa do café parisiense Le Select. O local não poderia ser mais emblemático. Reduto de artistas e intelectuais no século passado, o célebre estabelecimento do número 99 no boulevard Montparnasse acolheu em suas mesas nomes como os de Luis Buñuel, Sergei Eisenstein, Vladimir Nabokov, Ernesty Hemingway, Samuel Beckett, Henry Miller, Anaïs Nin, Isadora Duncan, Allen Ginsberg, Jack Kerouac, William Burroughs, Salvador Dalí, Joan Miró, Erik Satie, Jean Cocteau, entre tantos outros. Godard era um dos habitués do café. Mais do que isso, filmou ali uma das cenas do cult Acossado. Naquela tarde, ele estava solitário, um jornal fechado sobre a mesa, um fumegante charuto à boca, o olhar vago mirando o movimento da rua. Depois que paguei a minha conta, no caminho de saída parei diante de sua mesa, ele levantou a cabeça e me encarou com seus óculos de espessas lentes. Eu disse que ele certamente não lembraria de mim, e me apresentei como um jornalista brasileiro que um dia o havia entrevistado, e que guardava uma bela lembrança de nosso encontro. Ele disse uma ou duas palavras simpáticas, mas deixando claro que não desejava ser incomodado, e me despedi.

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RIP: Sempé (1932-2022)

Sempé em sua casa, em Paris. FOTOS: © Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG

Certa vez, em um domingo flanava pelo bulevar Montparnasse, em Paris, na companhia dos queridos amigos Luis Fernando Verissimo e Lúcia, e comentei que há pouco tempo havia entrevistado o grande Sempé em sua casa, no último andar de um prédio ali perto de onde estávamos. Verissimo, fã do desenhista francês, de pronto respondeu positivamente à minha pergunta se gostariam de conhecer o endereço. Caminhamos alguns minutos e logo estávamos em frente ao prédio. Mostrei o interfone, e recordo de Verissimo olhando para o alto, tentando imaginar, talvez, naquele momento o incansável Sempé debruçado em sua mesa, lápis à mão, criando mais uma de suas obras-primas. Havia entrevistado Sempé para o hoje extinto caderno Prosa & Verso, de O Globo. Recebido generosamente pelo anfitrião, além da ótima conversa, aproveitei para, com o seu consentimento, metralhar com minha câmera o personagem e o entorno. Jeans-Jacques Sempé nos deixou nesta quinta-feira, 11 de agosto. Aqui o resultado de nosso encontro, também publicado no segundo volume de meu livro de entrevistas, “Entre Aspas 2” (L&PM).

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RIP: PETER BROOK (1925-2022)

FERNANDO EICHENBERG

Tive a chance de entrevistar o grande diretor de teatro Peter Brook, que nos deixou no sábado 2 de julho de 2022, aos 97 anos bem vividos, em três oportunidades: duas delas para a revista Bravo! e outra para o Teatro Sesc. Aqui o resultado de nossos encontros, publicado no primeiro volume de meu livro de entrevistas ‘Entre Aspas vol.1″ (LP&M).

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Em outubro de 1990, o diretor de teatro Peter Brook foi entrevistado no programa Le Bon Plaisir, da rádio francesa France-Culture. “O senhor aceitou essa entrevista mesmo tendo declarado um dia que jamais responderia as perguntas dos outros, só daria respostas as suas próprias interrogações. E então?”, questionou a jornalista Béatrice Clérc. O sábio Brook, já apelidado de Buda por seus atores, tratou de se explicar: “Tenho um primeiro princípio fundamental: nunca se apegar ao que dissemos no passado. Quando dizemos algo, é num dado momento, e no dia seguinte poderá ser exatamente o contrário. As contradições existem, mas se na vida adicionarmos todas elas, chegaremos a uma certa verdade”. Brook – na época, pelo menos – seguia ainda uma segunda conduta, também revelada a sua entrevistadora: “Meu outro princípio é o de nunca sentir que é preciso dizer a verdade aos jornalistas. Eles têm uma profissão que é a de fazer perguntas. Se as respondemos é em função das circunstâncias. Assim, por exemplo, diante de você, tratarei de ser relativamente honesto, não mais do que isso”.

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MICHEL PICCOLI (1925-2020)

Resnais, Demy, Melville, Buñuel, Renoir, Godard, Hitchcock : Michel Piccoli, aqui em 2011, atuou com grandes diretores. AFP/Anne-Christine Poujoulat

Imenso ator, Michel Piccoli nos deixou no dia 12, aos 94 anos, vítima de um acidente cerebral, em uma morte anunciada hoje por seus familiares. Presente em mais de 220 filmes, foi dirigido por renomados diretores e contracenou com grandes atrizes e atores. Tive a chance de entrevistar esse talentoso e generoso ser humano, que nunca deixou se engajar por pequenas e grandes causas, em 2003, um pouco antes de entrar em cena no Théâtre des Bouffes du Nord. Lembro como se fosse ontem conversarmos após o espetáculo, comendo tâmaras secas, e depois pegarmos junto o metrô de volta para nossos respectivos lares, os passageiros mirando sem jeito, incrédulos, se perguntando se era realmente o ator que estava ali no vagão.

Segui aqui o resultado de nosso encontro, publicado no primeiro volume de meu livro de entrevistas, “Entre Aspas 1” (L&PM). Continue lendo MICHEL PICCOLI (1925-2020)

RIP ALBERT UDERZO (1927-2020), um dos criadores da dupla Astérix & Obélix

Uderzo em sua casa, em Neuilly-sur-Seine. ©Pascal Vila/Sipa/AP

O desenhista Albert Uderzo, cocriador com o roteirista René Goscinny das célebres aventuras de Astérix & Obélix, morreu esta manhã, aos 92 anos, em sua casa nos subúrbios de Paris, vítima de um ataque cardíaco. Tive a oportunidade de encontrá-lo para uma entrevista, em 2009, em sua residência. Reproduzo aqui nossa conversa, realizada na época para a hoje extinta revista Personnalité, e depois publicada na íntegra no segundo volume do meu livro de entrevistas “Entre Aspas” (L&PM).

OBS: Por coincidência, os roteiristas do álbum “Astérix e a Transitálica” (2017), Jean-Yves Ferri e Didier Conrad, incluíram na trama o vilão mascarado chamado “Coronavírus” e seu fiel companheiro “Bacillus”. Desta vez, não foram os Simpsons a anteciparem o futuro. Continue lendo RIP ALBERT UDERZO (1927-2020), um dos criadores da dupla Astérix & Obélix

RIP Claude Régy (1923-2019)

Claude Régy: “Muitas pessoas vêm escutar a música que esperam, ver a pintura que esperam, ver o teatro que esperam. Elas gostam de rever o que já viram, e não apreciam que as tiremos de seus limites do conhecido, porque é algo seguro, não há aventura”. ©Joël Saget/ AFP

PARIS – O diretor de teatro francês Claude Régy, fundador de uma nova estética na dramaturgia, morreu na noite do último dia 25, aos 96 anos de idade. Certa vez, fiz uma longa entrevista com ele aqui em Paris, para a revista Bravo!, por ocasião de sua montagem de 4.48 Psicose, texto da inglesa Sarah Kane (1971-1999), em cartaz no Théâtre des Bouffes du Nord, que seria também apresentada em São Paulo. Lembro que ao nos despedirmos em seu apartamento, que se destacava por conter apenas o mínimo essencial para uma vida cotidiana – uma escolha sua -, me perguntou por qual das escadas havia subido até o seu andar. Diante da minha resposta, me aconselhou a descer por uma outra: “Os degraus em que você pisará também foram usados por Jean-Jacques Rousseau, quando era preceptor de um jovem neste mesmo prédio”, disse. Desci cuidadosamente pela desgastado mármore da escadaria pensando nos passos do célebre filósofo do século XVIII. O ator Gérard Depardieu, que debutou no teatro sob a direção de Claude Régy, o definia como o “apóstolo do silêncio, da penumbra e do despojamento”.

Aqui o texto que escrevi, na época, para a revista. Continue lendo RIP Claude Régy (1923-2019)

Michel Butor (1926-2016): “célebre desconhecido”

Michel Butor2 ©Ed Alcocok:M.Y.O.P.
Michel Butor, escritor, poeta e ensaísta. ©Ed Alcock/Reprodução

FERNANDO EICHENBERG

PARIS – Michel Butor vivia recluso em meio a suas paredes abarrotadas de livros em sua casa na localidade francesa de Lucinges, próxima à frontreira suíça. O lar foi batizado de “À l’écart” (à parte), um pouco à maneira de sua presença na paisagem literária e intelectual francesa. Inclassificável, o prolixo escritor, pensador, ensaísta, poeta e viajante morreu nesta quarta-feira, aos 89 anos, deixando um vasta e eclética obra. É ele um dos principais expoentes do movimento literário “Nouveu roman” – com “La Modification” (1957) – , ao lado de nomes como Alain Robbe-Grillet, Claude Simon e Nathalie Sarraute. Mas é também um poeta assumido e autor de numerosos ensaios sobre literatura, arte, pintura, música, fotografia ou viagens. “Se diz seguido de mim que sou um célebre desconhecido”, comentou certa vez. Continue lendo Michel Butor (1926-2016): “célebre desconhecido”