Arquivo da categoria: Entrevista

Lélia Wanick Salgado: “Não gosto de nada parado. O meu sangue roda rápido. Sempre fiz milhões de coisas ao mesmo tempo”

Lélia na Venezuela, em Salto Ángel, a mais alta cascata do mundo, com 979 metros de altura. @Arquivo Pessoal

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PARIS – Instalada em sua sala na agência de imprensa fotográfica Amazonas Images, no número 93 do quai de Valmy, face ao aprazível canal Saint Martin, em Paris, a arquiteta e urbanista Lélia Wanick Salgado, 72 anos, recorda sua mais recente incursão, há poucas semanas, na Floresta Amazônica: “Fiquei lá uns dez dias. Dormíamos em um barco estacionado em frente a uma aldeia yanomami. Fazíamos dois voos diários de helicóptero. O objetivo principal, desta vez, era fotografar as duas cachoeiras mais altas da Amazônia brasileira. É uma emoção quando a aparelho sobe e se vê aquela floresta que não acaba mais. É tão lindo”. O responsável pelas imagens aéreas, pendurado à porta do helicóptero, era Sebastião Salgado, seu companheiro de vida e de projetos há 55 anos. Continue lendo Lélia Wanick Salgado: “Não gosto de nada parado. O meu sangue roda rápido. Sempre fiz milhões de coisas ao mesmo tempo”

Como a brasileira Simone Menezes se tornou uma das poucas (e mais importantes) regentes de orquestra no mundo

Simone Menezes vive em Lille, no norte da França, de onde viaja para atuar como regente convidada em diferentes países. © Bruno Bonansea

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PARIS –  Tornar-se regente de orquestra não foi um plano precocemente concebido pela brasiliense Simone Menezes. Seu destino acabou sendo composto em uma partitura de forma quase natural. Aos seis anos de idade, já estudava piano. Três anos mais tarde, ensinava flauta para crianças de sua vizinhança, porque não via graça em tocar sozinha o instrumento. Aos 20, ainda durante sua graduação, criou a Orquestra Sinfônica Jovem da Unicamp e assumiu como regente assistente da Orquestra Sinfônica da USP. Naquela época, não havia se conscientizado de que estava adentrando em uma profissão predominantemente masculina, em que uma mulher com uma batuta na mão era percebida como uma ousadia e um comportamento inapropriado. Continue lendo Como a brasileira Simone Menezes se tornou uma das poucas (e mais importantes) regentes de orquestra no mundo

“A cultura do segredo permitiu a proteção de abusos”, diz autor de “No armário do Vaticano”

Missa na Praça São Pedro: Frédéric Martel afirma que a onipresença de homossexuais na Igreja se configurou em um sistema, com tendência homofóbica e papel importante nos jogos de poder e escândalos. © Alberto Pizzoli/AFP

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PARIS –  Durante quatro anos, o sociólogo e jornalista francês Frédéric Martel mergulhou na Igreja Católica e no Vaticano, com temporadas em Roma e viagens por mais de 30 países. Realizou cerca de 1.500 entrevistas, incluídos 41 cardeais, 52 bispos e monsenhores, 45 núncios apostólicos e mais de 200 padres e seminaristas. Sua investigação resultou no livro de mais de 600 páginas “No armário do Vaticano – poder, hipocrisia e homossexualidade” (Objetiva), com edição brasileira prevista no início de julho. Martel procura mostrar como a onipresença de homossexuais na Igreja e nas altas hierarquias do Vaticano, em uma cultura do segredo, se configurou em um sistema – e não um “lobby gay” denunciado pelos ultraconservadores -, com papel importante nos jogos de poder e nos escândalos da instituição. Defende Francisco como um papa “gay friendly”, embora com lógicas limitações, e aponta um complô do campo dos conservadores radicais para forçá-lo à renúncia. Às vésperas de viajar ao Brasil para a promoção do livro, Frédéric Martel conversou com O GLOBO na capital francesa. Continue lendo “A cultura do segredo permitiu a proteção de abusos”, diz autor de “No armário do Vaticano”

“Todo investidor quer um ambiente estável”, diz ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Santos Cruz, em Paris

Santos Cruz: “Claro que há acomodações a se fazer na área política”. © Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG

PARIS – Para o ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Santos Cruz, não se deve “jogar fora nenhuma crítica” neste início de governo Jair Bolsonaro, nem mesmo as recentes acusações proferidas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que o Executivo de não possui uma agenda para o país. O general reconhece que “acomodações” precisam ser feitas na área política do governo e que todo investidor estrangeiro quer “um ambiente estável”; acredita que a reforma da Previdência será aprovada com modificações até julho; define as manifestações estudantis no país como parte do “andamento social”, e defende a “liberdade com responsabilidade” nos tuítes dos filhos do presidente. Continue lendo “Todo investidor quer um ambiente estável”, diz ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Santos Cruz, em Paris

Amin Maalouf traça um retrato sombrio do mundo com aumento das afirmações identitárias, dos populismos, do controle e da vigilância

Em seu mais recente ensaio, Amin Maalouf vê o mundo no caminho do naufrágio das civilizações. ©Fernando Eichenberg

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PARIS – O título do mais novo ensaio do escritor Amin Maalouf, lançado recentemente na França, não deixa dúvidas sobre seu diagnóstico do estado atual do mundo: “O naufrágio das civilizações” (Grasset). Em considerações históricas entremeadas de testemunhos pessoais, suas palavras descrevem as sociedades ocidentais e árabes em um quadro sombrio de desintegração, com o aumento da violência provocada pelas afirmações identitárias, a expansão dos populismos, o fracasso do projeto europeu, o egocentrismo americano e a ausência de um sistema internacional capaz de indicar um rumo a um planeta sem bússola. “O mundo, hoje, se assemelha a uma selva”, diz, em conversa com O Globo na capital francesa. Continue lendo Amin Maalouf traça um retrato sombrio do mundo com aumento das afirmações identitárias, dos populismos, do controle e da vigilância

Chef Alain Ducasse fala de suas viagens e também do acidente aéreo em que foi o único sobrevivente e quase perdeu a vida

   Alain Ducasse se define como um “globetrotter degustador”. © Vincent Lappartient

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PARIS – Conversar com o chef Alain Ducasse, um dos maiores nomes da gastronomia francesa, é viajar pelo mundo. Com um total de 18 estrelas no renomado Guia Michelin, fruto de 31 restaurantes espalhados por nove países em três continentes, ele mesmo se autodefine como um “globetrotter degustador”. Quem indagar sobre sua agenda, corre o risco de se perder pelo caminho. “No próximo sábado viajo a Portugal, vou e volto no mesmo dia, para avaliar a possibilidade de um novo projeto nos arredores de Lisboa. Na semana passada estive em Doha, no Qatar, só para um jantar, nem pernoitei em hotel, dormi no avião. Ontem, estava em Perpignan, para uma nova experiência com fermentação de chocolate e jantei no restaurante Le Clos de Lys, uma agradável surpresa do jovem chef Franck Séguret. Amanhã, vou a Barcelona, e depois parto para Manila, Macau e Hong Kong. Há quinze dias estive nos Estados Unidos e, antes, no Japão. Viajo pelo menos uma vez por semana“, diz, acomodado em uma pequena sala anexa à cozinha de seu estrelado restaurante no subsolo do Hotel Plaza Athénée, em Paris. Continue lendo Chef Alain Ducasse fala de suas viagens e também do acidente aéreo em que foi o único sobrevivente e quase perdeu a vida

Jane Birkin: entre seu diário íntimo e suas viagens pelo mundo

                                                                                                                                              Foto: © Gabrielle Crawford

FERNANDO EICHENBERG / UP MAGAZINE

PARIS – Inglesa de nascimento, Jane Birkin começou cedo sua vida artística. Aos 17 anos, debutou nos palcos londrinos em uma peça de Graham Greene. Aos 19, se casou com John Barry, oscarizado compositor britânico, reputado pelas trilhas sonoras dos filmes de James Bond. No cinema, despontou em 1966 no controverso filme cult “Blow up” (Palma de Ouro do Festival de Cannes 1967), de Michelangelo Antonioni, em que provocou escândalo ao protagonizar uma das pioneiras cenas de nu frontal nas telas. Em 1968, conheceu, em Paris, Serge Gainsbourg (1928-1991), poeta maldito e músico irreverente, com quem viveu uma intensa e duradoura relação de 12 anos. Hoje, aos 72 anos, estrela mais uma turnê internacional, interpretando canções de Gainsbourg, acompanhada de uma orquestra sinfônica. Nesta entrevista, fala de suas viagens pelo mundo e do primeiro volume de seu diário, recentemente lançado na França. Continue lendo Jane Birkin: entre seu diário íntimo e suas viagens pelo mundo

Filósofa francesa Olivia Gazalé diz que futuro do feminismo depende de uma reinvenção da masculinidade

Em entrevista, a ensaísta francesa Olivia Gazalé discute a construção histórica de estereótipos femininos e masculinos e analisa como o mito da virilidade se tornou uma armadilha para os dois sexos. Foto: © Patrice Normand

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PARIS – O mal-estar masculino contemporâneo não é apenas consequência das diferentes formas de emancipação feminina ou dos abalos provocados pelo movimento #MeToo. A crise do homem neste início de século tem sua principal causa na erosão do mito da virilidade. Essa é a tese desenvolvida em mais de 400 páginas pela pensadora francesa Olivia Gazalé em “Le Mythe de la Virilité – Un Piège pour les Deux Sexes” (o mito da virilidade – uma armadilha para os dois sexos, ed. Robert Laffont, sem previsão de lançamento no Brasil). A autora mostra como a dominação masculina foi construída nos campos político, filosófico, religioso, biológico e cultural, moldando o homem a uma postura viril e relegando a mulher a uma posição de inferioridade. O futuro do feminismo depende, segundo ela, da conscientização pelo homem de sua virilidade fabricada e da reinvenção de sua masculinidade.  Ela acredita que o movimento #MeToo estabeleceu uma “mutação antropológica”, fundou um novo paradigma na relação entre os sexos e impulsou a reflexão masculina sobre a cilada da virilidade. Seu otimismo em relação à emancipação dos sexos é apenas nuançado pelas “reações hipervirilistas” nestes tempos de crise. Continue lendo Filósofa francesa Olivia Gazalé diz que futuro do feminismo depende de uma reinvenção da masculinidade

Chico Buarque afirma que PT cometeu muitos erros no governo, mas alerta para a ameaça à democracia com a possível eleição de Bolsonaro à presidência

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PARIS – Chico Buarque concedeu recentemente em Paris uma entrevista ao canal M6 da TV francesa sobre o embate político no Brasil às vésperas do segundo turno da eleição presidencial. A reportagem, exibida no telejornal da emissora ontem à noite, revelou apenas alguns segundos do total de 25 minutos da conversa do compositor e escritor com a emissora francesa. Aqui a quase íntegra da entrevista. Continue lendo Chico Buarque afirma que PT cometeu muitos erros no governo, mas alerta para a ameaça à democracia com a possível eleição de Bolsonaro à presidência

Roman Krznaric: “A pergunta do século XX foi ‘quem sou eu?’, e a pergunta do século XXI deve ser ‘quem é você?'”

Roman Krznaric: “A questão é saber se vamos aprender a usar o mundo digital de uma forma que possa contribuir para a empatia, a tolerância e o respeito”. © Kate Raworth

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PARIS – A empatia pode ajudar a apaziguar o deletério clima político no Brasil e levar a transformações sociais no mundo? O filósofo australiano Roman Krznaric acredita que sim. Ao longo dos anos e de consecutivas obras, Krznaric se tornou um pensador e autor de sucesso, reconhecido arauto do movimento da filosofia prática, também chamada de filosofia popular. Em ensaios catapultados a best-sellers e traduzidos em mais de vinte idiomas – como “O poder da empatia”, “Como encontrar o trabalho da sua vida” ou “Carpe Diem – resgatando a arte de aproveitar a vida” -, o “pensador cultural”, um dos fundadores da The School of Life e ex-professor de Sociologia e Política da Universidade de Cambridge, reivindica a aplicação dos ensinamentos filosóficos na vida cotidiana, num resgate do tempo dos antigos gregos. Continue lendo Roman Krznaric: “A pergunta do século XX foi ‘quem sou eu?’, e a pergunta do século XXI deve ser ‘quem é você?’”

Pierre Rosanvallon: “Os cidadãos desejam ser ouvidos além das campanhas eleitorais”

Pierre Rosanvallon: “A grande ilusão dos populismos é o retorno a um tipo de unanimidade”. Foto © Fernando Eichenberg

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PARIS – O mundo vive um clima de fatalismo no limiar de uma nova era da modernidade, marcada por uma profunda crise da democracia eleitoral representativa, que já não supre as aspirações emancipatórias dos cidadãos. O desencanto democrático estimula o crescimento dos populismos, principalmente na Europa. Neste período de transição, emergem, cada vez mais, líderes políticos híbridos, na ideologia e na ação. Esse é o diagnóstico traçado por Pierre Rosanvallon, especialista em História Moderna e Contemporânea do Collège de France e fundador do grupo de reflexão República das Ideias, em seu mais recente ensaio publicado na França, “Nossa história intelectual e política (1968-2018)”. Rosanvallon conversou com O GLOBO sobre o “preocupante desmoronamento democrático” nas sociedades contemporâneas em sua sala no Collège de France, em Paris. Continue lendo Pierre Rosanvallon: “Os cidadãos desejam ser ouvidos além das campanhas eleitorais”

Nicolas Hulot e Sebastião Salgado: Humanidade está na encruzilhada entre a barbárie e a civilização

Trilhas abertas por madeireiros na Floresta Amazônica, em imagem feita por Sebastião Salgado: hoje, o fotógrafo elabora ambicioso projeto de proteção da região. © Sebastião Salgado/Amazonas Images

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PARIS – Nicolas Hulot, reputado ativista ecológico francês, recusou todos os convites para integrar os governos dos presidentes Jacques Chirac, Nicolas Sarkozy e François Hollande. Mas acabou se rendendo aos argumentos de Emmanuel Macron, eleito em 2017 ao Palácio do Eliseu, e hoje é ministro da Ecologia, o terceiro posto na hierarquia do governo. Em 2019, Hulot pretende organizar, em Paris, um grande encontro internacional de povos autóctones, com a participação de chefes de Estado do mundo inteiro.

Sebastião Salgado, fotógrafo brasileiro reconhecido internacionalmente, retratou os quatro cantos do planeta e, para além de suas imagens em preto e branco, acabou se tornando um ator da causa ecológica. Com a mulher, Lélia, criou o Instituto Terra e recuperou a desmatada floresta da propriedade de seus pais, em Minas Gerais, com o plantio de cerca de 2,5 milhões de árvores. O fotógrafo prepara, para 2021, uma nova exposição e livro, desta vez sobre os índios da Amazônia. Já como defensor da ecologia, elabora um ambicioso projeto de proteção e desenvolvimento da floresta amazônica.

O Globo reuniu, em Paris, as duas personalidades da luta ecológica para conversar sobre o futuro do planeta. Continue lendo Nicolas Hulot e Sebastião Salgado: Humanidade está na encruzilhada entre a barbárie e a civilização

França, Itália e Alemanha: três diferentes destinos em relação à luta armada no período pós-maio de 68

Corpo do ex-primeiro-ministro Aldo Moro, sequestrado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas na Itália. ©Reuters – 09/05/1978

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PARIS – Na França, o período pós-maio de 68 não redundou na violência de organizações armadas como ocorreu na Alemanha e na Itália, refletida em sangrentas ações de grupos como Fração do Exército Vermelho (RAF, na sigla em alemão) – também conhecido como Baader-Meinhof – e Brigadas Vermelhas. Entre os numerosos atos violentos da RAF, está o sequestro e assassinato do empresário alemão Hanns Martin Schleyer, em 1977, que deflagrou o chamado Outono Alemão, marcado por uma série de atentados e execuções, no auge da luta do Estado contra o terrorismo de extrema-esquerda. Já os “anos de chumbo” italianos tiveram seu caso mais emblemático no rapto do ex-primeiro-ministro Aldo Moro, em 1978, que culminou em sua execução. Para o especialista de sociologia política das universidades de Lausanne e de Paris-Sorbonne, Olivier Fillieule, coautor de “Mudar o mundo, mudar de vida – pesquisa sobre os militantes dos anos 1968 na França” (ed. Actes Sud ), os contextos nacionais e políticos explicam as diferentes opções em relação ao uso da violência pelos três países. Continue lendo França, Itália e Alemanha: três diferentes destinos em relação à luta armada no período pós-maio de 68

Gastón Acurio: “Os grandes restaurantes caros se tornarão cada vez mais raros”

“Decidi há um tempo que não faria mais restaurantes muito caros.” © Ed Phaidon

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PARIS – Certa vez, o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa escreveu que se alguém lhe dissesse que um dia veria “viagens turísticas gastronômicas” ao Peru, seu país natal, jamais acreditaria. A gastronomia peruana desafiou os incrédulos e se tornou uma referência no planeta, num movimento que tem o hoje célebre chef Gastón Acurio, 50 anos, como um de seus principais precursores. Continue lendo Gastón Acurio: “Os grandes restaurantes caros se tornarão cada vez mais raros”

Rony Brauman: “Na guerra, democracias e ditaduras mentem igual”

Rony Brauman © Fernando Eichenberg

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PARIS – Engajado desde 1977 nos movimentos de ajuda internacional, o francês Rony Brauman é um entusiasta fiel e também um crítico vigilante da ação humanitária. Como um dos fundadores da Médicos sem Fronteiras (MSF), e ex-presidente da instituição (1982-1994), condena o apelo excessivo das organizações às regras do direito internacional humanitário, já que, realisticamente, “a guerra só tem uma regra, a vitória”. Ele lamenta os escândalos de abuso sexual no meio, alertando para a existência de outras formas de agravos, não sexuais: “É bom que este problema venha agora à tona, na Oxfam como na MSF. Apenas acrescentaria que isso também é utilizado por pessoas que têm por objetivo desqualificar a ajuda internacional.” Continue lendo Rony Brauman: “Na guerra, democracias e ditaduras mentem igual”

Emma Lavigne, curadora da 14ª Bienal de Arte Contemporânea de Lyon

A biosfera em fogo, cúpula geodésica do americano Richard Buckminster Fuller. ©Archives de la Ville de Montréal

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PARIS – Matinal, Emma Lavigne desperta diariamente por volta das 4h. As preciosas horas de seus dias têm sido dedicadas ultimamente aos preparativos da Bienal de Arte Contemporânea de Lyon, que ocorre de 20 de setembro próximo a 7 de janeiro de 2018. A historiadora da arte e diretora do Centro Pompidou-Metz é a curadora da edição deste ano do reputado evento internacional, com a exposição de obras de mais de 60 artistas dos cinco continentes. O Brasil estará representado por Cildo Meireles, Ernesto Neto, Rivane Neuenschwander e Lygia Pape (1927-2004). Lavigne cita ainda o catalão Daniel Steegmann Mangrané e a italiana Anna Maria Maiolino como artistas “praticamente brasileiros”, por viverem e criarem no país. Continue lendo Emma Lavigne, curadora da 14ª Bienal de Arte Contemporânea de Lyon

Élisabeth Roudinesco e Luc Ferry falam sobre a França sob a presidência de Emmanuel Macron

Luc Ferry  © Stephane Lavoue/Pasco
Élisabert Roudinesco © John Foley

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PARIS – Qual o significado da vitória eleitoral de Emmanuel Macron, que assume no domingo o poder no Palácio do Eliseu, e que desafios aguardam o novo presidente da França? Dois importantes pensadores do cenário intelectual francês, o filósofo Luc Ferry e a historiadora e psicanalista Élisabeth Roudinesco, de reconhecidas reflexões sobre as transformações do mundo contemporâneo, responderam às mesmas questões, separadamente, sobre o presente e o futuro do país, em singulares visões sobre a França que elegeu Macron e as condições que poderão levar ao sucesso ou ao fracasso do novo governo. Continue lendo Élisabeth Roudinesco e Luc Ferry falam sobre a França sob a presidência de Emmanuel Macron

Michel Maffesoli: “É a agonia de uma época”

“Na minha opinião, o primeiro partido da França será a abstenção”. ©Foto: Fernando Eichenberg

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PARIS – Para o reputado pensador francês Michel Maffesoli, a disputa presidencial entre o centrista Emmanuel Macron e a líder da extrema-direita Marine Le Pen ilustra um sistema político em estado de agonia que “vai ressurgir em algo novo”. Segundo o sociólogo, a França real é representada, hoje, no voto de abstenção. Continue lendo Michel Maffesoli: “É a agonia de uma época”

Filósofo Alain Badiou diz que geopolítica atual lembra véspera da Primeira Guerra Mundial

O filósofo francês Alain Badiou, em Paris. © Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / FOLHA DE SÃO PAULO

PARIS – Um dos filósofos mais importantes da atualidade compara a geopolítica contemporânea à situação da véspera da Primeira Guerra Mundial, explica por que discursos autoritários e nacionalistas se beneficiam das crises da democracia, analisa as semelhanças entre direita e esquerda e fala sobre sua hipótese comunista. O filósofo, romancista e dramaturgo Alain Badiou, 80, um dos intelectuais mais importantes da França, compara a atual situação geopolítica à que antecedeu a Primeira Guerra Mundial (1914-18). Para ele, a eleição de Donald Trump, nos EUA, é um caso patológico, enquanto o presidente Vladimir Putin, da Rússia, busca vingança pelo desmonte da União Soviética e leva seu país ao mesmo papel da Alemanha em 1914. Badiou chama a atenção para a crise da democracia e para o clima de desorientação global, que podem favorecer regimes autoritários e reforçar discursos nacionalistas e populistas –situação que também afeta a França, onde Marine Le Pen, candidata de extrema direita, tem boas chances de ir para o segundo turno da eleição presidencial. A primeira rodada de votação acontece em 23 de abril. Continue lendo Filósofo Alain Badiou diz que geopolítica atual lembra véspera da Primeira Guerra Mundial

Bernard-Henri Lévy: “Os Estados democráticos avançam na direção do populismo e do niilismo”

BHL: “Há uma espécie de revolução mundial em marcha, das ideias simples, dos que desprezam a democracia”. ©AFP/ Joel Saget

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PARIS – O filósofo Bernard-Henri Lévy está bastante inquieto com o estado atual da França e do mundo. Em seu país, ele alerta para a ascensão da extrema-direita face à crise das forças da direita e da esquerda tradicionais. Em âmbito global, acredita que os Estados democráticos rumam para o populismo e o niilismo, e que as tensões atuais lembram o clima às vésperas da eclosão da Primeira Guerra Mundial. Intelectual engajado, dirigiu recentemente dois documentários em torno da luta dos combatentes curdos do Iraque, os peshmergas, contra o Estado Islâmico (EI). O último, “A batalha de Mossul”, foi exibido recentemente pelo canal franco-alemão Arte. BHL, como é conhecido, conversou com O GLOBO na biblioteca de um grande hotel parisiense, nas proximidades do Palácio do Eliseu. Continue lendo Bernard-Henri Lévy: “Os Estados democráticos avançam na direção do populismo e do niilismo”

Tzvetan Todorov (1939-2017): “A memória é, ao mesmo tempo, a pior e a melhor coisa do mundo”

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Tzvetan Todorov: “O desafio humanista é essa possibilidade de tentar melhorar, por meio da ação, a convicção de que o pior não é inevitável”. ©Ulf Andersen/Aurimages/AFP

Certa vez, perguntaram a Samuel Beckett por que ele escrevia. No lugar de uma eloquente revelação sobre a importância da literatura e da escrita, o mestre irlandês respondeu, em escassas palavras, que era só o que sabia fazer, a sua única utilidade. O episódio era constantemente evocado por Tzvetan Todorov para justificar seus dias: “Também nada mais sei fazer do que escrever livros”. Encontrei Tzvetan Todorov no final de 2000, para uma entrevista para a hoje extinta revista “República”, em uma sala da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS, na sigla em francês), em Paris, onde desenvolvia suas pesquisas. O pensador faleceu aos 77 anos nesta terça-feira, 7 de fevereiro, na capital francesa. Ele acabara de concluir sua mais recente obra, “O Triunfo do Artista”, que será lançada no mês de março na França. Continue lendo Tzvetan Todorov (1939-2017): “A memória é, ao mesmo tempo, a pior e a melhor coisa do mundo”

Uma conversa em Paris com Jean-Paul Belmondo, ícone e ator de mil vidas

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Jean-Paul Belmondo em seu apartamento, na rua de Saints-Pères. ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG/ O GLOBO

PARIS – Feio e sem talento para atuar no cinema ou no teatro. O cruel veredicto foi por diversas vezes sentenciado ao jovem candidato a ator Jean-Paul Belmondo. Mas, apesar das repetidas rejeições no início de carreira, manteve seu lema: “Perseverar é o axioma, esperar, uma religião”. Hoje, aos 83 anos, exibe um longo e invejável currículo de 87 filmes e três dezenas de peças de teatro, dono de uma reputação artística internacional. Seu destino mudou em 1959, aos 26 anos, um ano após ter sido abordado na rua Saint-Benoît, em Paris, pelo debutante cineasta Jean-Luc Godard, crítico da emblemática revista “Cahiers de Cinéma” e futuro enfant terrible da Nouvelle Vague, para protagonizar o curta-metragem “Charlotte e seu namorado”. Ao final da filmagem, o diretor lhe prometeu: “O dia em que fizer meu primeiro longa-metragem, será com você”. A promessa foi cumprida, e o inesperado sucesso do hoje mundialmente cult “Acossado” (1960), em duo com a atriz Jean Seberg, catapultou Belmondo para a fama e para as câmeras de renomados cineastas. “Havia atuado por dez anos no teatro, em diferentes papeis, e um dia encontro Godard, ele me propõe fazer “Acossado”, e tudo mudou para mim. Mudou minha vida. Se seguiram muitos diretores, e não parei mais”, relembra. Continue lendo Uma conversa em Paris com Jean-Paul Belmondo, ícone e ator de mil vidas

Luc Ferry: “O debate americano é desastroso”

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FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – O filósofo francês Luc Ferry, que já morou e lecionou nos Estados Unidos, não economiza adjetivos depreciativos ao abordar as eleições presidenciais no país. Embora defina Hillary Clinton como integrante de uma “dinastia elitista e rica”, incapaz de provocar entusiasmo, acredita que uma ida de Donald Trump à Casa Branca ridicularizaria os EUA no mundo. Em caso contrário, adverte: mesmo derrotado, Trump deixará marcas com a popularidade alcançada na campanha presidencial. Continue lendo Luc Ferry: “O debate americano é desastroso”

Christiane Jatahy: primeiro nome brasileiro a dirigir um espetáculo na Comédie-Française

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Christiane Jatahy começa neste novembro os ensaios para a “A Regra do Jogo”, na Comédie-Française. ©Marcelo Lipiani

FERNANDO EICHENBERG / FOLHA DE SÃO PAULO

PARIS – Christiane Jatahy observa os despidos muros de sua provisória morada em Paris e confidencia, inconformada: “Preciso continuar construindo minhas estantes. Sempre tive um prazer enorme de ficar admirando uma biblioteca, adoro a ideia de paredes repletas de livros, é algo que me apazigua”. Nascida em 1968, ela viveu a primeira parte de sua infância carioca de forma bastante solitária, imersa em numerosas leituras que estimularam sua imaginação e forjaram sua “sensibilização e o olhar para o mundo”. No segundo ato, até os 14 anos, a família avolumou, e o aspecto coletivo se afirmou pelo teatro. Com tios, primos e outros parentes, encenava peças para serem apresentadas nas celebrações familiares, em aniversários ou festejos natalinos. Na juventude, veio a descoberta da filosofia e do cinema, com sessões ininterruptas em cineclubes das 14h às 22h. Adulta, passou a criar no Brasil seus próprios espaços cênicos, mas, principalmente, a quebrar barreiras. Hoje, aos 48 anos, impõe-se com seus singulares espetáculos teatrais nos palcos da Europa, e se prepara para conquistar os Estados Unidos. Continue lendo Christiane Jatahy: primeiro nome brasileiro a dirigir um espetáculo na Comédie-Française

Louvre renovado prepara novas exposições e enfrenta a ameaça terrorista na França

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Jean-Luc Martinez, presidente do Louvre: “Sou um daqueles que acreditam que o belo pode salvar o mundo”. ©Museu do Louvre/Florence Brochoire

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS — O Museu do Louvre, o primeiro do mundo em termos de frequência, deverá perder até cerca de 2 milhões de visitantes este ano, o equivalente a mais de 20% do total de seu atual público. A queda, estimada pelo presidente da célebre instituição francesa, Jean-Luc Martinez, 52 anos, é creditada principalmente aos efeitos colaterais dos recentes atentados e da constante ameaça terrorista na França. Para conter este decréscimo, além de reforçar a segurança local, o museu intensificou as ações de divulgação de sua imagem no exterior. Foi lançado, inclusive, o projeto de uma grande exposição no Rio e em São Paulo durante os últimos Jogos Olímpicos, mas, apesar dos esforços, sem alcançar concretização. Os brasileiros são, hoje, a quarta nacionalidade estrangeira de maior frequentação do museu, atrás dos italianos, chineses e, no topo, os americanos. A média de tempo de visita do público brasileiro, de 3h10min de duração, está, inclusive, acima da média geral, de 2h42min. Continue lendo Louvre renovado prepara novas exposições e enfrenta a ameaça terrorista na França

Monique Lévi-Strauss: 90 anos de vida e muitas histórias para contar

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Monique Lévi-Strauss fotografada pelas lentes de Fe Pinheiro (Folhapress).

FERNANDO EICHENBERG / SERAFINA – FOLHA DE S. PAULO

PARIS – A sala principal do apartamento no prédio de número 2 da rua des Marronniers é iluminada por uma ampla janela situada na diagonal de uma longa e estreita mesa de madeira bruta, de tonalidade escura. “Ali meu marido trabalhava todos os dias”, aponta a anfitriã, acomodada no canto do sofá, em uma cinzenta manhã parisiense. “Você ouve o silêncio?”, indaga, poeticamente. “Aqui estamos num bunker – explica ela. É uma peça fortificada. Meu marido fez construir paredes reforçadas por tudo, para ter silêncio, algo imprescindível para ele”. Seu marido, citação constante em suas frases, era o célebre pensador, antropólogo e etnólogo francês Claude Lévi-Strauss, falecido em 2009 neste mesmo endereço, aos 100 anos de idade. Monique Lévi-Strauss, 90 anos – nascida em 5 de março de 1926, em Paris -, recebeu a Serafina em sua residência para conversar sobre um livro que ela escreveu: Une enfance dans la gueule du loup (Uma infância na boca do lobo, ed. Seuil), relato autobiográfico de uma experiência incomum de sua pré-juventude, na Segunda Guerra Mundial, elogiado pela crítica francesa. Mas não deixou de evocar seu cotidiano e sua história de amor com o autor de “Tristes Trópicos” (1955) – considerada como uma das obras capitais do século XX -, e também um dos fundadores da Universidade de São Paulo (USP). “Não foi amor à primeira vista!”, garante ela, com humor e jeito adolescente, exibindo uma vitalidade que desafia sua longevidade. Continue lendo Monique Lévi-Strauss: 90 anos de vida e muitas histórias para contar

Maria Ribeiro e Matilde Campilho: uma conversa entre a cronista e a poeta

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A poeta portuguesa Matilde Campilho (à esquerda) e a cronista e atriz carioca Maria Ribeiro no encontro em Lisboa. © Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

LISBOA – Uma é carioca, atriz, documentarista e cronista, 40 anos de vida, assume sua vaidade, as redes sociais, tem medo de avião, e gosta de inverno. A outra é portuguesa, poeta, 33 anos, evita a exposição, não tem Instagram, é andarilha, e gosta de verão. A primeira, Maria Ribeiro, viajou do Rio a Lisboa para o lançamento da edição portuguesa de sua compilação de crônicas, “Trinta e Oito e Meio” (lançado no Brasil pela ed. Língua Geral), e finaliza o livro “40 Cartas e um Email que Nunca Mandei” (ed. Planeta), que será lançado no início do ano que vem. A segunda, Matilde Campilho, vive hoje em Lisboa após uma temporada de três anos no Rio – de 2010 a 2013 -, e está na quinta edição lusitana de sua primeira obra de poemas, “Jóquei” (ed. Tinta da China; no Brasil, o livro foi lançado pela ed. 34). Além das diferenças de temperamento, as duas mantêm uma nítida convergência de interesse: a escrita. O Globo reuniu as duas escritoras em Lisboa para uma descontraída conversa nestes tempos de crescentes intercâmbios literários luso-brasileiros. Prova disso é que elas voltarão a se encontrar em novembro, quando Matilde Campilho mediará na cidade do Porto o debate do projeto “Você é o que lê”, que além de Maria Ribeiro conta ainda com Xico Sá e Gregório Duvivier. Continue lendo Maria Ribeiro e Matilde Campilho: uma conversa entre a cronista e a poeta

Samar Yazbek: o exílio e a vitória da morte na Síria

SAMAR YAZBEK / FOTOGRAF MUHSIN AKGUN
A escritora síria exilada em Paris Samar Yazbek. ©Muhsin Akgun

FERNANDO EICHENBERG/ FOLHA DE S. PAULO

PARIS – Certo dia, sentada em um café na praça da Bastilha, Samar Yazbek teve um sobressalto de pânico provocado pelo súbito pouso de um pássaro em seu joelho. Um reflexo de tempos passados. Antes de se exilar na capital francesa, em junho de 2011, o terror dos céus vinha dos disparos de atiradores aninhados no alto dos prédios e de bombas lançadas pelas forças do ditador Bashar al-Assad, no sangrento conflito sírio que se estende por mais de cinco anos. Escritora, intelectual, democrata e alauita (ramificação do islamismo xiita, mesma vertente do clã Assad), no início de 2011 Yazbek não hesitou em aderir aos protestos contra os desmandos do governo de Damasco, no rastro da Primavera Árabe. Naquela época, escreveu um texto que viralizou nas redes sociais: “Esperando minha morte”. Detida, foi levada para a prisão onde opositores do regime eram torturados. Interrogada cinco vezes pela polícia secreta síria, foi libertada em algumas semanas, “após alguns tapas”, mas acusada de “traição”. Sob constante ameaça de morte, conseguiu fugir para a França com a filha.

“Foi catastrófico para uma mulher como eu, liberal, e da comunidade alauita. Minha permanência lá era mesmo uma ameaça para quem me acolhia. Outras mulheres me encorajaram a deixar o país e poder escrever sobre tudo o que se passa na Síria”, conta ela à Folha num café de Paris, com o auxílio de um tradutor árabe, pois seu francês ainda é precário.

INCURSÕES

Mesmo no exílio, Yazbek atravessou clandestinamente a fronteira síria por três vezes, entre fevereiro de 2012 e agosto de 2013, para testemunhar o sofrimento em Idlib e Aleppo, zonas de conflito no norte do país. Nas duas primeiras vezes, permaneceu por dez dias cada, e na última, um mês. Em 2013, um ataque provocado pela explosão de um barril de pólvora quase a matou.

As experiências originaram o livro “Les Portes du Néant” (As portas do nada), recém-lançado na França. É uma narrativa explícita do inferno cotidiano da guerra civil -num acúmulo de tragédias, estupros, torturas, execuções, cadáveres e mutilações-, que adotou contornos religiosos com a entrada em cena do Estado Islâmico (EI). “Há apenas um vencedor na Síria: a morte. Só se fala dela, em toda a parte”, escreve em seu relato.

Laureada em 2012 com o prêmio internacional PEN/Pinter para “escritores de coragem” -pela obra “Uma Mulher no Fogo Cruzado: diários da revolução síria”-, Yazbek acredita que, por um lado, sua escrita é “um ato existencial de resistência à morte”. Para ela, o destino de Assad deve ser o banco dos réus no Tribunal Penal Internacional, em Haia: “Ele torturou e matou o povo sírio, espero que seja julgado por crimes contra humanidade. Tenta manipular para dizer ao mundo que há um inimigo mais perigoso do que ele, o EI”.

Yazbek também critica a comunidade internacional. “Países como EUA, Rússia e Irã não intervieram realmente porque têm seus próprios interesses. A situação piorou tanto que hoje se assiste a todas essas mortes no mar Mediterrâneo. Houve uma real diáspora no mundo. E foi só quando os países europeus foram realmente atingidos, com a chegada em massa dos refugiados, que se começou a buscar uma solução.”

REBELDIA

Rebelde por natureza, aos 16 anos a jovem Yazbek deixou sua cidade de Latakia, na costa síria, para se instalar solitária em Damasco e estudar literatura, o que numa sociedade árabe já pode ser considerado como uma “atitude revolucionária”, diz ela. Em 2012, criou a ONG “Women Now for Development”, para ajudar as mulheres sírias -segundo ela, “as primeiras vítimas da guerra”, junto com a crianças.

Recentemente, Yazbek começou a aprender o francês, idioma de seu novo país de adoção, o que evitava antes por razões subconscientes: “Tenho a impressão de que, ao me aproximar do francês, é como se fosse perder minha língua materna, me separar de algo de mim mesma. Mas, para me sentir bem aqui, terei de aprender.”

Amante das letras de José Saramago, Charles Baudelaire, Virginia Woolf ou Naguib Mahfouz, ela já disse que o estado das mulheres sírias, na luta contra o “extremismo religioso, o sistema patriarcal e o despotismo de Bashar”, se assemelha ao conto “A Colônia Penal”, de Franz Kafka: “Somos punidas por todo o lado”. Mas as similaridades param por aí: “Depois de todas as minhas leituras e do que já vi, penso que não há situação comparável ao sofrimento de hoje na Síria.” 

Michel Lallement: a utopia do “faça você mesmo”

Michel Lallement1 - © Hermance Triay
O sociólogo francês Michel Lallement passou um ano entre os hackers. © Hermance Triay

FERNANDO EICHENBERG – ILUSTRíSSIMA/ FOLHA DE S.PAULO

PARIS – O século 21 marcará o início do fim do modelo dominante da sociedade assalariada e a afirmação crescente da “utopia concreta” de organizações coletivas sustentadas na autonomia, na solidariedade e no prazer do trabalho? Impregnado desta interrogação, o francês Michel Lallement, especialista em sociologia do trabalho e do emprego, passou um ano embebido na chamada comunidade hacker americana Noisebridge, instalada na baía de São Francisco. Sua vivência como membro do grupo, no período 2011-2012, resultou na recente publicação do livro “L’âge du faire” (A idade do fazer, ed. Seuil). Continue lendo Michel Lallement: a utopia do “faça você mesmo”