Arquivo da categoria: Literatura

Marie NDiaye: romancista francesa fala de identidade e de sua escrita da ambiguidade

Marie NDiaye em seu apartamento em Paris. Fotos: ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / REVISTA QUATRO CINCO UM

PARIS — Por volta dos 10 anos, Marie NDiaye foi presenteada por sua mãe, professora de Ciências, com a Petite Internationale, uma pequenina máquina de escrever de plástico, concebida especialmente para crianças. Nessa época, descobriu o livro Them, da escritora americana Joyce Carol Oates, obra que a mãe, voraz leitora, havia tomado emprestado na biblioteca. “Foi um tipo de epifania. Saí transformada dessa leitura. Compreendi o que era possível criar com as palavras, e queria fazer igual. Esse livro mudou minha vida”, conta NDiaye, hoje aos 57 anos, assentada no sofá de seu apartamento em Paris, próximo à Place de la Nation. Tornar-se escritora não emergiu como uma interrogação, mas uma evidência, diz ela. Mais tarde, adolescente, ganhou de sua tia uma enorme e pesada máquina de escrever profissional. “Minha tia trabalhava em um banco, que modernizou a agência e descartou vários equipamentos. Foi uma grande felicidade ter essa bela máquina. Era como um grande e velho carro que funcionava bem. E fazia muito ruído”, relembra. Entre os 12 e 15 anos, se aventurou nas literaturas americana, russa e sul-americana, e tentava, a sua maneira, copiá-las. Ao ler Gabriel García Márquez, escreveu uma breve ficção que se passava na Colômbia. “Gostei imensamente de García Márquez, dessa erupção do fantástico na vida mais ordinária de pessoas comuns. Sempre fui muito atraída por essa mistura entre o fantástico e o real”, admite.

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ENTREVISTA COM O ESCRITOR MOHAMED MBOUGAR SARR

FERNANDO EICHENBERG/ QUATRO CINCO UM

PARIS – Ao encerrar em Lisboa, em junho, sua longa turnê de 65 shows em nove meses, Chico Buarque voou rumo a Paris para merecidos dias de descanso antes de retornar ao Brasil. Da estante de sua morada na capital francesa, retirou um livro adormecido, que havia ganhado de presente de aniversário no ano passado: La plus secrète mémoire des hommes, do escritor senegalês Mohamed Mbougar Sarr. Aberta a primeira página, não conseguiu mais parar a leitura. “É simplesmente maravilhoso! Ele escreve maravilhosamente bem, e além do mais é engraçado, tem humor. Após ler esse livro, não sei como poderei voltar a escrever novamente”, exagerou o escritor laureado com o prestigioso prêmio literário Camões, sem esconder seu vivo entusiasmo.

Sarr não seduziu com sua escrita apenas o escritor brasileiro, mas também o exigente júri do Goncourt, o mais importante prêmio literário francês. A mais recôndita memória dos homens, assim traduzido e recém-lançado no Brasil pela editora Fósforo, foi apontado vencedor do Goncourt em 2021, por unanimidade, e desde então tem acumulado elogios da crítica e conquistado leitores pelo mundo.

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Escritor Atiq Rahimi conta em livro sua experiência do exílio

Atiq Rahimi lança livro em prosa poética sobre a condição do exílio. © Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Quando desembarcou na França como exilado político, em 1985, fugindo da guerra em seu país, o jovem afegão Atiq Rahimi, então com 23 anos, não imaginava que um dia se tornaria escritor, nem que escreveria livros em francês, e tampouco que receberia o mais prestigiado prêmio literário da França, o Goncourt. Além de autor traduzido em vários países, Rahimi também é cineasta – seu filme “Terra e cinzas” foi premiado na mostra “Um certo olhar” do Festival de Cinema de Cannes -, e se aventura pela fotografia e o desenho. Continue lendo Escritor Atiq Rahimi conta em livro sua experiência do exílio

Atração da Flip, Leïla Slimani lança no Brasil seu premiado romance

“Quando mulheres, em Paris, defendem o direito de serem importunadas, elas não se dão conta de o que é viver em cidades como Casablanca ou Cairo”. Fotos ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARISLeïla Slimani recebe a reportagem em seu apartamento parisiense, às 9h da manhã, com seu bebê no colo e logo se desculpa, avisando que a babá está para chegar. A imagem não poderia ser mais emblemática. Seu romance “Canção de ninar”, lançado este mês no Brasil (Ed. Planeta) e vencedor há dois anos do prestigiado prêmio literário Goncourt, o mais importante da França, gira em torno do assassinato de duas crianças por sua babá, numa história inspirada de um fato real ocorrido em Nova York, em 2012. Continue lendo Atração da Flip, Leïla Slimani lança no Brasil seu premiado romance

Maria Ribeiro e Matilde Campilho: uma conversa entre a cronista e a poeta

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A poeta portuguesa Matilde Campilho (à esquerda) e a cronista e atriz carioca Maria Ribeiro no encontro em Lisboa. © Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

LISBOA – Uma é carioca, atriz, documentarista e cronista, 40 anos de vida, assume sua vaidade, as redes sociais, tem medo de avião, e gosta de inverno. A outra é portuguesa, poeta, 33 anos, evita a exposição, não tem Instagram, é andarilha, e gosta de verão. A primeira, Maria Ribeiro, viajou do Rio a Lisboa para o lançamento da edição portuguesa de sua compilação de crônicas, “Trinta e Oito e Meio” (lançado no Brasil pela ed. Língua Geral), e finaliza o livro “40 Cartas e um Email que Nunca Mandei” (ed. Planeta), que será lançado no início do ano que vem. A segunda, Matilde Campilho, vive hoje em Lisboa após uma temporada de três anos no Rio – de 2010 a 2013 -, e está na quinta edição lusitana de sua primeira obra de poemas, “Jóquei” (ed. Tinta da China; no Brasil, o livro foi lançado pela ed. 34). Além das diferenças de temperamento, as duas mantêm uma nítida convergência de interesse: a escrita. O Globo reuniu as duas escritoras em Lisboa para uma descontraída conversa nestes tempos de crescentes intercâmbios literários luso-brasileiros. Prova disso é que elas voltarão a se encontrar em novembro, quando Matilde Campilho mediará na cidade do Porto o debate do projeto “Você é o que lê”, que além de Maria Ribeiro conta ainda com Xico Sá e Gregório Duvivier. Continue lendo Maria Ribeiro e Matilde Campilho: uma conversa entre a cronista e a poeta

o fenômeno da Rentrée littéraire na frança

Rentrée4- Livraria L'Écume des Pages ©Fernando Eichenberg
A rentrée littéraire na livraria l’Écume des Pages. ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG/ ZERO HORA

PARIS – O mês de setembro assinala o começo do outono na Europa. É o verdadeiro início do ano no continente depois das festejadas férias de verão. Janeiro é januarius, mês do deus Janus, representado por duas faces coladas e opostas, uma mirando para o passado, e a outra, na direção do futuro. Mas é no nono mês do calendário que as tradicionais agendas vendem como baguette quente, e as revistas exibem os mais previsíveis artigos sobre “as resoluções para o novo ano”. Depois do dolce far niente de agosto, o estresse logo se instala nos subterrâneos do metrô, novamente tumultuados, e nos semblantes de motoristas impacientes em meio aos frequentes engarrafamentos. Os ministros da República retornam ao debate político bronzeados pelo sol estival, as crianças se alvoroçam nos portões das escolas na volta às aulas, e a vida cotidiana, cultural e gastronômica retoma seu curso, já com as matizes de outono. O setembro francês é o março brasileiro. É o ano que (re)começa. Continue lendo o fenômeno da Rentrée littéraire na frança

Michel Butor (1926-2016): “célebre desconhecido”

Michel Butor2 ©Ed Alcocok:M.Y.O.P.
Michel Butor, escritor, poeta e ensaísta. ©Ed Alcock/Reprodução

FERNANDO EICHENBERG

PARIS – Michel Butor vivia recluso em meio a suas paredes abarrotadas de livros em sua casa na localidade francesa de Lucinges, próxima à frontreira suíça. O lar foi batizado de “À l’écart” (à parte), um pouco à maneira de sua presença na paisagem literária e intelectual francesa. Inclassificável, o prolixo escritor, pensador, ensaísta, poeta e viajante morreu nesta quarta-feira, aos 89 anos, deixando um vasta e eclética obra. É ele um dos principais expoentes do movimento literário “Nouveu roman” – com “La Modification” (1957) – , ao lado de nomes como Alain Robbe-Grillet, Claude Simon e Nathalie Sarraute. Mas é também um poeta assumido e autor de numerosos ensaios sobre literatura, arte, pintura, música, fotografia ou viagens. “Se diz seguido de mim que sou um célebre desconhecido”, comentou certa vez. Continue lendo Michel Butor (1926-2016): “célebre desconhecido”

Um encontro em Budapeste: Peter Esterházy (1950-2016)

Peter Esterhàzy
Peter Esterházy em nosso encontro em Budapeste ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG

PARIS – Em meio aos trágicos atentados de Nice, uma outra morte me pegou de surpresa, em outros lados da Europa, na cidade de Budapeste. Em 14 de julho último, o escritor húngaro Peter Esterházy, 66 anos, sucumbiu a sua luta contra o câncer, combate evocado em seu livro lançado há cerca de um mês, “Diário Íntimo do Pâncreas”. Nos encontramos para uma entrevista na capital húngara no gelado novembro de 2008. Continue lendo Um encontro em Budapeste: Peter Esterházy (1950-2016)