o fenômeno da Rentrée littéraire na frança

Rentrée4- Livraria L'Écume des Pages ©Fernando Eichenberg
A rentrée littéraire na livraria l’Écume des Pages. ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG/ ZERO HORA

PARIS – O mês de setembro assinala o começo do outono na Europa. É o verdadeiro início do ano no continente depois das festejadas férias de verão. Janeiro é januarius, mês do deus Janus, representado por duas faces coladas e opostas, uma mirando para o passado, e a outra, na direção do futuro. Mas é no nono mês do calendário que as tradicionais agendas vendem como baguette quente, e as revistas exibem os mais previsíveis artigos sobre “as resoluções para o novo ano”. Depois do dolce far niente de agosto, o estresse logo se instala nos subterrâneos do metrô, novamente tumultuados, e nos semblantes de motoristas impacientes em meio aos frequentes engarrafamentos. Os ministros da República retornam ao debate político bronzeados pelo sol estival, as crianças se alvoroçam nos portões das escolas na volta às aulas, e a vida cotidiana, cultural e gastronômica retoma seu curso, já com as matizes de outono. O setembro francês é o março brasileiro. É o ano que (re)começa.

E na França ciosa de sua excecionalidades é também a época do chamado fenômeno da rentrée littéraire. Enquanto amareladas folhas despencam das árvores formando tapetes naturais nas calçadas, as livrarias do país transbordam suas estantes e vitrines de lançamentos editoriais. No espaço de pouco mais de um mês, de final de agosto a início de outubro, as editoras desovam centenas de livros, de todos os tipos, gêneros, formatos e espessuras, do romance ao ensaio, passando pela história em quadrinhos. A safra 2016 terá um total de 560 novos títulos franceses e estrangeiros, um pouco menos em relação aos 589 da rentrée do ano passado. Só de novos romances nacionais, serão 363 lançamentos, contra 393 em 2015. O número de livros de autores estrangeiros permanece praticamente estável: 197 de novos romances traduzidos, contra 196 no ano precedente.

Alemanha, Itália, Grã-Bretanha ou Espanha não comungam desta exceção francesa. Aqui se tornou uma tradição, em grande parte incentivada pelas prêmiações. No âmbito internacional, a França é a campeã de prêmios Nobel de Literatura: um total de 15 (o mais recente conquistado por Patrick Modiano, em 2014), à frente dos EUA (12) e Reino Unido (10). Mas no país, mais de mil prêmios literários são distribuídos ao longo do ano, e os mais celebrados e midiatizados – como o Goncourt, Renaudot, Fémina, Interallié, Académie Française ou Médicis – anunciam seus laureados no outono. Segundo estatísticas francesas, apenas 10% dos romances publicados geram lucro, outros 20% empatam e os 70% restantes são lançados no prejuízo. Por vezes, um livro de grande sucesso é suficiente para sustentar uma editora, principalmente se ele consegue conquistar um prêmio como o Goncourt, o mais importante da França, criado em 1903, e que garante um aumento de venda de centenas de milhares de exemplares. Em 2015, após cinco anos consecutivos de queda, o lucro das editoras aumentou de 0,6%, com um total de 436 milhões de exemplares vendidos no país. “Uma das primeiras coisas que os estrangeiros notam com surpresa quando visitam Paris é o grande número de pessoas lendo livros no metrô”, me disse certa vez e com razão, numa conversa, Jean Sarzana, que então presidia o Sindicato Nacional da Edição francesa. “Em Londres, por exemplo, há muitas pessoas lendo revistas e jornais, mas não livros”, notou. Os maiores leitores europeus são os suecos, dinamarqueses e finlandeses.

Entre os autores mais conhecidos nos lançamentos de outono deste estão Yasmina Reza (“Babylone”, ed. Flammarion) ou Amélie Nothomb (“Riquet à la Houppe”, ed. Albin Michel). Sinal dos tempos, uma das novidades apontadas na rentrée 2016 são romances de temas mais sombrios, que ecoam o choque dos atentados e da ameaça terrorista no país.