O francês Bernard Arnault será a maior fortuna do planeta?

Aquisição da joalheria Tiffany coloca o francês Bernard Arnault, dono do conglomerado LVMH, na briga pelo topo do pódio dos mais ricos do mundo – e denota o bom momento do mercado de luxo. ©AFP/Eric Piermont

FERNANDO EICHENBERG / REVISTA EXAME

PARIS – Aos 22 anos, o jovem estudante de engenharia francês Bernard Arnault viajou pela primeira vez a Nova York, nas férias de verão do hemisfério Norte. No táxi amarelo que o levou do aeroporto John F. Kennedy até Manhattan, para entabular conversa, perguntou ao motorista se conhecia Georges Pompidou, o presidente da França naquele ano de 1971. O chofer nunca ouvira falar do líder francês, mas de pronto afirmou saber quem era Christian Dior. O breve diálogo lhe soou como uma revelação. Na França, BA – como é chamado por seus colaboradores – formou ao longo dos anos o conglomerado número um do mundo no setor de artigos de luxo, a LVMH, constituído de 75 marcas internacionais, Dior incluída. No mês passado, aos 70 anos, concluiu na Big Apple a aquisição de sua 76ª pepita, a icônica joalheria americana Tiffany, pela qual desembolsou 16,2 bilhões de dólares. A operação, somada ao crescente desempenho de seu grupo empresarial, o propulsou como forte candidato a ocupar o topo do ranking das maiores fortunas do planeta, ameaçando desbancar seus dois principais concorrentes, os americanos Jeff Bezos (Amazon) e Bill Gates (Microsoft).

A excelência não alcançada em duas de suas maiores paixões, o piano – embora ainda se exercite no instrumento nas horas vagas – e o tênis – mesmo já tendo trocado bolas com seu amigo Roger Federer -, acabou obtida no âmbito profissional. “O que gosto é ganhar, ser número um. Há a excitação daquele momento em que você está prestes a fechar um enorme negócio e não sabe se dará certo ou não”, confessou em 2015, em uma entrevista ao jornal britânico The Telegraph. Em tempo: para satisfazer sua terceira paixão, as artes, edificou em 2014, no Bois de Boulogne, em Paris, a Fundação Louis Vuitton, uma gigantesca nave de formas projetadas pelo arquiteto Frank Gehry, em um investimento estimado em cerca de 800 milhões de euros.

Sua aventura debutou em 1984, na compra da Boussac Saint-Frères, uma firma têxtil endividada, mas que detinha o controle da Christian Dior e do Le Bon Marché. Com o tempo, o empreendedor compulsivo – alcunhado de “conquistador”, “exterminador” ou “lobo de cashmere” – construiu um verdadeiro império do luxo, sustentado por sucessivas aquisições de marcas de prestígio como Louis Vuitton, Kenzo, Guerlain, Givenchy, Fendi, Céline, Sephora, Berluti, Loewe, Loro Piana, Bulgari, Chaumet, TAG Heuer, Rimowa, Moët & Chandon, Dom Pérignon, Veuve Cliquot Ponsardin, Chateau d’Yquem e Ruinart. Em meio aos seus incontáveis êxitos, digeriu algumas raras derrotas. Em 1999, seu desejo de adquirir a marca italiana Gucci, da qual possuía 34% do capital, foi abortado por seu rival François Pinault. Já sua tentativa de controle da Hermès nos anos 2000, via uma operação oculta, lhe gerou uma multa de 8 milhões de euros, aplicada pela Autoridade dos Mercados Financeiros (AMF).

Em 2018, A LVMH registrou um novo recorde de faturamento em vendas: 46,8 bilhões de euros. Neste ano, a valorização acionária do grupo chegou a 61,42%. Para Isabelle Chaboud, diretora do Master of Science de Gestão de Moda, Design & Luxo da Escola de Administração de Grenoble, onde também leciona Direito e Finanças, o sucesso do grupo está ancorado em uma estratégia de diversificação geográfica, de produto e de marca, aliada a uma ousada capacidade de inovação. “Bernard Arnault é um visionário, um estrategista e um financeiro. Seu plano de segmentação sempre visou marcas emblemáticas e fortes em seus setores, seja o vinho ou a joalheria. Quando comprou a Bulgari, era uma empresa familiar italiana, reputada pela qualidade de suas criações. Foi igual com Loro Piana, o rei do cashmere. Depois, com o suporte financeiro colossal que possui, promove inovações, criando diferentes produtos por meio de novas colaborações, aumentando o desejo da marca. E investe no longo prazo, dá tempo para as marcas se renovarem”, resume.

Exemplos não faltam, segundo ela, para atestar a tese da aliança de uma marca histórica com um nome de vanguarda para insuflar um espírito modernizador e também atrair um público jovem de millenials e da Geração Z. Vide as nomeações do americano Virgil Abloh, estilista da grife Off-White, como diretor artístico do vestuário masculino da Louis Vuitton, do francês Heidi Slimane para a criação de Céline e, na Dior, da italiana Maria Grazia Chiuri, primeira mulher a ocupar o posto desde o surgimento da marca, em 1946. Sem falar na parceria firmada este ano com a estrela internacional Rihanna, para lançar sua própria marca de moda, a Fenty Paris, dentro da LVMH, em uma estratégia dos grandes grupos para bloquear a entrada no mercado de novos criadores independentes.

Chaboud destaca ainda o esforço do grupo em investir nas diferentes fases de produção, nas butiques e no segmento online. “As lojas físicas serão sempre importantes. Os turistas chineses adoram comprar nas butiques da avenida de Champs-Élysées. Em março, será reinaugurada a Samaritaine (em obras desde 2005). Mas, embora não se tenham dados oficiais, se pode deduzir a partir de diversos estudos que, hoje, entre 15% a 20% do faturamento do grupo se faz online. Houve também um forte investimento na vinda de Ian Rogers (ex-Apple) como novo diretor digital de LVMH. Há políticas precisas para o Instagram. E Louis Vuitton foi uma das primeiras marcas a transmitir um desfile no Facebook”.

Jean-Noël Kapferer, diretor de pesquisas na INSEEC School of Business & Economics e autor do livro A estratégia do luxo, define Bernard Arnault como um gênio que convenceu o mundo de que o luxo é um “ato de moda”, impulsionando a renovação da venda de objetos duráveis. Segundo ele, Arnault compreendeu que “big is beautiful”. “Os custos hoje são desmesurados. O paradoxo é que o storytelling do luxo diz que é preciso permanecer pequeno, amar os artesãos etc, mas a realidade é o ‘big is beatiful’. E LVMH é o grupo ideal para responder à demanda asiática, que representa 80% do crescimento do mercado de luxo no mundo. O essencial são os novos clientes. Não são os que passam de três a quatro Ferraris, mas aqueles que compram sua primeira Ferrari”, diz. Na sua definição, Arnault não é um “puro gestor de fundos”, mas um “financeiro com um senso agudo do qualitativo”: “Para transformar Louis Vuitton de um artesanato de malas e de couro em uma marca de moda é preciso ser visionário”.

O caso da Tiffany é considerado um exemplo típico de estratégia da LVMH. Para Jérôme Caby, especialista em finança empresarial da IAE Paris-Sorbonne Business School, a marca americana é uma “bela adormecida”, um alvo perfeito para as ambições de Bernard Arnault. “Para  a LVMH não havia outra alternativa se queria concorrer com a Richemont e suas marcas Cartier e Van Cleef & Arpels. Bernard Arnault poderá desenvolver outros tipos de produtos, se apoiando no que fez de bom com a Bulgari. Há espaço em termos de desenvolvimento, de melhoras das margens e meios para que os 135 dólares pagos por ação sejam rentabilizados. Há fusões que geram dúvidas, mas nesta, em termos de estratégia, não se vê ponto fraco, o que é bastante raro. E é um belo golpe em relação aos seus concorrentes como a Richemont e também a Kering em outros setores”, analisa.

Segundo a LVMH, a rentabilidade da Bulgari foi multiplicada por cinco desde que foi integrada ao grupo, em 2011. A expectativa é de que, com a aquisição da Tiffany, os atuais 9% de participação do segmento de relógios e joalheria no total de vendas do grupo – 4,1 bilhões de euros – cheguem a 15%. O faturamento da Tiffany fechou em 4,4 bilhões de dólares em 2018. O objetivo é superar a suíça Richemont, hoje líder no setor.

Para Kapferer, a compra da Tiffany exerce também um papel importante no reequilíbrio geográfico do grupo: “A Tiffany é forte nos Estados Unidos, é uma forma de contrabalancear a influência do mercado chinês. Mas além do crescimento externo, por meio de aquisições, a LVMH tem como progredir seu crescimento orgânico. Pode elevar marcas que estão em 2 ou 3 bilhões de euros para 4 ou 5 bilhões”.

Nas previsões do estudo realizado pelos analistas da Bain & Company, o mercado do luxo deverá crescer uma média de 3% a 5% ao ano até 2025, atingindo um valor entre 320 bilhões e 365 bilhões de euros. Recentemente, Bernard Arnault, cuja fortuna provém em sua maior parte dos 47,16% de ações que detém de LVMH, chegou a figurar por algumas horas no alto do pódio na classificação dos mais ricos do mundo. “Não é todo o dinheiro que tenho na minha conta, mas o valor das ações do grupo. Se as ações sobem, sobe, se baixam, baixa. Voilà”, relativizou o interessado.

Audrey Hepburn no célebre filme, diante da vitrine da Tiffany, em Nova York. ©Reprodução

Sua trajetória é, certamente, repleta de cifras, mas também de simbologias. Em uma cena cult do célebre filme Bonequinha de luxo (Breakfast at Tiffany’s), de 1961, a atriz Audrey Hepburn, exuberante em um vestido preto Givenchy, admira a vitrine da mítica loja Tiffany da 5ª Avenida de Nova York. Hoje, tanto a grife de alta-costura como a marca da caixa azul brilham na constelação de Bernard Arnault.