Ameaça na África: jihadismo cresce na região do Sahel apesar da intervenção da França

Grupos terroristas se aproveitam de lutas étnicas e descontentamento com governos para aumentar recrutamento. ©Reprodução

FERNANDO EICHENBERG/ O GLOBO

PARIS – Grupos terroristas jihadistas estão em plena expansão territorial na região do Sahel africano. Do norte do Mali, os grupos do jihad avançaram para o centro e o sul do país, se expandiram para o Burkina Faso e a Nigéria, e agora ameaçam as nações costeiras, como Togo, Benin, Gana, Senegal e Costa do Marfim. As forças da comunidade internacional, França à frente, se mostram, hoje, incapazes de deter o avanço jihadista, que se aproveita ainda de lutas étnicas locais para reforçar suas fileiras e semear a violência. Analistas defendem o recurso à negociação para estancar o recrutamento e evitar o pior.

Recentemente, o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, reconheceu o atual fracasso no conflito: “Infelizmente, constatamos que o terrorismo progride, não estamos vencendo a guerra do Sahel”. Na mesma linha, o chefe do Estado Maior das Forças Armadas francês, general François Lecointre, havia declarado que “as condições de uma extensão da desestabilização estão reunidas”. Na noite da última segunda-feira, 13 militares franceses morreram em um acidente entre dois helicópteros durante uma operação contra jihadistas no região de Liptako, no Mali. A tragédia reabriu o debate no país sobre a eficacidade da atual luta contra o crescente terrorismo no Sahel. O presidente Emmanuel Macron, prestará nesta segunda-feira, em cerimônia no monumento dos Invalides, uma homenagem às recentes vítimas militares, anunciou uma reavaliação dos “modos de intervenção” francesa e defendeu uma maior implicação de seus aliados da comunidade internacional no combate africano.

A Operação Serval, deflagrada pelo exército francês em janeiro de 2013, impediu que os jihadistas mantivessem o controle que haviam instalado, um ano antes, do norte do Mali. Mas sua substituta em 2014, a Operação Barkhane, não consegue, hoje, em conjunto com o grupo G5 Sahel – formado pelos governos de cinco países da região (Mali, Burkina Faso, Nigéria, Mauritânia e Tchad) -, evitar os constantes ataques de grupos terroristas, que ampliaram suas zonas de atuação.

Disneylândia da jihad

Para Yvan Guichaoua, especialista do Sahel na Universidade de Kent, a maior urgência do momento é o Burkina Faso:

– Se for feita uma cartografia detalhada dos incidentes securitários, se verá que, praticamente, apenas a capital, Ouagadougou, foi poupada. A quase totalidade das zonas rurais do país está sob influência dos jihadistas, por meio de intimidações, execuções e operações contra militares. Mas há também o Mali, onde há um enorme foco jihadista no centro do país, também presente no norte, nos arredores de Kidal e de Menaka, onde opera o Estado Islâmico (EI). E existe na Nigéria o problema de Boko Haram, com ataques regulares na região de Diffa, no sudeste do país. No estrito plano geográfico, a expansão jihadista é contínua, e cresce o número de vítimas e de ataques.

O balanço final de 2019 deverá superar os 237 ataques registrados pela ONU em 2018. Três grupos terroristas se destacam no Sahel, sob influência do al-Qaeda ou do EI. O Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (GSIM) – cujo número dois, Ali Maychu, foi morto por forças mailnesas com apoio americano em 8 de outubro -, é uma coalizão de diferentes facções que ocupavam o norte do Mali em 2012, como al-Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI), Ansar Dine e Mujao. O Estado Islâmico do Grande Saara, liderado por Abou Walid al-Sahraoui, opera essencialmente na fronteira do Mali e da Nigéria e é, hoje, considerado como o grupo mais agressivo. Já o Ansarul Islam foi criado pelo predicador Ibrahim Malam Dicko, próximo do imã Amadou Koufa, chefe do GSIM na região central do Mali. No interior de cada um deles, existem diferentes subgrupos.

Guichaoua credita o atual sucesso do terrorismo no Sahel pela sua capacidade de tirar proveito das clivagens sociais e políticas presentes em cada localidade.

– É sua grande força, eles são os melhores sociólogos. Nigerianos, ganeses, indivíduos de toda a África do Oeste aderiram, em 2012, à ocupação do norte do Mali, que se tornou um pouco a Disneylândia do jihad. Após a intervenção francesa, eles retornaram para suas regiões, formando uma rede de simpatizantes e de recrutadores locais que exploram os conflitos específicos de cada região.

Segundo o analista, no Burkina Faso, na fronteira com a Nigéria, o recrutamento ocorre, por exemplo, em meio ao grupo de caçadores clandestinos, que são perseguidos pelo Estado. Ao norte, se dá entre os trabalhadores de minas artesanais. No centro, os jihadistas se aproveitam dos conflitos relacionados ao acesso à terra e ao roubo de gado.

– Estão fazendo isso, agora, no sul da Nigéria, que poderá ser a urgência de amanhã. E no lado oeste, a preocupação será na região de Kali, no Mali, e também na fronteira entre Gana e Senegal.

Jean-Hervé Jezequel, diretor do Projeto Sahel do International Crisis Group, alerta que, além da ameaça de expansão jihadista para os países costeiros, cresce no Mali, Burkina Faso e Nigéria a violência entre comunidades, frequentemente definidas sob uma base étnica. Tanto os grupos jihadistas como o Estado tentam utilizar as tensões comunitárias a seu favor, “e quando se joga com as comunidades, se despertam violências muito fortes”, observa.

– Os nômades peuls, por exemplo, se sentem como vítimas da hostilidade de seu próprio Estado. Falar de terrorismo é redutor, são também grupos político-militares. Grupos jihadistas também são rebeldes em zonas rurais face a um Estado muitas vezes ausente e corrupto. Há três ou quatro anos, a violência atingia essencialmente quem possuía armas, e, hoje, há cada vez mais vítimas civis. Isso inquieta particularmente neste momento. Há um tipo de paranoia local com o aumento da insegurança que cria uma espiral de violência. E se está em uma zona de grande circulação de armas de guerra.

Estrutura caduca

Na sua opinião, o G5 Sahel é uma estrutura caduca, com cinco exércitos nacionais precários e com extrema dificuldade de organização, e a Operação Barkhane possui um alcance limitado:

– Os exércitos do Mali, do Burkina e da Nigéria, os três países centrais do G5, têm exércitos com problemas de deslocamento e de logística. E pedir que colaborem entre si é difícil. Refundar o instrumento de segurança e militar leva anos, e hoje é algo muito lento. A Operação Barkhane, consegue, pontualmente, colocar pressão sobre um grupo, eliminar um líder, mas de um ponto de vista estratégico não atinge seu objetivo, que é o de impedir a expansão regional dos grupos jihadistas.

A Operação Barkhane conta com 4.500 militares distribuídos em diferentes bases na região do Sahel. O analista Nicolas Normand, ex-diplomata francês que exerceu postos no continente africano durante 15 anos, considera o dispositivo insuficiente para controlar “um território grande como a Europa ocidental”. Sem contar a corrupção dos exércitos nacionais locais, acrescenta.

– Além do mais, a força francesa tem o defeito de ser o exército do ex-colonizador, o que coloca um problema em relação à soberania. A juventude local não aceita mais esta situação e cresce a desconfiança. E não há resultados satisfatórios, pois o jihadismo e a insegurança se intensificam. O exército francês tem, hoje, um déficit de credibilidade e de popularidade na região.

Segundo Guichaoua, a prioridade francesa, hoje, é procurar convencer os parceiros europeus a reforçar as atividades militares:

– O novo plano dos franceses em termos militares é dizer “vamos pegar 150 dinamarqueses, 40 estonianos, montar pequenas unidades ultraequipadas e fazer operações de forças especiais”. Isso não é o G5 Sahel, que virou uma organização que só sabe promover cúpulas. E os países do G5 não têm confiança uns nos outros. A Mauritânia, por exemplo, garante sua segurança em um tipo de acordo entre o exército e os movimentos jihadistas. Não quer se mostrar muito implicada com o G5, senão há um risco atentados no país.

Jezequel critica a priorização concedida, desde 2012, à abordagem militar e securitária, o que se revelou um fracasso como método. Hoje, segundo ele, é preciso recorrer a instrumentos políticos e ao diálogo:

– O que se tem em face não são apenas terroristas sem fé nem lei, mas também rebeldes com um programa político. E pode-se discutir sobre eventuais concessões por parte de ambos os lados. Trata-se de um processo longo e difícil, mas é, sem dúvida, o que vai se desenvolver nos próximos anos. No Mali, já há pequenas iniciativas locais, alguns cessar-fogos foram negociados. Mas ainda é bastante localizado, algo muito frágil. Na Nigéria também há tentativas, mas, pelo momento, não funciona muito.

Guichaoua também aposta na solução pela via da concertação para conter o progresso do jihadismo no Sahel:

– É preciso compreender que no seio dos grupos não há apenas pessoas que tiveram o cérebro lavado pela ideologia jihadista. Muitos dos que aderiram não são necessariamente opostos ideologicamente ao Estado, mas têm razões de detestar o Estado. Os franceses são o obstáculo principal à iniciativa de diálogo. No Mali, por exemplo, por causa da dependência das elites políticas locais à França. Mas centrar tudo na questão militar é uma escolha que já mostrou seus limites.

Para ele, o que está em jogo é uma completa “reconfiguração do Estado pós-colonial e dos regimes pseudodemocráticos” instalados nos anos 1990.

– Com tanta corrupção, injustiça, abuso de poder, há uma verdadeira rejeição da população ao Estado. É preciso tornar a vida pública atrente. Esta é parte da equação mais difícil a ser resolvida. É um caso complicado, pois não se trata de um  epifenômeno de violência, mas algo enraizado em problemas estruturais e políticos profundos.