Esqueletos de dinossauros viram atração em leilões milionários

Dinossauro leiloado na Torre Eiffel por € 2,01 milhões. ©Chesnot/Getty Images

FERNANDO EICHENBERG / ÉPOCA

PARIS – Em março de 2017, Alexandre Giquello, da casa de leilões francesa Binoche et Giquello, às voltas com o difícil descarregamento de um enorme crânio de um dinossauro tricerátops, telefonou na Itália para seu colaborador Iacopo Briano, conselheiro em peças de História Natural: “Seria ótimo se você conseguisse um fóssil de dinossauro não muito grande, um que entre na sala de um apartamento parisiense“, disse, em tom de brincadeira. Três meses depois, o consultor italiano recebeu a notícia de um cliente que dizia possuir para venda o esqueleto de um alossauro de 3,8 metros de comprimento, acompanhado de um outro maior, um diplodoco, de 12 metros. “Liguei de volta, e anunciei: “Alexandre, encontrei o dinossauro ‘living room size’“, conta Briano, rindo.

Leiloados no último dia 11 de abril no espaço Drouot, em Paris, os dois exemplares, provenientes da região do Wyoming, nos Estados Unidos, foram arrematados por mais de 1,4 milhão de euros cada, valor superior ao dobro do preço inicial estimado. “Às vezes, temos clientes que dizem: ‘Quero o mais belo fóssil que possa entrar neste ambiente, como uma escultura. Os decoradores falam parecido: ‘Quero uma peça excepcional que possa ser colocada neste jardim ou num espaço de minha casa na Côte d’Azur’. Sei que parece engraçado, mas é verdade”, diz o consultor italiano.

Dinossauros exibidos no espaço Drouot, em Paris, arrematados em abril por € 1,4 milhão cada um, o dobro do preço inicial estimado ©Stephane de Sakutin/AFP

O interesse por fósseis de dinossauros tem crescido nos últimos anos no mercado de leilões, expandido sua clientela e catapultado às alturas os preços dos ossos pré-históricos. Os responsáveis pelas vendas não têm poupado inspiração para atrair novos compradores. No último dia 4, a Torre Eiffel acolheu pela primeira vez um leilão de um esqueleto do mítico animal. Um dinossauro terópoda de 9 metros de comprimento e 2,6 metros de altura, com idade calculada entre 157 e 152 milhões de anos, será leiloado no prestigioso Salão Gustave Eiffel, no primeiro andar da Dama de Ferro, com uma ampla vista da capital francesa.

O consultor científico de História Natural Eric Mickeler, encarregado da venda para a casa de leilões Agutte, assume a estratégia de marketing: “É uma iniciativa de comunicação. Pensamos também na data, porque dois dias depois entrará em cartaz na França o novo filme da série “Jurassic Park”. E, pessoalmente, a Torre Eiffel me lembra um enorme dinossauro, um imenso esqueleto”. As referências não param por aí. Normalmente, por causa de seu peso, os crânios originais dos dinossauros são expostos separadamente, e o esqueleto do corpo é completado por um molde da cabeça feito de plástico ou resina. Neste caso, no entanto, foi sondada com o laboratório de paleontologia que fez o trabalho de preparação a possibilidade de colocar o crânio verdadeiro na estrutura óssea. “Sem saber onde seria realizado o leilão, os técnicos utilizaram os cálculos de peso e contrapeso de Gustave Eiffel, e conseguiram fazer a montagem”, conta, com satisfação, Mickeler.

Retirado entre 2013 e 2015 de uma escavação no Wyoming, o exemplar terópode leiloado na Torre Eiffel é de uma espécie ainda desconhecida, não catalogada. Segundo o consultor, o esqueleto tem 70% de ossamento autêntico, um dos critérios que determinam o valor de venda, além da qualidade do material, sua raridade e sua origem. A presença do crânio original, com um bom número de dentes, elevou ainda mais o preço. Estimado em até € 1,8 milhão, o exemplar acabou sendo vendido por € 2,01 milhões para um comprador francês, que preferiu que seu nome não fosse revelado e prometeu emprestá-lo a um museu da França — o nome do vendedor, um empresário britânico, também não foi divulgado.

Mas em meio ao amontoado de ossos, as querelas também aparecem. Mickeler afirma que lhe foram oferecidos em primeira mão os dois dinossauros leiloados em abril por seu concorrente, mas recusou por causa da reduzida porcentagem de elementos de origem encontrados. “Esses dois dinossauros não eram suficientemente completos. Se eu lhe dissesse a real porcentagem, você daria um pulo, e prefiro não revelar. Nos meus catálogos, sempre coloco um plano osteológico, um desenho do dinossauro em que cada osso original é colorido de vermelho. Não tenho vergonha de mostrar o que vendo. Procure um plano osteológico nesta precedente venda, não existe”.

Iacopo Briano defende seus dois dinossauros disputados até o final do leilão por dois compradores: “Eles competiram com lances na plataforma online até o último minuto, sinal de que viram algo de alto nível. E o mesmo cliente adquiriu os dois exemplares”. Os fósseis estão, hoje, a caminho para serem entregues ao novo proprietário, um jovem asiático de menos de 40 anos, que prefere permanecer no anonimato. Quando a singular mercadoria chegar ao seu destino, Briano viajará para montar os esqueletos no local, de acordo com o gosto do cliente. “Na venda, colocamos os dinossauros em posição de caça, numa interação entre os dois. As pessoas veem uma cena, como se o animal estivesse ali para se mexer, não é a mesma coisa que ossos expostos na vitrine de um museu”, argumenta.

O embate pela posse de fósseis de dinossauros ocorre, por vezes, entre celebridades. Os amigos atores Leonardo DiCaprio e Nicolas Cage já competiram em leilão por peças jurássicas. Já no último 7 de abril, Russell Crowe colocou entre os 227 itens do lote de seu leilão “The art of divorce” (A arte do divórcio), realizado pela Sotheby’s após o fim de seu casamento, o crânio de um mosassauro, um réptil marinho pré-histórico que havia comprado de seu amigo… Leonardo DiCaprio.

                        Crânio de um mosassauro leiloado pelo ator Russel Crowe. ©Reprodução

Há colecionadores que se autopresenteiam a cabeça de um dinossauro para colocar em suas mansões de Hollywood, diz Briano, mas também outros que fazem empréstimos de suas aquisições a museus ou as exibem em suas próprias fundações. “Vi grandes fortunas que podem tudo comprar, casas e carros de luxo, mas além disso existe o investimento cultural, também por razões fiscais. A mansão vai se deteriorar, a Ferrari vai enferrujar, e fazer a doação de um belo dinossauro para um museu, em sua cidade ou país natal, é algo interessante”. Segundo ele, este foi um conceito rapidamente adotado por chineses mais afortunados e grandes industriais do país: “A reputação é importante em todo mundo, mas na cultura chinesa uma herança cultural é muito apreciada pelas gerações futuras”.

A recente entrada da China neste mercado aumentou em cerca de 20% o número de compradores potenciais, avalia Briano, em parte também pela mudança de regras para os museus de História Natural do país, antes obrigados a se abastecerem localmente: “Em 2014, o Ministério da Cultura chinês ordenou que os museus passassem a buscar acervo no exterior para completar suas coleções, e se começou a comprar belas peças de paleontologia no mercado internacional. E quando a China se mexe, o mercado muda”. O consultor conta que há três anos foi convidado para um encontro de diretores de museus de História Natural na China: “Pensei que haveria de 30 a 40 pessoas, mas estavam presentes 420 diretores! Minha assistente permanente na China me disse que as regiões e municipalidades possuem seus próprios museus”.

Alexandre Giquello vê o entusiasmo pelos fósseis de dinossauros como uma convergência de uma grande curiosidade natural e da fonte de fantasias no inconsciente coletivo. O leiloeiro se diz testemunha do fascínio do público, olhos arregalados diante dos enormes carnívoros pré-históricos nas exposições de suas vendas. “A maioria das pessoas não tem condições de adquirir estas peças. Em compensação, os grandes colecionadores experimentam o mesmo tipo de reação, e podem ter num décor interior um quadro de arte contemporânea, um dinossauro e um quartzo gigante, por exemplo”.

O perfil dos compradores, segundo ele, é diverso: de jovens que trabalham no setor de novas tecnologias a grandes empresas e donos de castelos que desejam incrementar o turismo em suas propriedades. Após a repercussão do leilão de abril, Giquello declara ter recebido várias encomendas de dinossauros por parte de “grandes patrões” internacionais, principalmente da Ásia. “A preferência é por um carnívoro, não muito grande, e não revelam qual será o uso. Mas são peças raras, não se pode obter assim de uma hora para outra”.

As controvérsias não ocorrem apenas entre os pares do universo leiloeiro. Polêmicas são frequentes com o meio científico, que acusa as vendas públicas de inflacionar o preço dos fósseis de dinossauros e de torná-los objetos de especulação. Hoje, para adquirir importantes esqueletos pré-históricos, os museus precisam contar com a boa vontade de generosos mecenas e grandes empresas. E as peças reservadas à coleções privadas são de difícil acesso ao estudo de pesquisadores. A legislação relativa à escavações e exportação de fósseis de animais diverge segundo os países. China, Mongólia, Marrocos, Brasil e Argentina, por exemplo, interditam a saída de esqueletos pré-históricos de suas fronteiras. Já nos EUA, a exploração em propriedades privadas e as vendas internacionais são permitidas. Lionel Cavin, conservador do Museu de História Natural de Genebra, não considera que o patrimônio paleontológico deve forçosamente permanecer no país de origem, mas pode ser trocado ou comercializado entre museus e instituições estrangeiras. “O que me incomoda nestes leilões é que se quer retirar dos fósseis seu status de objetos de História Natural para transformá-los­ em objetos de arte e de especulação de colecionadores privados. Isso é, inclusive, assumido pelos organizadores destas vendas, que, por vezes, dizem: ‘Agora é preciso investir nos dinossauros’. Para mim, isso é algo totalmente prejudicial e inaceitável. Arte é uma criação humana. Os fósseis são objetos de História Natural que se formaram sozinhos em milhões de anos, e que têm interesse se estudados por cientistas”.

O conservador denuncia ainda um efeito secundário dos leilões: a explosão dos preços: “É o mesmo que ocorre nos museus de arte, que com frequência não têm os meios para adquirir as obras e saem atrás de mecenas ou patrocinadores que as comprem para eles. Foi o caso do tiranossauro que está, hoje, no museu de Chicago, comprado por empresas como Disney e McDonald’s”. Sua referência é “Sue”, um tiranossauro rex (T-Rex), que desde 1997 detém o recorde de valor em leilão: mecenas individuais, Walt Disney World Resort, McDonald’s, Ronald McDonald House Charities e a Universidade Estadual da Califórnia desembolsaram € 8.362,500 milhões de dólares para adquirir o enorme fóssil para o Field Museum de História Natural de Chicago. “Há atores americanos que colecionam estes animais, e que possuem um fóssil em seus salões. Acho isso lamentável. Que comprem moldes. Originais não há muitos, e o objetivo é que se destinem à coleções públicas”, defende Cavin.

Erick Mickeler não recorre a meias palavras para se defender dos ataques aos leilões jurássicos: “É verdade que os cientistas não nos apreciam. Para mim, trata-se de um discurso trotskista. Há muita ciumeira. Não estou nem aí. Podem reclamar. É uma pena que numa capital como Paris, se você quiser ver um verdadeiro dinossauro, terá de ir a Londres ou Munique. Tive dois dinossauros não muito caros, o Museu Nacional de História Natural (MNHN) poderia ter comprado um deles, mas preferiram alugar, agora, um T-Rex por € 500 mil euros por apenas alguns meses, para uma exposição. Pelo mesmo preço, teriam adquirido um dinossauro herbívoro”, critica. Entre os dias 9 e 13 de julho, a capital francesa acolherá o 5° Congresso Internacional de Paleontologia, chamado de “Fóssil week”. Entre os vários eventos organizados para receber paleontólogos do mundo inteiro, figura a exposição “Um T-Rex em Paris”, com inauguração marcada para o próximo dia 6, e cuja estrela é o tiranossauro alugado pelo MNHN.

O “Mamute dourado”, do artista Damine Hirst. ©Damien Hirst and Science Ltd

Mickeler aprecia contar em tom entusiasmado a aventura do “Mamute dourado”. Em 2007, vendeu para um colecionador francês, em um leilão da Christie’s, o fóssil de um mamute originado da Rússia, por cerca de € 300 mil euros. No início, o comprador emprestou o esqueleto para um museu de Marselha. “Mas depois, perdi o mamute de vista. Passados alguns anos, soube que o animal havia sido confiado ao artista Damien Hirst, que o banhou em ouro. Em um leilão caritativo (2014), o ‘Mamute dourado’ foi revendido por € 11 milhões de euros, e hoje está exposto entre palmeiras no Hotel Faena Miami Beach, nos EUA. Não é incrível como história?”.