Quando puder falar com Brigitte Macron, vou dizer que é charmosa e bonita, diz embaixador do Brasil em Paris

O embaixador Luis Fernando Serra e Bolsonaro: “gestos de apaziguamento”. ©Marcelo Camargo/Agência Brasil

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Recém-chegado em Paris, o embaixador brasileiro na França, Luís Fernando Serra , defende “gestos de apaziguamento” para distender a atual tensão nas relações entre os palácios do Planalto e do Eliseu. O diplomata adianta que elogiará a primeira-dama da França, Brigitte Macron, quando tiver a oportunidade de encontrá-la, mas acusa seu marido, o presidente Emmanuel Macron , de ter deflagrado as hostilidades entre os dois países.

Serra também usou o argumento de que “há mais de 300 ONGs na Amazônia e nenhuma no Nordeste” – o que, segundo dados do IBGE, é falso. De acordo com o levantamento sobre fundações privadas e associações sem fins lucrativos do IBGE, há mais organizações do tipo registradas no Nordeste do que na Amazônia. O levantamento inclui todas as organizações que não tem fins de lucro,  incluindo igrejas.

No sábado, um seguidor publicou uma montagem de fotos dos casais Macron e Bolsonaro em um post no Facebook do presidente brasileiro, com a legenda: “Agora entende por que Macron persegue Bolsonaro?”. O presidente brasileiro respondeu: “Não humilha cara. Kkkkkkk”. A postagem do seguidor foi acompanhada de uma montagem: de um lado, Emmanuel Macron e sua mulher Brigitte; e, do outro, o presidente brasileiro e sua mulher, Michelle, 27 anos mais jovem que o chefe de Estado  do Brasil.

Nesta segunda, em entrevista coletiva ao lado do presidente do Chile, Sebastián Piñera, Macron disse que o  comentário  sobre Brigitte foi “triste” para os brasileiros, uma “vergonha” para as mulheres brasileiras e “extremamente desrespeitoso”. Afirmou ainda que “respeita” os brasileiros e que espera que “eles tenham muito rapidamente um presidente que se comporte à altura” do cargo.

— O que eu posso dizer a vocês? É triste, é triste, mas é em primeiro lugar triste para ele e para os brasileiros — afirmou o presidente francês.

Leia abaixo entrevista exclusiva do embaixador brasileiro em Paris, Luís Fernando Serra:

Há um consenso aqui na França de que o presidente Jair Bolsonaro teria ultrapassado um linha vermelha ao atacar a primeira-dama francesa…

Só posso dizer o seguinte, e não é algo oficial: digo que é uma senhora bonita, elegante, charmosa, e quando eu puder falar com ela, vou dizer também que é uma pessoa inteligente e articulada. Mas ainda não a encontrei.

Para o senhor, foi um mau passo dado pelo presidente brasileiro?

Vamos combinar que o primeiro mau passo foi dado por Macron, quando mandou uma mensagem  (sobre a Amazônia)  que tinha de tudo, menos solidariedade. Para não me deter nas palavras textuais. Hoje, ele teve o cuidado de falar que Bolsonaro não tinha dito a verdade, contornou um pouco a gravidade da frase anterior  (em que o havia chamado de mentiroso) . Mas insistiu. Nós não mudamos uma linha do Código Florestal, que é de 2012. E por que acusar o Bolsonaro destes incêndios? Nas mensagens que recebemos do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, e do primeiro-ministro de Portugal, António Costa, há solidariedade. O que machuca a alma brasileira é que não houve, em nenhum momento solidariedade  (de parte da França) . Foi só acusação. Alguém acusou Vladmir Putin dos incêndios na Sibéria? Alguém fala em internacionalizar a Sibéria? Imagina alguém chegar para o Putin com uma ideia dessas. Alguém falou no passado que o Barack Obama era culpado pelo fogo que grassava na Califórnia? Alguém culpou o rei da Espanha pelo incêndio na ilha das Canárias? A única explicação que tenho é a seguinte: o incêndio   de 2005  (na Amazônia)  foi um desastre pior, mas como o presidente era Lula, o queridinho da imprensa, o assunto não virou uma questão internacional. Hoje, as esquerdas se articulam em torno desta pauta ambiental. Basta ver no resultado das eleições europeias o que fizeram os verdes e os socialistas. Hoje, quem comanda a articulação da esquerda não é mais o Partido Socialista francês, mas os verdes, com apoio da França Insubmissa  (esquerda radical) . E nem este grupo e o da direita da Marine Le Pen querem o acordo com o Mercosul. Esse é o problema do Macron. É uma coincidência, mas este é o fato.

Mas fricções entre Brasil e França vêm desde a posse de Bolsonaro, antes da crise das queimadas na Amazônia. Houve, por exemplo, o episódio da audiência com o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, em visita oficial ao Brasil, cancelada de última hora pelo presidente, e que, na mesma hora, apareceu gravando um vídeo ao vivo no Facebook enquanto cortava o cabelo no barbeiro.

O ministro Le Drian entendeu os problemas de agenda de um presidente, seja ele qual for. A audiência estava marcada para as 15h, e às 15h50 estava marcado o barbeiro. Não foi a troca de uma coisa pela outra, como parte da imprensa quer fazer crer. E tem mais, o presidente falou depois que o Le Drian havia visitado ONGs. Todo mundo no Brasil que pensa no futuro do nosso país fica perplexo em saber que há 300 ONGs na Amazônia e nenhuma no Nordeste. E o Nordeste tem pelo menos o dobro da população da Amazônia. É uma agenda oculta, uma discriminação contra os nordestinos ou as duas coisas? E como dizem os generais brasileiros, tem índio falando sueco, norueguês, holandês. Falam em soberania relativa. O que é isso? Dentro das nossas fronteiras, mandamos naquele pedaço de Amazônia, que é o maior deles. Mas a Amazônia é partilhada por oito outros países, e a França é um deles. A França tem total soberania sobre os 84 mil km2 da Guiana, e nós temos sobre os 8,5 milhões km2 do nosso território. E isso não se discute. Não vamos recuar um milímetro em relação à soberania total e absoluta sobre todo o território do Brasil.

O senhor teve algum contato com autoridades francesas hoje?

Não me chamaram para nada.

Existe a possibilidade de que o senhor seja chamado pelo Itamaraty para consultas em Brasília, o que ocorre em casos de grave crise diplomática?

Também não me chamaram, nem me perguntaram se a ideia era boa. A Guerra da Lagosta (1961-1963) foi o pior na relação, mas foi superado e tivemos uma história extraordinária de acertos, êxitos e cooperação. Espero que haja gestos de apaziguamento e que descontraiam esta pressão toda que leva a algo negativo. Não estou aqui para limitar os danos, mas para construir em cima do que já houve. Acho que o momento é de serenidade e de pensar nos ganhos que poderemos ter no futuro, em condições normais, sem os ânimos exaltados. É para isso que os diplomatas trabalham, para que haja o melhor ambiente possível. Nunca recebi instruções para, digamos, dobrar a aposta, mas no sentido de ser construtivo. É preciso pensar nos ganhos futuros e não nos desgastes do passado.