FERNANDO EICHENBERG / REVISTA ÉPOCA
PARIS – Antes acuado e abatido pelos longos meses de revolta dos coletes amarelos em cidades da França, com cenas de guerra civil e vandalismo explícito em Paris, o presidente Emmanuel Macron ressurgiu, neste final de férias do verão europeu, bronzeado e adulado após os três dias da cúpula do G7 organizada em Biarritz, balneário apreciado pelos surfistas à beira do Oceano Atlântico. Este não era, no entanto, o cenário mais previsível. O encontro anual dos líderes de Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá tinha tudo para acabar em mais um convescote diplomático de grandes potências em que nada se decide e tudo se complica. Em um abrasivo contexto mundial, eram esperadas turbulências meteorológicas na orla, fruto de costumeiras intempéries provocadas pelo presidente americano, Donald Trump, confessadamente avesso às instâncias multilaterais.
Mas Macron, que havia cuidadosamente preparado seu plano com muita antecedência, conseguiu domar os ímpetos do líder da Casa Branca e obteve, pelo menos, dois avanços significativos e inesperados: trouxe Washington de volta à via diplomática com Teerã na crise do acordo nuclear iraniano, interrompendo o ciclo progressivo de tensões, e abriu caminho para o arrefecimento da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, fator de constantes abalos mundiais. Em termos de mise en scène, surpreendeu com o almoço improvisado com um Donald Trump recém-saído do Air Force One – os garçons atabalhoados arrumando a mesa de última hora -, e a visita surpresa à Biarritz do ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, um verdadeiro “coup de théâtre”, na expressão francesa. De concreto, nada, é verdade. Mas no histórico recente de reuniões desse nível, ter evitado o fiasco e alcançado princípios de intenções positivos é um resultado vendido como um sucesso. “É o começo de algo”, resumiu.
A atualidade também serviu ao desempenho do anfitrião do encontro. As queimadas na Floresta Amazônica lhe deram a oportunidade de impor a questão ambiental no centro dos debates da cúpula. Macron costurou um consenso no G7 em torno de uma ajuda financeira de US$ 20 milhões e um apoio militar para combater os incêndios e viabilizar o reflorestamento nas regiões atingidas. Não previra, talvez, os belicosos tuites disparados pelo presidente Jair Bolsonaro e a escalada verbal que se seguiria entre os dois líderes, culminando em uma grave e inédita crise diplomática bilateral, sem solução aparente a curto prazo. Bolsonaro acusou seu homólogo francês de “instrumentalizar” uma questão interna brasileira em proveito próprio e de expressar uma “mentalidade colonialista”. Macron retrucou, alegando que Bolsonaro “mentiu” ao prometer que respeitaria as exigências do Acordo de Paris sobre o clima, e afirmou que, no estado atual, não ratificaria o pacto comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), concluído em julho após duas décadas de negociações.
Mas a faísca que incendiou a relação foi o ataque de Bolsonaro à primeira-dama francesa, Brigitte Macron. Um seguidor do presidente no Facebook postou uma foto dos casais Bolsonaro e Macron, com a legenda: “Agora entende por que Macron persegue Bolsonaro?”. A primeira-dama brasileira, Michelle, é 27 anos mais jovem do que o marido. Já Brigitte Macron é 24 anos mais velha do que o líder francês. A conta oficial do presidente brasileiro respondeu: “Não humilha cara. Kkkkkkk”. Para Macron, o limite fora ultrapassado. Em uma entrevista no último dia da reunião do G7, definiu o comentário sobre sua mulher de “extremamente desrespeitoso”, além de “triste” para o povo brasileiro e uma “vergonha” para as mulheres brasileiras. E acrescentou esperar que os brasileiros “tenham muito rapidamente um presidente que se comporte à altura” do cargo.
Na visão do Palácio do Planalto, o presidente francês fracassou no G7 ao procurar responsabilizar o Brasil pelas queimadas na Amazônia, e ficou isolado na UE em sua tentativa de usar como refém o acordo europeu com o Mercosul. Apesar de a grande maioria dos países europeus ter escolhido dissociar o pacto comercial das disputas ambientais com o Brasil, internacionalmente Macron foi enaltecido por sua atuação como presidente da cúpula, recebendo vários e raros elogios, inclusive, do imprevisível Trump, que o chamou de “formidável líder”. O mesmo Trump que, no término da reunião, postado ao lado do presidente francês, admitiu a possibilidade de um encontro futuro com o líder iraniano Hassan Rohani, uma cena que se diria surrealista antes do início do G7 praiano. Em três dias de cúpula, Macrou manobrou habilmente para se impor como mediador internacional e recuperar um pouco da credibilidade da diplomacia multilateral, dada como enterrada pelos “soberanistas-nacionalistas” como Trump e Bolsonaro. Paradoxalmente, conseguiu encarnar também uma política europeia ao mesmo tempo em que patina seu ambicioso projeto de reconstrução da UE.
Em Biarritz, Macron surfou na onda da diplomacia internacional, mas de olho em sua política interna. “A agenda internacional é indissociável da agenda francesa”, disse às vésperas do G7. Ao sustar o acordo Mercosul-UE, afagou tanto os agricultores franceses como um crescente eleitorado adepto à causa ambiental – vide o inesperado terceiro lugar alcançado pelos verdes nas recentes eleições europeias no país, com 13,5% dos votos -, ambos fortemente opostos ao pacto comercial, sejam por razões concorrenciais ou ecológicas. Em plena campanha de reconquista da opinião pública, com uma popularidade claudicante nas sondagens, o presidente francês acumulou alguns pontos com seu protagonismo no G7 e seus embates com Bolsonaro. Aproveitando o elã, estrategicamente, no dia do encerramento da cúpula, enquanto desfazia as malas de Biarritz, detalhou aos franceses seu controverso projeto de reforma das aposentadorias, uma de suas próximas batalhas domésticas. E os coletes amarelos prometem retornar às ruas neste mês de setembro.