Mohammed bin Salman: o controverso príncipe herdeiro que governa a Arábia Saudita

Mohammed bin Salman ambiciona  mudar a imagem da Arábia Saudita no mundo. ©Leon Neal/Getty Images

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, não tem economizado milhas de voo em uma intensiva estratégia de sedução junto a governos ocidentais. Sua recente visita oficial de três dias na França foi considerada como mais uma etapa em sua tentativa de forjar novas relações internacionais e arrecadar investimentos a partir de suas propagandeadas políticas de diversificação econômica, de modernização da sociedade e de combate à corrupção e ao Islã radical no país. Controverso, o jovem líder saudita de 32 anos, conhecido pelas iniciais MBS, sacudiu estruturas de poder em Riad e o tabuleiro político na região, conquistando apoios e desafetos.

Antes de desembarcar na capital francesa, onde se espera o anúncio de uma “nova parceria estratégica” franco-saudita, MBS já havia sido recebido, em março, pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – seu mais novo aliado contra o Irã -, e pela primeira-ministra britânica, Theresa May. Em sua viagem de três semanas nos EUA, não faltou, inclusive, uma passagem por Hollywood, onde foi convidado de um jantar organizado pelo magnata Rupert Murdoch, ao lado de comensais como as estrelas Michael Douglas, Morgan Freeman, James Cameron, Ridley Scott e Dwayne Johnson.

MBS em sua visita à França, com o presidente Emmanuel Macron.

Filho da terceira esposa do rei Salman, promovido príncipe herdeiro na sucessão do reinado – em detrimento do favorito Mohammed Ben Nayef -, em junho de 2017, o até então pouco conhecido MBS não tardou a revelar suas diferentes faces. No plano econômico, montou o ambicioso projeto “Visão 2030”, com o objetivo de acabar com a dependência do país dos recursos provenientes da exportação de petróleo, abalada pela queda nos preços do barril. Já em seu fórum econômico mundial batizado “Davos no deserto”, anunciou a construção da futurista megalópole Neom, provida de robôs e de energia renovável, como símbolo de uma “Nova Arábia”.

No estilo de governança, lançou, em novembro de 2017, uma ampla operação anticorrupção, que resultou na detenção, numa prisão dourada improvisada no luxuoso hotel Ritz-Carlton de Riad, de mais de 200 príncipes, ministros e empresários acusados de enriquecimento ilícito. Os prisioneiros só ganhariam a liberdade após devolverem o dinheiro obtido via corrupção, e o governo reivindica ter recuperado mais de 100 bilhões de dólares com os acordos firmados. MBS se afirma também um defensor de um Islã moderado, denunciando o grupo Irmandade Muçulmana como um dos principais responsáveis pela influência extremista no país.

Com o presidente americano, Donald Trump, em Washington.

No âmbito da sociedade, o príncipe herdeiro aplicou as medidas mais emblemáticas e midiáticas. Por decreto real, autorizou as mulheres a obterem licença para dirigir automóveis, numa revogação da atual proibição que entrará em vigor no mês de junho. As mulheres também foram liberadas, em determinadas ocasiões, a frequentar estádios, um lazer antes só reservado aos homens. MBS encerrou ainda com o veto de 35 anos do funcionamento de cinemas no país, permitindo a abertura de salas de projeção.

Já sua política externa regional é alvo das mais variadas contestações. Sua guerra deflagrada há três anos contra os houthis do Iêmen, acusados por Riad de serem sustentados pelo Irã, se transformou numa tragédia humanitária. O bloqueio econômico ao Qatar (imposto em conjunto com os Emirados Árabes Unidos, Egito e Bahrein), acusado de favorecer grupos terroristas apoiados pelo Irã, é criticado pela comunidade internacional. Suas recentes ingerências na política libanesa e o recrudescimento das tensões com Teerã, o que levou a Arábia Saudita a buscar aproximação com Israel, também não auxiliam na pacificação do clima na região.

Para Marc Lavergne, especialista em Oriente Médio do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS, na sigla em francês), Mohammed bin Salman é um líder solitário que toma decisões abruptas sem medir as consequências de seus atos, e que se vê como o homem providencial que vai salvar uma Arábia Saudita em crise existencial, crente de que com força e brutalidade poderá vencer.

– Trata-se de um jovem que corre para todos os lados, o que não considero um bom sinal. Seu projeto econômico “Visão 2030” é uma enganação, elaborado sem estudos sérios de real concretização. No plano interno, promove medidas essencialmente cosméticas para atrair a simpatia dos jovens e das mulheres. Simplesmente, quer tudo mudar para que nada mude. Ou seja: preservar a monarquia e garantir os recursos políticos, econômicos e financeiros a um pequeno grupo de pessoas, fazendo concessões aparentes. E ele compra armas também para satisfazer os países ocidentais e comprometê-los numa relação via o complexo militar-industrial.

Com a primeira-ministra britânica, Theresa May, em Londres.

Francis Perrin, diretor no Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS, na sigla em francês), define o empenho diplomático do príncipe herdeiro como uma “operação de sedução” para obter legitimidade internacional. E ressalta que seu esforço em realizar mudanças não significam uma liberalização política do regime, que permanece autoritário e centralizado, vide sua violenta ação anticorrupção ou a guerra no Iêmen “de consequências catastróficas”. Mas na sua opinião, MBS é consciente que deve mudar a imagem de um país frequentemente relacionado a financiamentos de grupos islamistas radicais:

– Ele sabe que é um problema a ser tratado. Fez várias declarações sobre a necessidade de promover um Islã moderado. E expôs em termos bastante fortes que estava farto da associação da Arábia Saudita a um Islã intolerante e agressivo. É uma de suas prioridades. Mas será preciso que as ações neste sentido se manifestem a longo prazo.

Autora do livro “A Arábia Saudita em 100 questões”, a pesquisadora Fatiha Dazi-Heni acredita que MBS, em seu objetivo de implantar um novo capitalismo liberal na Arábia Saudita e fundar uma nação, venceu sua primeira aposta de criar uma nova dinâmica no país, numa ruptura geracional ao alcançar uma forte popularidade em meio aos jovens. No entanto, descarta um “quadro idílico” num governo que classifica como “ultra-autoritário”.

– Quem criticar o “Visão 2030”, vai preso. E não sejamos ingênuos, as detenções em massa não foram determinadas para acabar com a corrupção. Há muitos questionamentos em termos de transparência e em relação às compras intempestivas do príncipe. A população sabe que tudo isso vai continuar, mas, ao mesmo tempo, percebe uma vontade de redução da corrupção, que foi oficialmente reconhecida em seu caráter endêmico e sistêmico.

Enquanto prega a austeridade, corta subvenções do Estado e aplica novos impostos para compensar o déficit orçamentário do país, MBS não nega suas origens principescas. Em seu recente histórico de aquisições, estão o “Castelo Luís XIV”, uma minirréplica do castelo de Versalhes dotada da tecnologia moderna, construída em 2011, em Louvenciennes, nos arredores de Paris, e estimado em 275 milhões de euros, além de um luxuoso iate avaliado em 500 milhões de euros. O príncipe herdeiro estaria ainda implicado na compra do quadro “Salvator Mundi”, de Leonardo da Vinci, vendido em leilão da Christie’s por 450 milhões de dólares, que será exibido no Louvre de Abu Dhabi, dos Emirados Árabes Unidos, o que acirrou a competição cultural com o vizinho inimigo Qatar.

Segundo Fatiha Dazi-Heni, MBS poderá ser confrontado em breve à questão da disparidade regional no país:

– O que pode aparecer muito rapidamente como problema é um conflito entre o centro do poder, em Riad, e as demais províncias. As outras regiões não veem nada chegar, tudo vai para o centro. Há um risco de desigualdades visíveis e de fortes diferenças socias – diz.

Para Agnès Levallois, do Instituto de Estudos Mediterrâneo Oriente Médio (IREMMO, na sigla em francês), o príncipe herdeiro espera, com sua turnê diplomática, aparecer como um líder incontornável da região do Golfo Pérsico, e também mostrar à comunidade internacional que a Arábia Saudita não é “um velho país esclerosado”. Mas segundo ela, para levar a cabo suas reformas, impostas de cima para baixo, MBS necessitará da presença paterna do rei Salman, de 82 anos:

Ele sabe que deverá fazer o máximo de mudanças possíveis enquanto seu pai estiver vivo, pois é ele quem o protege. Só desta forma poderá negociar com os demais membros da família real, muitos deles furiosos com as reformas e a perda de suas vantagens e interesses.