FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO
LILLE, FRANÇA – No comando da Seleção, Tite leva por onde vai uma sombra, constante fonte de luz para suas ideias, mas também de saudáveis dúvidas para suas certezas. A onipresente companhia tem um nome: Cléber Xavier, 53 anos, seu inseparável auxiliar técnico. Frequentemente chamado de « braço direito » ou « fiel escudeiro » do técnico, este gaúcho de Alegrete – e hoje carioca de adoção – é considerado ainda como um « segundo treinador », apenas um degrau abaixo quando se trata de tomar uma decisão final face a uma discordância. Apesar de extremamente diferentes no estilo e na personalidade, a dupla vive há 16 anos uma inabalável parceria nos gramados.
Tudo começou em 2001, quando Tite, então campeão gaúcho pelo Caxias, foi contratado pelo Grêmio. Cléber trabalhava nas categorias de base do tricolor.
– A direção do Grêmio pediu ao Tite que não trouxesse nenhum auxiliar, para que eu pudesse trabalhar com ele. E continuamos juntos direto, em todos os times em que ele esteve depois, eu estive junto – conta Cléber, assentado em uma poltrona do Hotel Mercure, em Lille, na véspera de mais um embate da Seleção, desta vez contra o Japão.
O auxiliar é chamado na Seleção de Clebinho, seu apelido de infância, ou Professor Cléber. Para Tite, ele é simplesmente Cléber. Pessoalmente, tudo os separa, e se fosse depender deste aspecto, a associação não teria vida longa.
– Tite é um cara que é 24 horas ligado no trabalho. Já eu desligo toda hora (risos). Ele é um cara super reservado, fechado, e eu sou um muito aberto, social. Ele é muito família, eu sou mais expansivo. Vivo indo a shows, gosto de música, teatro, cinema, bar. Por isso que não morei na Barra, onde está toda a comissão técnica, e fui viver no Leblon. Gosto de movimento. A gente brinca que quando se conheceu, ele queria me trancar e, eu, soltá-lo, mas nenhum dos dois conseguiu uma coisa ou outra. Por isso, a gente se respeita, e a parceria anda.
No futebol, no entanto, a sinergia é evidente. E se mostra ainda mais necessária à medida em que se aproxima o Mundial de 2018. Cléber define três etapas para a Seleção até agora: a busca da classificação nas eliminatórias; a consolidação da equipe com ajustes táticos, e a fase, agora, de enfrentar novas escolas de jogo em amistosos, como a asiática e europeia.
– Fizemos 48 treinamentos desde que que assumimos, foram 15 jogos (até antes do Japão), o tempo é muito pequeno. Vamos continuar dando oportunidade a jogadores. Teremos uma vácuo de novembro a março, quando ocorrerá uma nova convocação, e neste período vamos seguir viajando, vendo jogos, treinos, e acompanhando os atletas dentro e fora do país.
Segundo ele, além dos 25 jogadores atualmente convocados, cerca de outros 15 atletas permanecem no radar de Tite e da comissão técnica para a definição da lista final para a Copa do Mundo. E até lá, novos nomes podem surgir, se mostrarem potencial de alto nível. Por enquanto, ele não quer pensar no dia em que for fechada a relação dos jogadores que estarão na Rússia.
– Coisa ruim é cortar gente. Passamos por este processo no Corinthians. Tínhamos um grupo de cerca de 28 atletas, e na Libertadores e campeonatos sul-americanos só se pode registrar 18. Levávamos 20, para o caso de alguma lesão. E era eu o cara do corte, que ia bater na porta do quarto do jogador e avisar que ele ficaria de fora. Era péssimo. Quando chegar o dia de convocar os 23 para a Rússia, entre os nomes de uns 30 atletas e algumas dúvidas, vamos sentir deixar gente pelo meio do caminho. Para quem é emocional, como sou, é duro.
O auxiliar afirma que o trabalho da Seleção está balizado em três eixos: criatividade, objetividade e solidez, nesta ordem citada por Tite. No seu caso, coloca a solidez em primeiro na lista.
– O Tite diz que é porque sou mais defensivista do que ele. Vamos para uma competição em que é muito difícil reverter depois de tomar um gol. Esta nossa Seleção, levou 11 gols, e não tomou gols em 11 de seus 15 jogos. Nas eliminatórias, não levou gol em 9 dos 12 jogos. Ela cria muito, porque tem jogadores com capacidade técnica do meio para a frente, E é objetiva porque chega em pouco tempo ao adversário.
Em relação ao esquema tático, a Seleção também tem experimentado novas combinações, numa forma de trabalhar que « prima pelo equilíbrio ». Cléber lembra uma citação de Tite: “Nem tão ofensivo como Pepe Guardiola (técnico do Manchester City), nem tão defensivo como o José Mourinho (Manchester United)”.
– A gente não abre mão da primeira linha de quatro defensores, isso é uma certeza. Mas na segunda linha, com três meias centrais, dois externos, atacantes que podem fazer a flutuação e um pivô, ali a gente faz ajustes. Não gostamos muito de comentar, mas em alguns jogos passamos para o 4-4-2, em outros para o 4-2-3-1, em sutis movimentos de ajustes. Se você traz o Philippe Coutinho para uma função central, ficaria à frente do Paulinho e do Casemiro, num 4-2-3-1. Mas ele pode também fazer a mesma função do Renato Augusto, como já atua no Liverpool. Era o que queríamos que ele fizesse contra o Japão, mas acabou ficando de fora (por lesão). Estamos otimizando bastante o pouco tempo que temos para fazer estes ajustes.
A dupla técnico-auxiliar também modificou ao longo dos anos o sistema motivacional com os jogadores. O tempo dedicado à motivação foi reduzido, e não são mais usados vídeo e música:
– Nós utilizamos a palavra motivacional, porque o Tite é um cara emocional, e eu também. E temos um ditado interessante, o qual ele até disse esses dias: quando a razão e o coração igualar, use o coração. Mas a preparação da parte motivacional não é mais como antes, em que se fazia a parte tática e se finalizava com um vídeo ou se colocava uma música no ônibus. Vemos isso como uma evolução do nosso trabalho. – diz Cléber, que, entretanto, não abre mão dos vídeos táticos para os jogadores, tidos como « importantíssimos », mas usados em versões curtas, de 12 a 15 minutos.
Na Seleção, a comissão técnica também não vai incitar Neymar a falar sobre as polêmicas em que se viu envolvido recentemente no PSG, por exemplo.
– Não buscamos isso – diz Cléber. – O Neymar chega, e não vamos falar com ele sobre isso. Mas também não reprimimos ou acobertamos a situação. Dentro da medida, vamos discutindo as situações gerais, e em determinado momento a gente conversa para buscar um equilíbrio. Não escondemos coisas. Trabalhamos com os medos, para deixá-los de lado. E acho o jogador de hoje mais evoluído no sentido tático, das ideias de jogo.
Entre treinadores em atividade, Cléber diz apreciar nomes como os de Carlo Ancelotti, recém-saído do Bayern Munich, e de Massimiliano Allegri, do Juventus.
– Admiro muito o Guardiola também, que sabe defender com posse de bola. Ele equilibrou o City, que hoje é uma das melhores equipes do mundo. E há técnicos como o Maurizio Sarri, do Napoli, que vem jogando um futebol lindo, bem equilibrado, com muita posse, triangulação, e chegada rápida à frente.
Antes das eliminatórias, se o Brasil alcançasse a classificação, Cléber disse que levaria Tite a Alegrete para saborear um churrasco e festejar com os amigos.
– Eu tinha dito brincando. Mas não dá para levar o Tite para lugar nenhum. Você não tira ele de casa nem em Caxias. Nas festas da comissão técnica, ele fica um pouquinho e já vai embora (risos).
Mas, dependendo do resultado na Copa, o churrasco alegretense poderá, quem sabe, finalmente acontecer.