Em livro, Lindsey Tramuta traça o perfil de parisienses em destaque nas artes, na política, no feminisno e nos negócios

Lindsey escreveu um livro para combater o “clichê da mulher parisiense”. Fotos: © Joann Pai

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Em um de seus vídeos TEDs virais, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie afirma, em relação aos conceitos sobre os africanos, que “o problema dos estereótipos não é que sejam falsos, mas incompletos; eles fazem uma história se tornar a única história”. A premissa é utilizada por Lindsey Tramuta para denunciar uma visão “perniciosa e estreita” das mulheres parisienses, percebidas como “brancas, heterossexuais, magras, elegantes, sedutoras e preocupadas com superficialidades”. Em seu recém-lançado livro, The New Parisienne (a nova parisiense), Lindsey, americana radicada há 14 anos na capital francesa, combate este clichê, segundo ela, estimulado e reproduzido na publicidade, no turismo, no cinema, na literatura, em revistas de moda e estilo.

A ideia germinou a partir de sua precedente obra, The New Paris (2017), na qual procura revelar uma Cidade Luz moderna a inovadora, distante da reverberada imagem de cidade-museu romântica. “Há visitantes mais sensíveis que outros, principalmente os japoneses, que chegam aqui e caem em depressão, na chamada ‘síndrome de Paris’: o que eles encontram está totalmente em descompasso com a imagem que lhes deram, e psicologicamente não conseguem assimilar o que descobrem. Não se trata de dizer que a velha Paris não existe mais, mas sim que está em harmonia com tudo o que é moderno”, explica.

Desta vez, ela escolheu retratar a diversidade da mulher parisiense contemporânea por meio de 36 perfis, divididos em capítulos como “criadoras”, “ativistas”, “visionárias” ou “disruptivas”. “As Jeanne Damas e Inès de la Fressange são minoritárias na população, e perpetuam os mesmos códigos e mitos do passado. Globalmente, se vê cada vez mais pessoas, principalmente as parisienses, cansadas dessa imagem, que não é mais engraçada. Toda essa questão da representação é problemática, e deve ser melhorada em todas as partes do mundo”, defende ela.

Originária da Filadélfia, Lindsey desembarcou em Paris em 2006 para estudar literatura francesa e nunca mais saiu. Em 2009, criou o blog “Lost in Cheeseland”, e hoje colabora para veículos como “The New York Times” e “Condé Nast Traveller”. A seguir, seis miniperfis das parisienses retratadas em seu livro.

LAUREN BASTIDE

Após dez anos de atividades na redação da revista Elle francesa, de 2005 a 2015, Lauren Bastide se lançou em uma carreira solo. Em dezembro de 2016, criou o podcast La Poudre, que logo se tornou um sucesso de audiência e referência no meio com conversas exclusivas com mulheres sobre feminismo, gênero, raça, classe ou sexualidade. “Criei algo que parece ser cosmético na superfície, mas a mensagem é subversiva e política. As vozes que apresento querem revolução, como eu. Ofereço um megafone para mulheres ativistas que falam diretamente nos ouvidos das jovens”, diz ela.

Lindsey destaca sua capacidade de escuta e também o alcance de um público variado: “Como mulher branca privilegiada e menos oprimida do que outras, ela consegue atingir uma audiência que vai bem mais além do meio do ativismo, isso que é fascinante. Ela tem ouvintes de todas as idades e meios sociais. É uma força, hoje, fidelizar pessoas em torno de uma luta, e que não sejam apenas militantes atingidas por estes temas”.

INNA MODJA

Nascida no Mali, Inna Modja sofreu excisão do clitóris aos cinco anos de idade. Somente aos 18 anos, já estudando línguas e literatura na França, soube, ao consultar um ginecologista, o que lhe havia acontecido. Passados alguns anos, fez uma cirurgia de reparação. “Isso deu meu poder pessoal de volta. Não sentia que era menos do que qualquer outra pessoa. Então, me disse, ‘tudo bem, agora que possui o que outras mulheres têm, o que você vai ser? Na há  desculpas’”. Inna se tornou cantora, modelo e ativista. É ela a protagonista do documentário “A grande muralha verde”, produzido por Fernando Meirelles, sobre um projeto de reflorestamento por meio de um muro de oito mil quilômetros de árvores no Sahel africano.

“Ela acabou de ter um filho este ano”, conta Lindsey. “É artista, performer, seu documentário percorre o mundo. Soube buscar forças em seu trauma e nos apoios que recebeu, para poder apoiar os outros. Não sei como faria se estivesse em seu lugar. É admirativa sua forma de abordar seu passado tão doloroso”.

ANNE HIDALGO

© Henri Garat

Reeleita este ano para um segundo mandato consecutivo na Prefeitura de Paris, Anne Hidalgo tem sido alvo constante de críticas por promover mudanças na cidade que mexem com hábitos e rotinas de seus habitantes mais arraigados ao passado. “Em vinte anos, Paris ainda será Paris, mas em sintonia com os tempos”, prevê. “Vamos nos locomover principalmente em transporte público, de bicicleta ou a pé. Longe da era do domínio do carro, a vida será mais calma. A natureza terá lugar de destaque. Haverá gramados no lugar de esplanadas de concreto, e espaços verdes em todos os bairros. Poderemos nadar no rio Sena, e continuaremos a imaginar e criar o futuro com nossos empreendedores, artesãos e artistas qualificados”.

Para Lindsey, Hidalgo é um exemplo de dirigente que sabe da “necessidade de impulsionar a cidade e inovar, não se deixar ser levada para baixo pelas velhas gerações”. “Ela compreende também a urgência ecológica. E é corajosa em relação à resistência que encontra por parte de seus críticos. Diz que não temos mais a possibilidade de não mudar”.

LEÏLA SLIMANI

Escritora premiada – vencedora do Goncourt, maior distinção literária francesa -, a franco-marroquina Leïla Slimani é autora de livros consagrados internacionalmente como “Canção de ninar” e “No jardim do ogro”. Para Lindsey, ela “mudou a paisagem intelectual e da elite literária” da França: “O estilo de sua prosa é tão acessível que a mensagem que ela quer comunicar às mulheres é muito rapidamente percebida, e seu sucesso se deve também graças a isso. Ela é feminista por suas ações e pelo que apoia moralmente por meio de sua escrita”.

Sua mãe argelina se refugiou no Marrocos, e sua tia deixou a Argélia por causa de ameaças de decapitação por se recusar a usar o véu islâmico. Slimani lembra das adolescentes que viu certa vez na estação de trem de Casablanca, que foram estupradas, engravidadas e forçadas a sair de casa. “Estas jovens anônimas me devastaram e continuam a me assombrar, assim como as injustiças que sofreram”, conta. “Elas me transformaram em uma feminista”.

MARGOT LECARPENTIER

Em 2014, Margot Lecarpentier abandonou seu trabalho como assessora jurídica de gravadoras musicais para se aventurar na mixologia. Três anos depois, abriu seu próprio bar de coquetéis, o Combat, reivindicado como um local feminista, e que emprega apenas mulheres. “Queria que nos tornássemos muito mais do que um bar de coquetéis”, diz ela. “Apoiamos projetos feministas. Colaboramos com organizações e mulheres criativas que compartilham os mesmos valores e precisam de um lugar para trabalhar”.

Para Lindsey, além de empreendedora e talentosa na arte de elaborar coquetéis, Margot criou um espaço singular na capital francesa: “É um lugar em que as mulheres, e principalmente a comunidade queer, se sente à vontade e acolhida. Gosto de sua atitude face aos obstáculos que enfrentou para abrir sua empresa. A misoginia e os piores aspectos do patriarcado – entre advogados, arquitetos e bancos – tentaram obstruir seu caminho. E ela está aí hoje para dizer: ‘Sei como fazer e posso ajudar outras mulheres’. É um belo exemplo da sororidade que é preciso instaurar no mundo restauração”.

NIDA JANUSKIS

Nascida de uma família da Lituânia em Chicago, nos EUA, Nida Januskis é hoje dirigente executiva no INSEAD, Instituto Europeu de Administração de Empresas, classificado entre as mais importantes e influentes escolas de negócios do mundo. Lindsey a define como uma “mulher guerreira que quer poder tudo fazer, e faz com que funcione”: “No seio da INSEAD, ela defende que a igualdade entre homens e mulheres deve ser prioridade não apenas como tema de curso, mas também no funcionamento da instituição. É uma militante, e uma porta-voz da mensagem global dessa igualdade para o mundo dos negócios e da educação”.

Nida chegou em Paris com o marido e três filhos, e diz que a transição a um posto de liderança no INSEAD significou alcançar um tipo diferente de equilíbrio”: “O que estou tentando ensinar à minha equipe e aos meus filhos é que o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional não é mais preocupação das mulheres do que dos homens. Minha esperança é que um dia, por meio de nossos esforços coletivos, a diversidade de gênero não seja mais motivo de debate”.

Deixe um comentário