Divisão e falta de novos líderes ameaçam deixar esquerda fora do pleito presidencial na França

A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, do Partido Socialista (PS), já não esconde suas ambições de disputar as próximas eleições presidenciais francesas de 2022. ©Benoît Tessier/Reuters

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Na presidência de François Hollande (2012-2017), a esquerda, representada pelo Partido Socialista (PS), detinha o Poder Executivo e o controle do Senado e da Assembleia Nacional. Hoje, três anos depois, o PS já não conta nem mais com sua histórica sede parisiense da rua Solférino, à qual teve de renunciar por razões financeiras, e considera mudar o nome da sigla. As forças políticas de esquerda francesas se encontram fortemente divididas, sem lideranças capazes de se impor no cenário político nacional, e no risco de em 2022, pela segunda vez consecutiva, serem excluídas do segundo turno da eleição presidencial.

No PS, o líder do partido, Olivier Faure, evoca um “big bang” para “reinventar o movimento socialista e continuar sua história”; e a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, já não esconde suas ambições na disputa pelo Palácio do Eliseu. Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical da França Insubmissa, ensaia uma estratégia de suavização do discurso extremista para ampliar seu eleitorado. Já Yannick Jadot, do grupo Europa-Ecologia-Verdes (EELV, na sigla em francês), procura surfar no relativo sucesso das recentes eleições municipais com vistas ao pleito presidencial.

Para o sociólogo Michel Wieviorka, a atual fragilidade da esquerda francesa se deve, em parte, a não renovação de suas ideias, de suas personalidades políticas, e à ausência de um líder forte.

– Existe uma tensão entre as lógicas socialistas clássicas e as ecologistas. A única orientação política que teve sucesso recentemente na França, fora a Reunião Nacional (extrema direita de Marine Le Pen), foi a ecologia política, o que é compreensível em tempos de Covid-19, pois há uma necessidade de novas referências e sentido. A esquerda francesa só se reconstruirá se for ao mesmo tempo social e ecologista. O PS não é especialmente ecologista. E os ecologistas não são especialmente socialistas. O que torna o debate difícil. E tudo isso não será resolvido a curto prazo, levará tempo.

PS, França Insubmissa e ecologistas, embora tenham feito algumas alianças em pleitos locais, não disfarçam suas animosidades e não cogitam sentar à mesa para costurar um acordo eleitoral nacional. Segundo o cientista político Rémi Lefebvre,, em um contexto de fragmentação do cenário político, com o presidente Emmanuel Macron, Marine Le Pen e a direita clássica no tabuleiro, se as forças de esquerda apresentarem candidatos em separado não terão nenhuma chance em 2022.

– Quando se somam todos os candidatos da esquerda nas pesquisas, se chega a um nível próximo de 20%. É muito fraco. Se pensou que com a pandemia e o aquecimento global as ideias de esquerda recuperariam um pouco de vigor, mas, de fato, não conseguiram captar as aspirações de mudanças na sociedade. A campanha começará em seis meses e, hoje, as condições para este candidato único não estão reunidas. Cada um fica em seu canto, tentando existir politicamente. E Macron, que foi eleito em 2017 com a ajuda da esquerda, pensa ser reeleito com os votos da direita.

Reflexo antifascista

Para o historiador Claude Pennetier, o “reflexo antifascista” que ajudou a derrotar a extrema direita no segundo turno da última eleição presidencial, com a participação do voto da esquerda, será menor em 2022.

– Desta vez, o eleitor de esquerda não votará na mesma proporção para barrar Marine Le Pen, que terá uma chance histórica. Como há uma rejeição contra Macron, se ela fizer uma campanha hábil, poderá chegar em quase igualdade no segundo turno ou mesmo vencer.

Henri Rey, do Centro de Pesquisas Políticas da Sciences-Po (Cevipof), define a situação da esquerda na França como “calamitosa”, em falta de personalidade políticas federativas em suas diferentes correntes.

– Há explicações sociais e sociológicas de mais longo prazo para este fracasso. Hoje, as categorias populares estão fracionadas e divididas, sem os antigos referenciais que permitiam representá-las. Como razões mais estruturais, vemos uma fraqueza do movimento sindical, uma fraca identidade de classe, e uma fragmentação do mundo do trabalho.

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