FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO
HÉNIN-BEAUMONT, França – Nas terças e sextas-feiras de cada semana, os moradores de Hénin-Beaumont e arredores percorrem os estandes do mercado público da cidade, que se estende da Place de la République por duas vias adjacentes. Situada na região de Nord-Pas-de-Calais, no Norte da França, Hénin-Beaumont se tornou, no pleito municipal de 2014, a cidade em que pela primeira vez o partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), de Marine Le Pen, elegeu um prefeito já no primeiro turno. Ex-centro de mineração e de tradição operária, então administrada pela esquerda, a localidade foi atingida pela desindustrialização, registra hoje um índice de desemprego próximo dos 20%, e se converteu nos últimos anos em reduto da direita radical. A menos de um mês das eleições presidenciais, as pesquisas de opinião apontam que, se o voto ocorresse hoje, o segundo turno seria disputado entre Le Pen e o candidato centrista Emmanuel Macron, do movimento Em Marcha!. Seguem atrás o conservador François Fillon, de Os Republicanos, e quase empatados Benoît Hamon, do Partido Socialista (PS), e Jean-Luc Mélenchon, do movimento de extrema-esquerda A França Insubmissa. Hénin-Beaumont, de 27 mil habitantes, é um dos exemplos da popularidade de Marine Le Pen, e seus simpatizantes locais se autoproclamam “os primeiros marinistas”.
Atarefado com as caixas de legumes, o agricultor Jean Delabroye, 56 anos, se queixa da queda das vendas, culpa, segundo ele, das políticas impostas pelos governos precedentes: “Acho que é a hora de mudar, para ver o que pode dar. O PS e a direita tradicional sempre se arranjaram juntos no poder. É uma tradição há 40 anos. E só piora. Votar à esquerda e à direita não muda nada, é o dinheiro que governa e o povo que trabalha. Macron é da mesma família. Acho que é a hora de Marine“, diz, convicto.
Para ele, o programa de governo da FN, do abrandamento da lei das 35 horas de trabalho semanais, orgulho do governo socialista, a um maior controle da imigração, é a melhor opção: “Os sindicatos foram longe demais, demos tudo para eles. Não me incomoda também que saiamos da Europa, a independência é a melhor das coisas. E veja a delinquência e as drogas em certas cidades, deixamos se propagar em demasia. A França precisa de alguém mais autoritário no comando“.
Um pouco mais longe, na Place de la République, Jean-Marie Savani, 60, aposentado desde o início do ano, conta que votou em Marine Le Pen nas últimas eleições presidenciais, em 2012, e também em Steeve Briois, o novo prefeito da FN de Hénin-Beaumont, em 2014: “Notei que a cidade mudou bastante desde que ele assumiu a prefeitura. Vemos obras que não vinham sendo feitas há anos. É preciso olhar a realidade de frente, a cidade se embelezou, está mais florida, e não houve a temida radicalização”.
Em nível nacional, ele aponta avanços na extrema-direita desde que Jean-Marie Le Pen, pai de Marine e um dos fundadores da FN, conhecido por suas opiniões radicais e condenado mais de oito vezes por propósitos racistas e negacionistas, foi excluído do partido, embora permaneça como presidente de honra. “O pai de Marine estava realmente no limite. Ela é bem melhor”.
Fiel de sua vistosa safra de morangos, o comerciante Michael Pinset, 26, critica a ênfase no combate à imigração no discurso de Marine Le Pen, em detrimento das questões econômicas, mas mantém suas preferências políticas: “Eu sou de direita, e com os escândalos em torno de Fillon, sobra Marine. Voto na direita porque há assistencialismo demais neste país. Não se incita as pessoas a trabalhar, há muitos benefícios sociais aos desempregados, e assim não se vai adiante. Quem procura, pode encontrar trabalho, é só não ser muito exigente”.
Nabil B., 29 anos, nascido na França e de pais de origem magrebina, concorda com o colega de mercado e acredita no processo de “desdiabolização” da FN, em uma tentativa de reciclagem do discurso em tons menos radicais e mais adaptados à realidade do país. Segundo ele, Marine Le Pen é a única que se diferencia entre todos os candidatos à sucessão do presidente François Hollande. “O problema maior é a Europa. Os empresários franceses levam suas empresas para o exterior, trazem as mercadorias para cá, e aqui não temos trabalho. Os bancos nos massacram, por causa deles os preços aumentam. É todo o sistema o problema. Antes a vida era melhor, mas, hoje, se sobrevivemos está bom, já estamos contentes. A França tomou um caminho para o abismo”.
Céline Navarro, 34, vai se mudar no mês que vem com o marido e o filho para a Holanda, onde a família encontrou uma oportunidade de trabalho. Seu voto sempre foi fiel aos ecologistas, com uma escolha por um político de centro no segundo turno. Mas, desta vez, confessa que ainda não sabe o que fazer no momento de depositar a cédula na urna. Ela tem uma explicação para o sucesso da FN em Hénin-Beaumont: “Aqui é um povo de origem operária, de trabalhadores. Os partidos tradicionais que eram defensores desta classe fizeram mal seu trabalho, e as pessoas se voltaram para a FN. Mas nem todos são racistas ou fascistas. Sempre houve uma base mais radical que votou na FN, mas penso que muitos eleitores que vão escolher Le Pen agora querem apenas tentar uma outra coisa”.
Em relação à administração municipal, ela adotou o lema “esperar para ver”. “Hénin-Beaumont é a cidade dos meus pais, da minha juventude, é preciso dar tempo para o prefeito provar o que pode fazer. Eu não me importo que seja de direita ou de esquerda, verde, amarelo ou vermelho, desde que as coisas funcionem. Tenho a impressão que ele tem feito coisas boas, obras, eventos. Mas se digo que é bom o que ele faz, sou de pronto catalogada como da direita radical, e nunca votei na FN”.
As amigas Aurélie Leconte, 40, e Virginie Petit, 41, perderam a confiança na política e afirmam que vão se abster do voto. Para elas, “os políticos só querem engordar o bolso, e seja quem ganhar, nada vai mudar”. Já Jamel Ben Mofok, 42, francês de origem argelina, se mostra indignado e catastrofista em relação à situação do país: “A França é um país de racistas. Aqui não olham para o diploma, mas para a sua cara e o seu nome. Penso que vai ter uma guerra civil. Le Pen vai ganhar, e vai tudo explodir. Vão queimar mesquitas. E Vladimir Putin vai observar tudo, e depois atacar a Europa. Os ingleses já partiram, não querem mais saber da Europa”.
Uma voz dissonante da administração municipal da Frente Nacional (FN) e do eleitorado de extrema-direita em Hénin-Beaumont é Marine Tonderlier, que decidiu reagir face ao crescimento do partido liderado por Marine Le Pen em sua cidade. Vereadora eleita pelo grupo ecologista, ela acaba de lançar o livro “Nouvelles du Front” (novidades do front, em português), no qual procura revelar, por meio de diferentes depoimentos, os bastidores da prefeitura de Steeve Briois.Marine Tonderlier escreveu um livro sobre os bastidores da Frente Nacional em Hénin-Beaumont.
Ela admite as melhorias na cidade e não nega a popularidade conquistada pelo atual prefeito, mas denuncia seus métodos: “Há coisas normais em seu mandato, e como a cidade era mal administrada anteriormente, hoje está melhor do que antes. Mas acredito que o prefeito poderia ter a mesma gestão, sem, no entanto, impor um reino do medo a todos aqueles que não estão de acordo com ele, principalmente em relação à oposição municipal, à imprensa, aos funcionários municipais que não fazem parte de seu campo. Há uma tentativa de calar ou excluir do cenário quem não concorda com ele. As reuniões do conselho municipal são extremamente violentas”, acusa.
A vereadora ecologista não pretende cessar seu combate: “Há muitos descontentes, e na vida política tudo muda o tempo todo. Há um mês se dizia que François Fillon ganharia as eleições presidenciais, e hoje a situação é diferente”.