FERNANDO EICHENBERG
PARIS – Para o ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Santos Cruz, não se deve “jogar fora nenhuma crítica” neste início de governo Jair Bolsonaro, nem mesmo as recentes acusações proferidas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que o Executivo de não possui uma agenda para o país. O general reconhece que “acomodações” precisam ser feitas na área política do governo e que todo investidor estrangeiro quer “um ambiente estável”; acredita que a reforma da Previdência será aprovada com modificações até julho; define as manifestações estudantis no país como parte do “andamento social”, e defende a “liberdade com responsabilidade” nos tuítes dos filhos do presidente.
Para Santos Cruz, o Brasil, hoje, não se encontra em um ponto alto nem baixo, mas “médio”. O ministro esteve esta semana em Paris, para participar do 6° Fórum Econômico Brasil-França – marcado por polêmicas e protestos (LINK no final para ler o texto sobre o Fórum publicado em O GLOBO), e me concedeu a entrevista abaixo, na embaixada brasileira na capital francesa.
Qual sua reação à declaração o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que o governo não tem uma agenda para o país?
O deputado Rodrigo Maia tem uma função importantíssima no Brasil, é o presidente da Câmara. Ele tem ajudado muito. Tive a oportunidade de conversar com ele algumas vezes, tem uma interlocução muito fácil com o governo. Foi um companheiro de Câmara por muito tempo do próprio presidente Bolsonaro. Essas declarações são da percepção dele, e na política há momentos de altos e baixos, de discordâncias, e tem de aproveitar as ideias. Com algumas delas você concorda, e com outras, não. De algumas, aproveita um pedaço. Não é para jogar fora nenhuma crítica, tem de ver até onde ela serve. É ver porque ele falou isso e até onde é válido. E se for válido, aproveita. Não pode sair brigando com tudo. A vida política não é assim. É muito importante não encarar qualquer crítica como uma coisa completa e definitiva. Às vezes ela é parcial, baseada em alguma coisa ou percepção dele, de um assunto que ele está discutindo naquele momento. O próprio presidente Bolsonaro tem essa característica. Ele é um sujeito impulsivo, às vezes volta atrás. E político também. Às vezes é impulsivo, falou aquilo por conta de alguma coisa. E você, que é jornalista, sabe muito bem: às vezes, aquilo ali está ligado a um ponto específico que não está na manchete. Tem de ver. Mas nada disso assusta. Se a gente quer uma democracia de verdade, tem de deixar esse liberalismo, de cada um falar o que acha e aproveitar um pouco do que for aproveitável. Porque têm muita coisa que não é aproveitável. Eu vejo com muita tranquilidade. O Brasil não vai parar, está andando, tem muita coisa acontecendo. O Plano Nordeste é uma grande esperança para diminuir a desigualdade social na região. É a primeira vez que se faz um plano que vai ser transformado em lei. Foram lançados os planos da Amazônia, do Centro-Oeste. Várias obras de infraestrutura estão sendo feitas. Às vezes, a fumaceira política não deixa você enxergar um monte de coisas. Tem o projeto anticrime que o ministro Sérgio Moro deu entrada. É uma nova postura em relação ao crime organizado. Os assassinatos no Brasil diminuíram 25%. É um fenômeno. Só por você se posicionar de uma forma mais frontal e rigorosa contra o crime, já houve essa baixada forte.
Uma recente pesquisa do Ibope revelou que a maioria da população é contra a flexibilização da posse e porte de armas.
Isso sempre é polêmico. Se você voltar no plebiscito, a população era a favor. Mas agora a discussão é mais calorosa. Essa maior liberdade para a venda e aquisição de armas não significa liberdade de porte. E não tem nada a ver com política de segurança pública. Porte de arma é uma questão de liberdade individual e autodefesa. São coisas distintas. Mas aí fica toda a discussão.
Além da preocupação com o fraco desempenho econômico, com a queda de 0,2% do PIB no 1º trimestre, investidores estrangeiros têm manifestado inquietações com sinais de instabilidade política no Brasil neste início de governo.
Claro, todo investidor quer um ambiente estável. Nosso governo foi eleito democraticamente, em uma eleição limpa. Claro que se têm acomodações a se fazer na área política, por várias razões. Foi um governo que subiu sem ter aquela acomodação partidária anterior. É todo aquele trabalho que se fazia antes da eleição, de arrumar os partidos, e depois, quando se era eleito, só fazia o coquetel, porque tudo já estava ajeitado, os ministros escolhidos, a base partidária estabelecida. Desta vez foi diferente, subiu, e no outro dia vamos ver quem vai ser ministro, como vamos fazer a base partidária. O partido do presidente pulou de dois para 55 deputados. E ainda tem de se arrumar como partido, isso demora um tempo. Essa base partidária acaba tendo um tempo para se arrumar, coisa que era feito antes. Você gasta aí três, quatro, cinco meses nessa acomodação toda. E no meio disso tudo, tem de tomar as iniciativas de reforma da Previdência para equilibrar um pouco o nosso orçamento e também como um ponto simbólico, de virada, um turning point, um ponto significativo no andamento das coisas. Há esses dois significados, a parte matemática, que é a estabilidade e do equilíbrio das contas, e também uma demonstração de que realmente as coisas têm um novo rumo. E depois disso tem de fazer a reforma fiscal, para não ter esta concentração de dinheiro em Brasília. Prefeito, governador, todo mundo vai a Brasília para pedir coisas. A vida do cidadão não acontece em Brasília. Há modificações a serem feitas, o que é normal. Esse governo tem uma característica completamente diferente, foi eleito, depois escolheu seus ministros, quase todos independentes de partidos políticos, e agora é arrumar tudo isso. A gente percebe que essa ebulição e dinâmica mudaram completamente. Hoje ainda me perguntaram aqui sobre os caminhoneiros e os estudantes. Tudo isso faz parte do processo democrático, da dinâmica. E não se pode ter medo dessa dinâmica. Tem de conversar com os motoristas de caminhão, com estudantes, explicar a redução de orçamento, como é que compensa esses cortes com melhor gerenciamento. E no meio disso tudo há um caldo político de interesses que também não sai da regra, não adianta querer se assustar com essas coisas. Está tudo dentro da normalidade.
O governo sofreu várias derrotas no Congresso neste início de governo. A negociação política é problemática?
Qualquer governo não pode esperar que vai ganhar todas. Governo não é o poder Executivo, é uma harmonia entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Se o Judiciário quiser, ele trava o país. O Legislativo também. A harmonia da coisa é que faz a governança. Não vejo como um problema isso de derrota. Mas a palavra “derrota” é forte. A Câmara e o Senado têm a função deles, e de vez em quando é normal que façam as discussões e não passe uma ou outra coisa. Ou passe de maneira diferente daquela que foi idealizada pelo poder Executivo. Mas as coisas importantes estão andando. Passou na Comissão de Constituição e Justiça a reforma da Previdência. As sessões estão correndo. Outra coisa que se fez no Brasil, e não pode, é criminalizar a política. Você tem gente boa e ruim em tudo que é setor da vida, até nas próprias famílias das pessoas. E o Congresso é uma representação de cidadãos. Mas a atividade política não pode ser criminalizada. E uma outra coisa ainda é a negociação política. Não é toda negociação política que é “toma lá, dá cá”. Isso é quando faço uma negociação qualquer e não estou vendo o bem público, mas o individual, para resolver o problema do sujeito ou do parente dele. Na estrutura do Brasil e em qualquer país do mundo, existem funções que são de nomeação, em diferentes níveis. E a escolha e indicação de pessoas por autoridades, por um partido político, não têm nada de absurdo se elas forem competentes, honestas e trabalharem pelo bem público. Onde a coisa se desmoralizou foi quando alguém começou a fazer benefícios individuais sem qualquer consequência para o bem público, pelo contrário, muitas vezes até dilapidando-o, por meio de corrupção ou benefícios ilegais. Mas, devagar, as pessoas estão tomando consciência disso. Uma coisa é o tal do “toma lá, dá cá” que todo mundo tem de rejeitar. Outra coisa é fazer negociações, por vezes para favorecer um alinhamento político, administrativo, mas tudo em nome do bem público e de maneira transparente.
O governo não tem criado problemas para si mesmo, com disputas de facções internas brigando por influências, como o grupo do filósofo Olavo de Carvalho, dos evangélicos e outros?
Essa tentativa de influência de grupos – até de pequenos grupos radicais – tem de ser enfrentada e acomodada. Não é que o governo tenha criado isso para ele. O governo também não é perfeito. Não adianta querer achar que o governo vai ser perfeito. Não somos perfeitos. O que a população quer? Quer um líder e um presidente perfeito? Não. Ela quer um sujeito normal, que seja honesto, dedicado e que tenha capacidade de resolver as coisas. Com defeitos e qualidades. Não quer o Super-Homem, o Batman, nada disso. Quer um sujeito normal que tenha honestidade de propósitos, bom senso. E pode até cometer alguns erros, depois corrige e vamos em frente. Vejo a expectativa social dessa forma, sem a exigência de super-homens no governo. E pode ser que o governo tome uma decisão que tenha um impacto que você não espera, depois dá uma corrigida e vamos lá. Isso é muito comum. O próprio decreto sobre o porte de armas saiu, depois foram localizados alguns pontos, saiu outro corrigindo coisas anteriores. Isso não é crime nenhum. Você voltar atrás em algumas coisas na vida não é fraqueza, é mérito. E assim vai a vida, a gente não pode dramatizar a nossa caminhada.
O estilo do presidente Bolsonaro de governar via Twitter, rede social também bastante utilizada por seus filhos para opinar sobre temas de governo, não atrapalha?
Há dois aspectos. O primeiro é o caso das mídias sociais, que são, hoje em dia, um recurso tecnológico. Qualquer um, hoje, pega o Twitter e se acha o William Shakespeare. São recursos que vieram para ficar. As relações não serão mais as mesmas depois desse monte de tecnologia disponível. A transparência das coisas será completamente alterada. O volume de coisas falsas também é muito grande, porque todo mundo se sente com liberdade de fazer o que quiser, e a responsabilidade ainda não evoluiu na mesma dimensão da tecnologia. A sensação de responsabilidade individual ainda não evoluiu na mesma dimensão. As eleições nunca mais serão as mesmas, quando se gastava bilhões com marqueteiros e grande mídia. No ano passado, nossa eleição foi com menos de R$ 2 milhões, o que dá US$ 500 mil, isso em um dos maiores países do mundo, e vencida com telefone celular 4G. Os marqueteiros que antes tinham bilhões, que guardavam no Brasil e no exterior, onde estão? Sumiram todos. Foi um negócio que foi à falência. As relações não serão mais as mesas. As eleições não serão mais as mesmas. Não sei se a próxima será igual a essa. Já o caso de parente, de filho, no caso, em primeiro lugar, eles são cidadãos que podem se expressar do jeito que quiserem. Claro que por ser filho da autoridade maior sempre tem uma consequência muito grande. Eles têm todo o direito e toda a responsabilidade pelo que fizerem. Não se pode pensar só no aspecto de ser filho, senão também você limita a liberdade individual. Tem de ter noção de consequência de que é filho? Sim. Uma coisa é eu fazer uma observação, outra é um parente de uma autoridade. Não pode achar que não tem o direito, mas tem de ter noção também da responsabilidade que vai junto. Você nunca pega só a parte boa do pacote, mas o pacote completo.
Preocupa o senhor as investigações do Ministério Público do Rio (MPRJ) envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e seus ex-assessores?
Isso é um assunto muito pessoal. Não tenho conhecimento de detalhes para fazer qualquer observação sobre isso. Seria incoerente de minha parte, quando você vê que se fosse algo simples de fazer, a Justiça já teria esclarecido. E não é tão simples. É um negócio complexo. E ao fazer comentário sobre qualquer assunto que ainda não foi esclarecido, você corre o risco de dizer uma besteira muito grande. Então, não farei comentário nenhum sobre isso.
A reforma da Previdência vai passar como o governo quer?
Acredito que vai passar. As coisas têm de amadurecer na sociedade. Lembro quando era pequeno, se falava na Petrobrás, “o petróleo é nosso”, tinha marchas. Era um momento de o Brasil firmando seu nacionalismo. E as coisas vão mudando, evoluindo, depois se fala com mais naturalidade. O caso da Previdência é a mesa coisa. Quando se falou no ano passado, era um tipo de ambiente. E aquela discussão serviu para a sociedade amadurecer e ver que precisa mexer em alguma coisa. Existe uma consciência de que é preciso fazer ajustes e modificações. Até o parlamentar que não vai votar a favor, às vezes não o faz por uma fidelidade partidária, de filosofia, de posicionamento político, mas ele sabe que se precisa fazer algo. Mas ele decidiu que não vai pagar o preço político daquilo ali. É jogo político. A consciência de mudança existe. Mas se essa mudança é exatamente aquilo que foi proposto, aí tem o Congresso para discutir. Também não é derrota se houver modificação. Senão, não precisava ter Congresso, só o poder Executivo. O Congresso é composto por pessoas comuns, que foram eleitas, e que no conjunto trazem uma sensibilidade popular. Acredito que vai passar, sem dúvida nenhuma. Não acho que passará com grandes mudanças, mas haverá modificações, porque é normal. Se eu fosse parlamentar, iria me dedicar a estudar a coisa em detalhes, de acordo com a sensibilidade que o cara traz de 150 mil ou 1 milhão de eleitores que têm atrás dele. O pessoal tem radicalizado muito: “Foi derrota”, “Foi vitória do governo”. Não é um jogo entre inimigos, quando ganha é vitória, quando perde é derrota. Não é bem por aí. Acho que a reforma sofrerá algumas modificações e vai passar, espero que antes das pequenas férias de julho. Vejo tudo dentro de uma normalidade. Já passamos por crises. Tinha trinta e poucos anos quando houve o Plano Cruzado. Tinha comprado um carro à prestação, você pagava juros e depois teve deflação. Essa é a marcha de uma grande país. Têm altos e baixos. Acho que não estamos no ponto alto nem no baixo, mas no médio. E a vida continua em frente.
O que mais surpreendeu o senhor neste tempo em que está no cargo?
O desperdício de dinheiro no Brasil. É algo impressionante. Se tivéssemos um pouco de disciplina, um pouco mais honestidade, de patriotismo, de cuidado com as coisas públicas não faltaria dinheiro no Brasil. Essa é a grande sensação que tive nesses cinco meses de governo. No Brasil não falta dinheiro, falta educação, bom senso e honestidade.
Mas o governo promoveu cortes no orçamento da Educação…
Não é educação deste tipo. Mas o corte na educação, de 3,5%, é perfeitamente administrável em termos de gestão. Não é 30%. E tem a maneira como foi anunciado e entendido, e também como foi explorado. Porque também é normal, você escorregou um pouquinho e politicamente as coisas são exploradas. Isso é assim e não adianta reclamar. Aqui onde estamos agora, na Embaixada, se diminuir 3,5%, vai ter de administrar isso. 3,5% é uma questão mais de gestão, não de prejuízo na qualidade. A nossa qualidade não está dependendo de dinheiro. Se fosse por esses 3,5%, teria de estar em um nível bem melhor de qualidade. Infelizmente, não está. Acho que o pessoal tem de se ligar mais na parte de gestão, na parte de qualidade, mas também tem de entender que a dinâmica da idade da massa estudantil é assim mesmo.
O senhor se surpreendeu com as manifestações pela Educação em várias cidades do país?
Ao longo dos meus 67 anos de vida, já vi muitas demonstrações de estudantes, desde a minha geração. Isso não tem nada de absurdo, é normal. A energia, a dinâmica do meio estudantil é até muito própria da idade. Então, da maneira como você conduz as coisas, explica, interpreta, acaba tendo esse tipo de reação.
O senhor, então, não considera os estudantes que manifestaram como “idiotas úteis”, como disse o presidente?
Não. É uma questão de entender o momento. E, depois, o próprio presidente comentou, dizendo que tinha exagerado. Mas exagerou talvez para caracterizar um pouco a exploração política das coisas. E também é normal a exploração política. A vida é assim. Não tem susto nessa história. As manifestações foram, em geral, absolutamente pacíficas. E manifestação pacífica faz parte do andamento social. Não tem problema nenhum. Isso traz o equilíbrio social, extravasa, provoca polêmica. E a polêmica faz entender, discutir. Agora todo mundo já sabe que é 3,5%, que não é da despesa obrigatória, mas discricionária. Quanta gente não sabia o que era despesa obrigatória e discricionária? Agora já se sabe, porque está em discussão. Então, a polêmica também traz conhecimento. Não sou de me assustar com nada disso, não.
Como foram os encontros de sua agenda em Paris?
Várias empresas com as quais tivemos contatos bilaterais possuem investimentos pesados no Brasil e querem ampliá-los ou têm a pretensão de investir. A dimensão do Brasil favorece esse tipo de pretensão porque ainda estamos muito longe do limite de investimento. Conversei com a Engie, uma empresa muito forte na parte de energia, que quer ampliar sua participação no Brasil. Hoje, eles têm 6% de toda energia do Brasil, que é bastante pela nossa dimensão. A ADP (Aéroports de Paris) também tem projetos e muita experiência nesta parte de gerência de aeroportos e de cargas. Também a Agência Francesa de Desenvolvimento. E tem o Fórum Econômico Brasil-França. O objetivo é trazer para o empresariado francês essa mensagem de governo, de que o Brasil também tem interesse em investimento estrangeiro, particularmente na área de infraestrutura e de serviços. E o investimento privado normalmente procura um local seguro. A primeira das condições é a segurança jurídica, porque são contratos de longo prazo. E que se houver alguma disputa, que a Justiça local seja hábil para resolver em um curto espaço de tempo. A segunda condição é a confiabilidade técnica dos projetos, com estudos feitos por gente capacitada, e isso temos no Brasil. E um terceiro fator muito importante é investir em uma ambiente seguro, sem corrupção, em um clima limpo de negócios. A imagem do Brasil sofreu nos últimos anos, com todos estes escândalos que assistimos. E quando se faz um negócio limpo em um ambiente honesto, você não atrai o aventureiro. Na sou da carreira de funcionários públicos, mas da área militar, e é fantástica a qualidade de nosso pessoal na carreira de gestores da União. Temos o respeito e o ambiente limpo, sem corrupção.