FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO
PARIS – Orgulhosamente denominada pelos franceses de “avenida mais bela do mundo”, a avenida de Champs-Elysées é um dos lugares mais emblemáticos de Paris e da História da França. Um ataque terrorista no local atinge não apenas a segurança dos cerca de 300 mil franceses e turistas que circulam diariamente por seus dois quilômetros de comprimento e 70 metros de largura. Trata-se de uma agressão triplamente simbólica, por ter ocorrido na celebrada avenida; contra policiais, agentes do Estado francês, e às vésperas de uma eleição presidencial.
Ocupada por um grande número de restaurantes, bares e lojas de vistosas vitrines, a famosa via é delimitada em uma de suas pontas pelo Arco do Triunfo, monumento que após a Primeira Guerra Mundial passou a homenagear o “soldado desconhecido”. À margem de seu outro extremo, encontra-se o Palácio do Eliseu, a sede da Presidência da República, e um pouco mais abaixo, a embaixada dos Estados Unidos – dois dos prédios mais protegidos do país.
Projetada inicialmente no século XVII como uma continuidade dos Jardins das Tulherias, com o tempo a avenida de Champs-Elysées se tornou um passeio público independente. Na época, no entanto, não havia ainda uma população residente e comerciante. Mas sua popularidade era amplamente comprovada: em dias de festa ou aos domingos, de 12 a 15 mil pessoas se deslocavam em caminhadas por seus largos espaços e alamedas. O ancestral do moderno flâneur de nossos dias – inicialmente personalizado pelo poeta Charles Baudelaire e investigado pelo filósofo Walter Benjamin – é o caminhante parisiense que, passo a passo, se formou no decorrer do século XVIII.
No século passado, a avenida foi palco da efusiva manifestação na liberação de Paris da ocupação nazista, na Segunda Guerra Mundial, com cenas marcadas até hoje na memória dos franceses. Nos dias de hoje, é anualmente tomada pela população no desfile do feriado nacional de 14 de julho, data da queda Bastilha, na Revolução Francesa. Em vitórias esportivas, seja no rugby ou no futebol, torcedores invadem a avenida, em comemorações que se alastram até a madrugada. O local também é cenário, a cada verão, da etapa final do Tour de France, competição ciclista de repercussão internacional.
Toda esta alegria acumulada ao longo dos anos foi abafada ontem pelos tiros do ódio terrorista. Campos Elíseos significa o paraíso na mitologia grega, abrigo dos virtuosos e heróis, adornado por bucólicas paisagens. Ontem à noite, o festivo cotidiano da avenida foi substituído pelo medo e pelo estridente som de sirenes de ambulância, viaturas de polícia e carros de bombeiros, com manchas de sangue em seu solo secular. Paris ganhou mais um endereço na macabra lista de ataques terroristas. Os franceses já nem se perguntam mais quando tudo isso vai acabar.