FERNANDO EICHENBERG / PARIS
Arquiteto visionário, que ganhou notoriedade ao associar sua concepção de habitação e urbanismo a um combate político, e infatigável militante – foi um dos expoentes do movimento de Maio de 68 (experiência da qual levou sete anos em análise com o psicanalista Jacques Lacan para se recuperar) –, o francês Roland Castro morreu no dia 9 de março, aos 82 anos, em um hospital parisiense. Em 2007, nos encontramos para uma entrevista em seu escritório na capital francesa. Leia aqui o resultado de nossa conversa, também publicada no meu segundo livro de entrevistas, “Entre Aspas vol.2” (ed. L&PM).
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Paris, sexta-feira, 3 de maio de 1968. O telefone soa no gabinete do ministro da Educação francês, Alain Peyrefitte. Do outro lado da linha, a voz nervosa do reitor Jean Roche, da histórica Universidade Paris-Sorbonne, orgulho da capital francesa: “Senhor ministro, receio que seja necessário fechar a Sorbonne. Os estudantes estão depredando o prédio. É preciso que eu tome uma decisão”. “É realmente grave?”, indaga o ministro. “Sim, absolutamente. O senhor me permite agir?”, perguntou. “Muito bem. Mas dentro das regras”, foi a resposta. Regras eram o que menos desejavam os estudantes na época. Poucos imaginariam que o incidente seria a fagulha que, em poucos dias, espargiria labaredas por toda a França e transformaria apenas mais um mês de maio do calendário no mítico Maio de 68.
Entres os estudantes revolucionários da época estava Roland Castro, nascido na cidade de Limoges, em 1940, filho de um imigrante clandestino grego, de Salônica. O então jovem de 27 anos se tornou um dos expoentes do movimento rebelde francês. Antes, havia se engajado contra a guerra na Argélia, visitou Cuba em 1961 e conheceu Che Guevara. Foi preso em Miami pelo FBI e proibido de entrar nos Estados Unidos. Depois de Maio de 68, entrou em depressão e se analisou durante sete anos com o célebre psicanalista Jacques Lacan. Trabalhou para o governo socialista de François Mitterrand, e passou a se dedicar a sua profissão de arquiteto, em projetos de renovação dos subúrbios.
Em 2006, lançou sua candidatura à eleição presidencial francesa, sob a sigla de seu Movimento da Utopia Concreta (MUC), que havia criado em 2002 após o choque do 21 de abril, quando Jean-Marie Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), chegou ao segundo turno na disputa pelo Palácio do Eliseu. Em seu livro J’affirme, manifeste pour une insurrection des sens (Eu afirmo, manifesto por uma insurreição dos sentidos, ed. Sens et Tonka), detalha seu projeto de sociedade de “utopia concreta”, numa restauração do elo social em meio a uma crise de representação política; defende a regulação do mercado via a valorização do empreendedor em detrimento do financeiro, e propõe três novos serviços públicos: “A água, o medicamento e a beleza das cidades devem ser extraídas do livre mercado”. Não conseguiu obter as quinhentas assinaturas necessárias para poder concorrer oficialmente no pleito de 2007, mas nem por isso desanimou. Prometeu continuar seu embate por uma França mais justa e bela e lutar por sonhos de forma concreta, distante dos “devaneios imaturos” de Maio de 68. Conversamos em seu escritório de arquitetura, situado ao lado do cemitério Père Lachaise, em Paris,
Qual é sua origem?
Roland Castro – Sou filho de imigrantes clandestinos, de Salônica. Eu sou judeu-espanhol-grego. Meu pai entrou ilegalmente na França. Digo isso um pouco brincando, para mostrar que há imigrantes clandestinos que acabam, talvez, por fazer algo de bom ao país que os acolheu.
Quando você começou a se politizar?
Comecei a me engajar por volta dos meus 13, 14 anos. Era a guerra da Argélia. De pronto me engajei contra o conflito, como um pequeno soldado. Da minha geração muita gente se engajou contra essa guerra colonial. A traição da esquerda oficial nessa época me fez abandonar suas fileiras para me engajar no que chamávamos o “esquerdismo”.
Em 1961 você fez uma viagem a Cuba. Como foi?
Fui a Cuba logo depois do episódio da fracassada invasão americana na Baía dos Porcos (em abril de 1961) com amigos. Forçamos o bloqueio e permanecemos dois meses lá. Foi um tipo de “turismo revolucionário”. Tudo era fabuloso. As cubanas da milícia carregavam metralhadoras kalashnikov e tinham o fecho ecler na bunda (risos). Visitamos as fábricas nacionalizadas, participamos de comícios, encontramos Che Guevara e também poetas, como Nicolás Guillén, e arquitetos, como Ricardo Porro. Foi uma bateria de emoções para toda a vida. Voltamos supermotivados. Foi uma época formidável, havia um clima incrível.
Na volta, via os Estados Unidos, você foi detido no aeroporto de Miami pelo FBI…
Sim. E a detenção, no final, evitou que fôssemos linchados pelos cubanos que esperavam seus amigos que estavam no avião. Até devo agradecer ao FBI pela prisão, senão corríamos o risco de ser linchados pelos cubanos contrarrevolucionários que estavam no aeroporto ou no avião. Os americanos retiraram meu visto e também o direito de passar pelo México. Fiquei oficialmente interditado nos EUA por trinta anos.
Logo depois você foi seduzido pela revolução cultural na China, lançada por Mao Tsé Tung, em 1966.
Veio a revolução cultural chinesa e me apaixonei por um conceito, pois não fui olhar de perto o que acontecia na China. E tornei-me maoísta. Foi só depois que se soube o que realmente se passava lá, o massacre da cultura, dos intelectuais. Mao Tsé Tung foi um personagem, roubou todo o pensamento militar de Napoleão, roubou tudo de Confúcio sobre a moral, roubou conceitos de Marx sobre a ideologia, e fez uma bela sopa. Em 1961, eu havia sido expulso do Partido Comunista Francês (PCF). Fui excomungado, era assim que se falava, porque me rebelei contra os dirigentes do partido. Acabei retornando em 1995, mas por sentimentalismo exagerado.
Como começou seu engajamento em Maio de 68?
Para mim, começou na Escola de Belas Artes de Paris, onde estudava. Começamos a questionar todo o sistema de ensino. Nossos professores eram péssimos. Todas as catástrofes urbanas feitas nos subúrbios de Paris foram obra dos professores desta época. Fizemos um tipo de revolução cultural na Escola de Belas Artes. Isso a partir de 1966. E, em 1968, acontece o “grande momento de felicidade”.
Qual foi sua participação?
Participava de todas as manifestações de rua, e havia muitas, todos os dias, e também de ações como a do incêndio na Bolsa de Valores. Mas tudo dura pouco tempo, quatro semanas, até que o general de Gaulle diz: “Vamos parar por aqui”. Mas depois disso, continuei com os grupos operários das fábricas, que eram os mais radicais. Havia uma facção mais radical que não queria parar. Os maoístas se dissiparam, e criei minha própria organização, Viva a Revolução (VLR). Muito rapidamente compreendemos que as coisas se passavam no domínio do indivíduo. Apoiamos o Movimento de Liberação das Mulheres e a Frente Homossexual de Ação Revolucionária. Fomos bastante atinados neste sentido, pois nos demos conta do que ocorria na sociedade, desta necessidade de individualização. Mas estávamos no limite de fazer graves besteiras, como os italianos fizeram. Chegamos a discutir a possibilidade de passar à violência, e aí decidi parar. Nunca fui favorável a este viés, e senti que estávamos entrando num caminho sem saída. Dissolvi minha organização, e comecei a análise com Jacques Lacan.
Como você se tornou um dos personagens do movimento?
Fui líder por meio da minha organização. Nosso jornal vendeu até 100 mil exemplares, tinha uma certa influência. Mas nós estávamos mais do lado festivo, Woodstock, na defesa dos homossexuais e das mulheres. Os demais eram mais proletários, arcaicos. Nós éramos mais engraçados. E os outros nos viam assim. Havia uma disputa entre estes dois campos. E aqueles que não nos levavam a sério passaram à direita. Os ultraesquerdistas viraram à direita. Quando se faz o balanço, nosso grupo se sai melhor. Não éramos pela violência, defendíamos a singularidade de cada um, do indivíduo. Nossa herança é mais favorável se comparada à daqueles que eram mais violentos.
Você chegou a ser preso em Maio de 68?
Fui preso um pouco depois, quando ocupamos o Centro Nacional do Patronato Francês. Acabei condenado a um mês de prisão, com sursis.
Você acreditava na época que o movimento poderia mudar o mundo?
Acreditava que poderia mudar o ser profundo. Mas desde então aprendi que não se pode mudar as pessoas, podemos fazê-las crescer, não mais do que isso. Há certas coisas que não se pode mudar. Podemos transformar o mundo, mas abdicando da ideia de que o homem é bom, como diz Freud. A ideia de uma natureza humana naturalmente generosa é falsa. Não funciona mais. Isso compreendi. Mas, na época, me tornei um político permanente. Criei um jornal, que se chamava Tout (Tudo).
Você diz que Maio de 68 foi um movimento imaturo.
Foi sobretudo uma revolução sonhada. Foi um sonho muito bonito. Foi um momento de liberação e de palavras formidável. Mas não foi capaz de transformações concretas. Transformou os costumes, fez com que os pais e os filhos passassem a se falar mais, coisas assim. Foram as únicas coisas que Maio de 68 mudou verdadeiramente: as relações pais e filhos, não considerar o homossexualismo um drama, o despertar das mulheres. Foi uma revolução cultural, não política. Não há muitos traços de Maio de 68 no pensamento político de hoje. Desse sonho nada se fez. É preciso trabalhar esse sonho, para se chegar a algo concreto. Nesse ponto, foi um movimento imaturo. Maio de 68 foi um belo parêntese.
Quando Maio de 68 passou, você procurou Jacques Lacan. Por quê?
Eu estava muito mal. Depois que fechei minha organização, fiquei num estado deplorável. Não sabia mais onde estava. Estava mesmo muito mal. Comecei a psicanálise porque precisava, urgentemente, falar para alguém. No dia seguinte ao que fechei a organização, passei a ser detestado, me acusavam de ter abandonado a causa. Houve muito ressentimento contra mim por causa disso. Eu me encontrei só, e não acreditava em mais nada. Eu me lembro de que o golpe de Estado no Chile não me provocou nenhum sentimento, nenhuma reação, não fiz nada contra. Procurei Lacan em maio de 1973, e o golpe de Pinochet foi no 11 de setembro. Mas nem participei das passeatas. Não acreditava mais nas manifestações. Estava acabado. Logo depois passei a me interessar novamente pelas coisas da sociedade, mas naquele momento nada me sensibilizava. Não via saída. Eu me recordo de uma citação de Lacan dizendo que a psicanálise é o discurso que permite sobra de fruição suficiente no falar para que a história continue. Eu me agarrei nisso. Para que a história continue, é preciso falar um pouco de tudo. Tem aquela frase incrível de Lacan: “Eu aguardo, mas não espero nada”. E, numa assembleia de estudantes revolucionários, em 1972, ele disse algo que me perturbou muito: “A revolução é feita para manter a ordem”. A minha análise com ele durou sete anos, e aos poucos fui me reconstituindo.
Você voltou a se interessar pela política em 1981, com a ascensão do socialista François Mitterrand à presidência da França.
De novo veio a ideia de mudar o mundo, mas sem criar ilusões em relação ao ser humano. Concentrei-me no trabalho arquitetônico nos subúrbios. Encontrei Mitterrand, e consegui convencê-lo de que era preciso fazer algo em relação à questão urbana, que tinha influência nas questões social e política. Isso durou alguns anos, foi criado o Ministério da Cidade. Quando parei de colaborar com o governo, passei a me dedicar completamente ao meu trabalho de arquiteto. Passei um período de apneia política, não concordava com os rumos tomados. Eu acreditei em Mitterrand, mas, como muitas pessoas, me enganei completamente. Ele era um ilusionista admirável. Ele deixou Florença por Roma, mas permaneceu em Florença. Mitterrand detestou Maio de 68. Na primeira vez em que nos encontramos, brigamos sobre isso. Era um personagem de alta cultura, romanescamente impecável. Se um dia um biógrafo misturar as suas histórias de sexo, de dinheiro e de poder fará um retrato absolutamente apaixonante no plano romanesco. No plano político, ele não chegou à altura de de Gaulle. Depois de Maio de 68, descobri de Gaulle, como escritor. Hoje, quando me perguntam, digo que sou comunista de cultura e de história – esquerdista, pois tenho horror de hierarquia – e gaullista. Não classifico de Gaulle à direita. Acho que ele é a melhor relação custo-benefício entre as palavras e a realidade. Ele tinha uma qualidade de rebelião formidável. Sempre digo que a revolta de Maio de 68 contra o pai tinha uma relação com a qualidade do pai. Não era qualquer pai, era de Gaulle que nos incomodava.
Anos depois da decepção com Mitterrand, você retornou à cena política com seu Movimento da Utopia Concreta. Para não cometer os mesmos erros de Maio de 68?
Quando veio o 21 de abril de 2002 (quando o líder da direita radical Jean-Marie Le Pen passa para o segundo turno da eleição presidencial, deixando o socialista Lionel Jospin de fora), decidi pensar em um projeto de sociedade, e criei o Movimento da Utopia Concreta. E apresentei minha candidatura às eleições presidenciais. Decidi fazer política e meu trabalho juntos, de forma bastante ligada. Embarquei na ideia de reconstituir um pensamento político neste país, em que se assiste a uma campanha eleitoral miserável, sem conteúdo. Este é o atual momento da minha vida. Decidi voltar à ativa, de uma forma mais concreta. Não ser somente um intelectual observador, mas um intelectual concreto. Tentei fazer uma campanha como um Maio de 68 na maturidade. Mantemos a ideia de fazer com que a sociedade seja mais habitável. Nossas propostas foram baseadas na ideia de restauração das relações sociais, de “destribalizar” a sociedade.
Você propõe um Plano Gandhi universal. Do que se trata?
É a ideia de que é preciso na Europa uma partilha da cultura. Trazer milhões de estudantes do Terceiro Mundo, por meio de contratos que os obriguem depois a retornar a seus países. E, em contrapartida, aprenderíamos na Europa coisas do Terceiro Mundo. Em sociedades arcaicas do Terceiro Mundo, não se deixaria os idosos morrerem por causa de uma onda de calor, como foi o caso da canícula de 2003 na França, por exemplo. Seria uma partilha mútua, do savoir-vivre de cada um. Além disso, prega a ideia da não-violência para solucionar os conflitos mundiais, e de um serviço cívico na Europa, que serviria também a outras regiões do mundo.
Hoje você não acredita na revolução nem na esquerda tradicional.
Falo de revolução ética, fraternal. Não em revolução no sentido de os que estão em baixo derrubarem os de cima. Penso, inclusive, que todas as lições que podemos tirar da história das revoluções consistem justamente em reconhecer que elas foram feitas para manter a ordem, para colocar outra ordem. Eu luto para que a sociedade seja mais bela e fraterna, menos inspirada no ódio de todos contra todos. Sou antiliberal, mas não um doente mental. Acho que para certas coisas o liberalismo funciona, e para outras é preciso sair da ótica do mercado, como na questão dos medicamentos, da água. Sou um democrata, a favor de eleições. A rua não pode resolver tudo, acredito na democracia representativa, e acho que ela poderia ser mais horizontal e menos piramidal. Sou bastante radical, mas não revolucionário no sentido tradicional. E acho que, hoje, a esquerda está sem projeto para a sociedade, só pensa no poder. Sou a favor de embelezar o meu país, o que já é bastante trabalho.
Você se considera otimista?
Eu uso muito a frase de Gramsci (Antonio Gramsci, pensador italiano, 1981-1937): pessimismo da inteligência e otimismo da vontade. Eu nunca renuncio, e isso vai durar até a minha morte.
Essa fascinante entrevista do EICHENBERG com o arquiteto ROLAND CASTRO, o visionário, como todas as que realiza, é de uma completude avassaladora, nos revelando, em cada detalhe de suas linhas, descobertas e acontecimentos notáveis. Elas são ainda mais surpreendentes e desconcertantes, sobretudo para quem não é residente na França, tenha limitada visão do mundo ou não acompanha com a desenvoltura necessária a trajetória desses atores sociais que enriquecem o acervo social, político e artístico da França – e da própria Humanidade. Nossa primeira constatação: Impossível delimitar em ROLAND CASTRO um campo de ação/intervenção em que ele não tenha mergulhado de forma arrebatadora e total entrega de si. E todos os seus embates, frustrações e devaneios impulsionam ainda mais nossa curiosidade de tudo querer saber e conhecer sobre esse grande personagem que acaba de partir. Para ficarmos em apenas um episódio dessa grande entrevista, bastaria nos refestelarmos na poltrona de JACQUES LACAN, onde, para nosso espanto, ROLAND CASTRO foi paciente por sete anos, justamente de LACAN, outro ser imenso e imprevisível. Curiosamente, o célebre psicanalista foi o último proprietário da tela “l’Origine du Monde”, de Gustave Courbet, pintada em 1966, de um realismo chocante, daí ele conservá-la por muito tempo na parede de sua casa, fora do alcance dos curiosos, no número 5 rue de Lille, onde vivia e tinha consultório, pertinho do Musée D”Orsay, só que imperceptivelmente disfarçada por outra tela, colocada à sua frente, para não chocar ninguém em tempos de pudor e hipocrisia incontestáveis. Hoje, sabemos, a obra encontra-se exposta a poucos metros dali, no (adivinhem…) Musée D’Orsay, Paris, onde continua provocando “frisson” e risinhos maliciosos, sobretudo dos jovens, enquanto alguns mais velhos, simplesmente fingem não vê-la, escandalizados com tanta ousadia. Sabemos que essa tela emblemática foi pintada para o antigo embaixador da Turquia em São Petersburgo (Rússia), Khalid-Bey, depois residente em Paris, e coincidentemente concebida na mesma época em que as obras de escritores franceses reputados como Gustave Flaubert, com “Madame Bovary, e Charles Baudelaire, com “As Flores do Mal”, sofriam forte repressão e até ameaças de prisão, acusados de obscenidade. Esse Khalid-Bey já era freguês de “caderno” de pintores de obras eróticas. Tanto assim que uma de suas telas mais estimadas e adquiridas era “O Banho Turco”, de Ingres, hoje integrante do acervo do Musée du Louvre. Mas mudando de alhos pra bugalhos, vamos ao que mais nos interessa, pessoalmente, no momento, e que está na ordem do dia – o aquecimento global – e que tanto atormenta o mundo, na breve e sucinta resposta de ROLAND CASTRO a uma pergunta “en passant”, feita pelo EICHENBERG, mas que nos remete a um acontecimento terrivelmente marcante, de 2003, ocorrido na França. Reproduzimos, a seguir, a pergunta de EICHENBERG e a respectiva resposta do arquiteto: (F.E.) – “VOCÊ PROPÕE UM PLANO GHANDI UNIVERSAL. DO QUE SE TRATA?”
(R.C.) – “É a ideia de que é preciso na Europa uma partilha da cultura. Trazer milhões de estudantes do Terceiro Mundo, por meio de contratos que os obriguem depois a retornar a seus países. E, em contrapartida, aprenderíamos na Europa coisas do Terceiro Mundo. EM SOCIEDADES ARCAICAS DO TERCEIRO MUNDO, NÃO SE DEIXARIA OS IDOSOS MORREREM POR CAUSA DE UMA ONDA DE CALOR, COMO FOI O CASO DA CANÍCULA DE 2003, NA FRANÇA, POR EXEMPLO. Seria uma partilha mútua, do savoir-vivre de cada um. Além disso, prega a ideia da não-violência para solucionar os conflitos mundiais, e de um serviço cívico na Europa, que serviria também a outras regiões do mundo.” (Caixa alta minha, N.B.). Pois bem, pesquisei na Internet tudo sobre essa onda de calor insuportável, na França, em 2003, onde não havia mais ventiladores ou aparelhos de ar-condicionado para satisfazer a demanda. O recorde de temperatura, então, foi estabelecido no Sul do País, em Vérargues e Conqueyrac, onde os termômetros marcaram inacreditáveis 46oC! Na época, mesmo na Ile-de-la-Cité, o coração de Paris, não havia mais vagas nos hospitais ou nos necrotérios, e estabeleceu-se o caos absoluto, em todo o País. Anos depois, por volta de 2010, eu estava espairecendo em La Défense, quando em conversa despretensiosa com um jovem negro francês, muito bem vestido, instruído e trabalhador num dos escritórios da área, fiz-lhe a pergunta que tanto me intrigava, sobre o elevado número de mortes de 2003, no curto período da terrível canícula, na França. Sua resposta lacônica foi para mim elucidativa: expressiva quantidade de idosos que morreram, deveu-se ao fato de viverem SOZINHOS, confirmando, assim, mesmo para um neófito como este escriba, como são frágeis os liames familiares estabelecidos entre os franceses, tão cheios de pudor para demonstrar calor humano e amor ao semelhante, fato que também pudemos constatar, em inúmeras ocasiões. No ocorrido em 2003, não há como negar: muitos franceses idosos morreram por falta absoluta de socorro familiar. Esse calor humano tão necessário ao nosso viver, é mais facilmente encontrável entre os pobres dos países periféricos do Terceiro Mundo, como foi sutilmente insinuado por ROLAND CASTRO, na resposta acima, ao EICHENBERG, que aqui reproduzimos. Belíssima entrevista!
Por gentileza, caro EICHENBERG,queira “lanternar” meu texto acima; Onde escrevi sobre a tela “L’Origine du Monde”, com “L” em minúsculo, queira fazê-lo em maiúsculo, bem como digitar 1866, em vez de 1966, para a época em que o quadro foi pintado. Merci.