Michel Lallement: a utopia do “faça você mesmo”

Michel Lallement1 - © Hermance Triay
O sociólogo francês Michel Lallement passou um ano entre os hackers. © Hermance Triay

FERNANDO EICHENBERG – ILUSTRíSSIMA/ FOLHA DE S.PAULO

PARIS – O século 21 marcará o início do fim do modelo dominante da sociedade assalariada e a afirmação crescente da “utopia concreta” de organizações coletivas sustentadas na autonomia, na solidariedade e no prazer do trabalho? Impregnado desta interrogação, o francês Michel Lallement, especialista em sociologia do trabalho e do emprego, passou um ano embebido na chamada comunidade hacker americana Noisebridge, instalada na baía de São Francisco. Sua vivência como membro do grupo, no período 2011-2012, resultou na recente publicação do livro “L’âge du faire” (A idade do fazer, ed. Seuil).

O pesquisador acredita que o mundo do trabalho passa por uma fase de mutação em alta velocidade, e aposta numa forte influência de experiências comunitárias alternativas desenvolvidas nas últimas décadas na concepção futura de novas formas do viver em sociedade. Hackers ou makers, atuando em hackerspaces e makerspaces ou nos chamados FabLabs (abreviação de fabrication laboratory) e TechShops, se impuseram nos últimos anos como símbolos de laboratórios abertos do “fazer” (make), em espaços associativos de criação, livres de limitações do mercado, da rentabilidade ou do direito de propriedade, numa encarnação do que alguns analistas denominaram de “comunismo científico”. Nestes espaços, cada indivíduo têm a sua disposição ferramentas e material de trabalho para realizar bricolagens e confeccionar objetos que vão desde produtos de plástico a sofisticados robôs ou impressoras 3D, passando pela metalurgia artesanal, engenharia espacial, eletrônica de ponta, linguagens informáticas esotéricas e também o aprendizado agrícola e culinário, como nota Lallement, estabelendo novas relações sociais.

Criado em 2007, o hackerspace Noisebridge se reinvidica como uma comunidade de inspiração anarquista, sustentada no lema “Be excellent to each other” (seja excelente para o outro).  Além da América do Norte, modelos similares, com diferentes variações e influências, estão hoje implantados em localidades da Europa, da Austrália, da Índia, da África ou da América do Sul.

Michel Lallement, integrante do Laboratório Interdisciplinar para a Sociologia Econômica, do Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), conversou com a Ilustríssima em seu gabinete, em Paris.