Max Gallo (1932-2017): um intelectual apaixonado pela história da França

© Philippe Dobrowolska

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – A primeira máquina de escrever do jovem Max Gallo foi um presente de seu pai, ofertada com a seguinte frase: “Você poderá ganhar grandes batalhas com isso”. Ele não somente ouviu como adotou o conselho paterno ao se tornar um dos maiores nomes das letras e da historiografia francesa, reconhecido internacionalmente por seus romances, biografias e ensaios históricos. Escritor incansável, autor de uma centena de obras, Max Gallo faleceu ontem em Paris, aos 85 anos, após um longo combate contra a doença de Parkinson.

Nascido na cidade de Nice, em 1932, filho de imigrantes italianos, Gallo trabalhou como mecânico, estudou Matemática e História e se aventurou na política antes de se dedicar exclusivamente à construção de sua vasta obra no campo das letras. Jovem comunista desencantado com a ditadura stalinista, se elegeu deputado socialista e foi nomeado porta-voz do governo do presidente François Mitterrand no período 1983-84. Deputado europeu entre 1984-94, foi um dos fundadores, em 1993, do Movimento dos Cidadãos (MDC), na defesa de um republicanismo de esquerda. Mas desiludido com o mundo da política, que, segundo suas palavras, o obrigava a aceitar ações com as quais não concordava, optou pela solitária liberdade da escrita. Nas eleições presidenciais de 2007, após ter se distanciado da esquerda, apoiou a candidatura vencedora do conservador Nicolas Sarkozy.

Gallo alcançou renome com seus romances autodenominados de “ficções-políticas”, suas grandes sagas históricas – como suas obras sobre a Revolução Francesa ou a Segunda Guerra Mundial – e também suas alentadas biografias, dedicadas a personagens como Napoleão Bonaparte (publicada em quatro tomos e vendida em mais de 800 mil exemplares), Victor Hugo, César, Luís XIV, Robespierre, Jean Jaurès, Garibaldi ou o General de Gaulle. “Eu escrevo para que não se possa sepultar os mortos sob o silêncio e assim assassiná-los mais uma vez” , dizia.

Apaixonado por seu país, inspirado por suas convicções gaullistas e bonapartistas e convencido da ideia de uma “crise nacional de longo prazo” iniciada no pós-Primeira Guerra Mundial, o escritor pariu obras como “Orgulho de ser francês” e “A alma da França, história da nação, das origens até nossos dias”. Em 2005, em meio à profusão de reivindicações de leis memoriais, aderiu ao grupo de historiadores que refutavam a reescrita do passado. “Eu não pertenço à França do arrependimento”, justificou-se, “pertenço a uma França orgulhosa de si mesma”. Gallo contestou a posição do presidente Jacques Chirac sobre a responsabilidade do Estado francês no Shoah, e mais tarde se opôs à Lei Taubira de reconhecimento do tráfico e da escravidão como crime contra a humanidade.

“Meus pensamentos vão aos familiares de Max Gallo, homem de engajamento, cujas paixões foram a literatura, a História e a França”, escreveu o presidente Emmanuel Macron em seu Twitter. O ex-presidente Nicolas Sarkozy também se manifestou via rede social: “‘A imortalidade é a lembrança deixada na memória dos homens’. A lembrança do imortal Max Gallo permanecerá nas nossas memórias”.

Para o escritor Jean-Christophe Rufin, Gallo “não era um homem do passado, mesmo se fosse um historiador”: “Ele tinha um olhar particular ligado as suas origens italianas e ao seu passado militante. Tinha um olhar muito engajado. Não olhava para a História do alto de sua torre de marfim, ele estava na História. E era o romance nacional, havia nele um lado Victor Hugo – disse em uma entrevista”.

Para Gallo, o romance se impunha como um gênero maior, insuperável: “Ele permite colocar luz lá onde acreditamos que existe obscuridade, e penumbra lá onde tudo parece claro. Os jornalistas, os historiadores, por deontologia ou por incapacidade, deixam buracos na realidade. O romance pode e deve, a partir de dados estabelecidos, fornecer hipóteses. O imaginário é uma hipótese crível“.

Em condições normais de saúde, Gallo costumava despertar às 4h e escrever até às 8h, para depois dedicar algumas horas à leitura da imprensa, livros e revistas de História. O colega inglês Graham Greene lhe dissera certa vez que um escritor deveria “colocar para fora” uma quantidade de palavras por dia. Para Gallo, o volume correspondia de 7 mil a 10 mil caracteres diários: “Eu sempre escrevi. Minha única atividade permanente é bater à máquina. Um livro, é uma matéria. Quando não escrevo, tenho dores de cabeça, zumbidos nos ouvidos. (…) Tenho a obsessão do tempo. O mais belo título da literatura francesa é ‘Em busca do tempo perdido’. Quando publiquei três obras no ano, me digo que não perdi meu tempo.

Max Gallo havia ele mesmo anunciado sofrer da doença de Parkinson em 2015, quando lançou seu último romance, “Dieu le veut”, uma crônica da Primeira Cruzada, deflagrada em 1095 pelo papa Urbano II, em torno da devoção da fé e da força do remorso. Na época, declarou que a enfermidade “altera totalmente a relação do escritor com ele mesmo, com os outros escritores e com o mundo”: “Estou, de fato, doente, é difícil. Acredita-se imortal, mas não se é”, disse o autor, que havia sido eleito para o clube dos imortais da Academia Francesa de Letras em 2007. Em março passado, sua mulher, Marielle Gallet, publicou o livro “Bella Ciao”, em que conta a luta conjunta do casal contra a doença. Os funerais ocorrerão na manhã desta sexta-feira, na Igreja Saint-Etienne-du-Mont, na capital francesa.