FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO
PARIS – Instalado há dois meses no Palácio do Eliseu, o presidente Emmanuel Macron imprimiu um novo estilo de governo em relação a seus mais recentes predecessores. Em meio ao “macronismo” e à “macromania”, dois novos termos surgidos neste início de mandato, o líder francês estabeleceu de pronto uma governança repleta de simbolismos e de rígido controle de imagem, de comunicação e de funcionamento interno. Enquanto os temas mais polêmicos de seu quinquênio, como a reforma trabalhista, não entram no estágio decisivo dos debates e do confronto das ruas, Macron se afirma no cenário internacional e aplica novas regras presidenciais no nível doméstico, sustentado por altos índices de popularidade. Para analistas franceses, o chefe de Estado se distingue, principalmente, pela excelência de um estrategista e por uma estrita gerência da função, reivindicada em seus princípios soberanos.
Henry Rey, do Centro de Pesquisas Políticas (Cevipof), define em uma palavra o estilo macronista de governo: “Controlado. Além disso, ninguém esperava ver um estrategista desta qualidade, nem mesmo seus adversários. Ele demonstrou qualidades de inteligência e de controle. Se impôs na opinião francesa e internacional, na forma como assume os aspectos soberanos do cargo, e com muitos recursos simbólicos. A casa é controlada. Vamos ver depois, quando enfrentar os problemas sociais. Ele obteve total sucesso neste início, mas não se pode esquecer que há toda uma parte da França, dos votos extremistas e abstencionista, que não foi conquistada”.
Macron recorreu aos símbolos desde sua posse, quando discursou diante da pirâmide do Museu do Louvre após uma marcha solitária ao som da Nona Sinfonia de Beethoven. Inovou ao se pronunciar em início de mandato diante do Congresso reunido no Palácio de Versalhes, mesmo local escolhido para receber o presidente russo, Vladimir Putin. A recepção ao chefe de Estado americano, Donald Trump, foi organizada no monumento dos Invalides, onde repousa Napoleão Bonaparte.
Diferentemente da presidência “normal” de François Hollande (2012-2017), Macron, ainda em campanha eleitoral, dizia que a França necessitava de um chefe de Estado “jupiteriano”, em referência a Júpiter, deus todo-poderoso que governa a terra, o céu e todos os demais deuses na mitologia romana. Ao mesmo tempo, nestas oito semanas de poder, o presidente multiplicou ações de demonstração de um presidente próximo da população, cool e moderno, seja jogando tênis em cadeira de rodas, lutando boxe com luvas num evento pela candidatura de Paris às Olimpíadas ou descendo pelo cabo de um helicóptero para visitar um submarino nuclear. Para a conselheira em estratégia de opinião Anne-Claire Ruel, Macron atua na “dialética do sagrado e do profano, do próximo e do distante, com a monarquia republicana de um lado e, do outro, o homem que anda de bicicleta e está perto das pessoas”.
Na última sexta-feira, o presidente rompeu com uma tradição existente desde os anos 1970: a entrevista televisiva do 14 de julho, feriado nacional da queda da Bastilha. Macron alterou a relação do poder com a mídia, preferindo se dirigir aos franceses sem intermediários, e impôs um rígido controle na comunicação de seu premier e ministros. Há rumores, inclusive, de que poderia transferir a sala dos jornalistas que cobrem a Presidência, situada dentro do Palácio do Eliseu, para uma rua adjacente. “Ele não quer mais falar aos jornalistas — diz Rey. Hollande foi punido por suas conversações, suas imprudências. Com Macron, nota-se o contrário, um presidente bastante contido, mestre de si mesmo e de sua comunicação. Quase todas suas aparições públicas são refletidas em termos de comunicação. Quando ele se exprime, é em entrevistas coletivas em cenários internacionais, ao lado de Merkel, Trump e outros. Ele não vai fofocar à noite com jornalistas, como fazia Hollande”.
Uma recente declaração da equipe presidencial, citada pelo jornal “Le Monde”, de que o pensamento de Macron era “demasiado complexo” para se prestar ao jogo de pergunta-resposta da mídia, deflagrou um amontoado de críticas. Para o analista Romain Lachat, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), Macron é um presidente que gere melhor os instrumentos da comunicação, e concede uma grande importância à maneira como seu projeto e sua política são apresentados: “Ele controla mais, para evitar que ocorram erros de comunicação. Quer uma frente única para levar a cabo as reformas, principalmente na questão da reforma do código do trabalho, projeto que será bastante contestado por uma parte das forças políticas, além da forte mobilização dos sindicatos. Quanto mais o projeto for coerente, justificado e explicado, menos difícil será sua aprovação”.
Por enquanto, Lachat não teme um “jupiterianismo” exacerbado do Executivo: “Há muitas coisas na França que lembram uma monarquia, já era o caso antes de Macron. É alguém carismático, com um projeto político fortemente ligado a sua pessoa. Talvez ele tenha exagerado na escolha de locais, em certas encenações, e penso no discurso feito na noite de sua eleição ou na recepção feita a Vladimir Putin em Versalhes. São coisas fortes, que revelam um pouco este aspecto monárquico, mas vejo como algo mais simbólico, que não questiona o caráter democrático do governo”.
O presidente havia também prometido a definição de um status no país para a primeira-dama, encarnada hoje por sua mulher, a popular e influente Brigitte Macron, que, segundo o Palácio do Eliseu, recebe de 150 a 200 cartas por dia, o dobro se comparado à Carla Bruni-Sarkozy. Comenta-se que Brigitte poderia criar uma fundação para crianças autistas, mas, no momento, ela atua com prudência e discrição.
Para Henri Rey, este será um outro tipo de desafio, porque nas instituições francesas não há lugar para a primeira-dama: “Ele terá de inventar algo. É verdade que ela teve um papel importante em sua campanha e também para sua imagem, mas a instituição da 5ª República não prevê uma função particular de primeira-dama, senão de acompanhante ou para eventos caritativos. Ele é boa conselheira, charmosa, mas não é um papel político“.