FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO
PARIS – O filósofo francês Luc Ferry, que já morou e lecionou nos Estados Unidos, não economiza adjetivos depreciativos ao abordar as eleições presidenciais no país. Embora defina Hillary Clinton como integrante de uma “dinastia elitista e rica”, incapaz de provocar entusiasmo, acredita que uma ida de Donald Trump à Casa Branca ridicularizaria os EUA no mundo. Em caso contrário, adverte: mesmo derrotado, Trump deixará marcas com a popularidade alcançada na campanha presidencial.
Qual o significado político deste pleito americano com um duelo entre Donald Trump e Hillary Clinton? A mediocridade dos dois candidatos significa algo muito preocupante que ameaça ocorrer em todo o país: a política não é mais atraente para os jovens talentos, que evitam cada vez mais as carreiras intelectuais e políticas para ir para o mundo dos negócios. Na minha juventude, havia ainda nos EUA, como na Europa, primeiros-ministros e presidentes muito jovens. Com exceção da Itália e do Canadá, a maioria dos homens e mulheres na política de primeiro plano, hoje, não são muito jovens, e a renovação não se faz presente. A vontade de se ter uma vida bem-sucedida desertou amplamente a política na direção do mundo dos negócios, para as startups e as novas tecnologias.
Segundo os diferentes cenários – vitória de Trump ou de Hillary -, qual será o impacto e as transformações possíveis para os EUA?Neste momento em que conversamos, parece que os dois candidatos estão em igualdade de chances de vencer. Os incríveis erros de Hillary com seus emails privados colocaram Trump de novo na corrida. Se Trump ganhar, os EUA serão ridicularizados no mundo inteiro, o que não seria bom para ninguém. A única esperança seria que, uma vez no poder, ele se acalmasse, cessasse de multiplicar as agressões verbais contra as mulheres, as minorias, provocações de todo tipo que estão, talvez, reservadas para a campanha. Dito isso, a popularidade de Trump vem de longe, e, mesmo se ele for vencido, deixará marcas. O movimento do politicamente correto foi desastroso, com uma reforma dos códigos de linguagem insensata que atingiu em quarenta anos um nível de absurdidade. E Trump conquistou muitas adesões.
Qual sua análise sobre o desencanto com a política nos EUA, e também na Europa? O debate americano é, infelizmente, tragicamente desastroso, com as personalidades dos dois candidatos sendo extraordinariamente fracas e até mesmo repulsivas. Trump é assustador de brutalidade e de vulgaridade, e Hillary pertence a uma dinastia elitista e rica que não pode suscitar entusiasmo. Por outro lado, não vejo desencanto na Europa. Madame Merkel na Alemanha, mas também o premier italiano Mateo Renzi, provocam controvérsias mas também entusiasmo. Em relação à França, os debates das primárias para as eleições presidenciais (em 2017) nunca tiveram tanta audiência na TV como agora. Mas onde você tem razão, evidentemente, é que no contexto da globalização, as alavancas tradicionais das políticas nacionais levantam mais nada, ou muito pouca coisa.
Como o senhor vê os EUA de hoje após dois mandatos consecutivos de Barack Obama na Casa Branca? Obama, um homem simpático e cordial, terá sido, infelizmente, um presidente medíocre. Em todos os temas essenciais, de Guantánamo ao Oriente Médio, passando pela Síria ou a Ucrânia, ele foi calamitoso. O pior, na minha opinião, é o retorno da Guerra Fria com uma Rússia que Obama e seus aliados europeus empurraram na direção da China, o que será catastrófico para o mundo inteiro. Esperava-se muito dele após o aterrador período George W. Bush, e nos decepcionamos terrivelmente.
O senhor partilha da teoria do “fim do sonho americano”? Não, independentemente da vida política, a sociedade civil americana permanece fascinante. Toda inovação mundial vem de Silicon Valley e do GAFA (Google, Appel, Facebook, Amazon), ao qual poderíamos ainda acrescentar Microsoft, Tesla, Space X e tantos outros. São essas empresas que mudam hoje o mundo. Elas são mais poderosas que a maioria dos Estados, que são incapazes de regulá-las, o que constitui um dos problemas políticos mais importantes no mundo. O mercado se tornou mundial, mas as políticas dos Estados democráticos permaneceram locais, nacionais.