Louvre renovado prepara novas exposições e enfrenta a ameaça terrorista na França

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Jean-Luc Martinez, presidente do Louvre: “Sou um daqueles que acreditam que o belo pode salvar o mundo”. ©Museu do Louvre/Florence Brochoire

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS — O Museu do Louvre, o primeiro do mundo em termos de frequência, deverá perder até cerca de 2 milhões de visitantes este ano, o equivalente a mais de 20% do total de seu atual público. A queda, estimada pelo presidente da célebre instituição francesa, Jean-Luc Martinez, 52 anos, é creditada principalmente aos efeitos colaterais dos recentes atentados e da constante ameaça terrorista na França. Para conter este decréscimo, além de reforçar a segurança local, o museu intensificou as ações de divulgação de sua imagem no exterior. Foi lançado, inclusive, o projeto de uma grande exposição no Rio e em São Paulo durante os últimos Jogos Olímpicos, mas, apesar dos esforços, sem alcançar concretização. Os brasileiros são, hoje, a quarta nacionalidade estrangeira de maior frequentação do museu, atrás dos italianos, chineses e, no topo, os americanos. A média de tempo de visita do público brasileiro, de 3h10min de duração, está, inclusive, acima da média geral, de 2h42min.

Martinez enfrentou ainda este ano, em junho, o perigo de inundação do Louvre por causa da elevação do nível do rio Sena derivada de fortes chuvas, e se viu obrigado a fechar excepcionalmente o museu e colocar em urgência 150 mil obras ao abrigo. Mas nem só de más notícias é feito seu atarefado cotidiano na administração de 2.200 pessoas. Em julho passado, inaugurou a primeira grande reforma promovida no museu desde a construção da pirâmide de vidro e metal projetada em 1989. As obras, ao custo de 53 milhões de euros, modernizaram toda a área de recepção ao público sob a pirâmide, e deram maior visibilidade ao Pavillon de l’Horloge, dedicada à história do museu quando ainda era uma fortaleza, depois transformada em palácio real. E há cerca de dez dias, Martinez esteve nos Emirados Árabes, supervisionando a finalização do Louvre Abu Dhabi, projeto monumental do arquiteto francês Jean Nouvel construído sobre uma ilha natural – que terá ainda o museu Guggenheim de Frank Gehry e um campus da Universidade de Nova York -, previsto para abrir suas galerias no início de 2017. Já em Paris, prepara as três próximas grandes exposições na matriz: Vermeer, em 2017; Delacroix, em 2018, e Leonardo da Vinci, em 2019.

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Após novas reformas, Louvre prepara três grandes exposições anuais: Vermeer, em 2017; Delacroix, em 2018, e Leonardo da Vinci, em 2019.©Fernando Eichenberg

Filho de um pai carteiro de uma mãe zeladora, o menino Jean-Luc morava em Rosny-sous-Bois, no subúrbio parisiense de Seine-Saint-Denis, e nunca havia pisado em um museu até os 11 anos de idade até descobrir o Louvre numa visita escolar, em 1975. Vislumbrar Vitória de Samotrácia, escultura da Grécia Antiga que ocupa um lugar de destaque numa das escadarias do museu, mudou sua vida. Arqueólogo e historiador da arte, Jean-Luc Martinez foi nomeado em 3 de abril de 2013 para o comando do Museu do Louvre, onde, em seu vasto gabinete, recebeu o GLOBO para uma conversa. “Sou um daqueles que acreditam que o belo pode salvar o mundo”, diz.

Os atentados e o clima de ameaça terrorista afetaram o turismo e também os museus na França. Como o Louvre tem enfrentado esta situação?

De fato, registramos uma queda de frequentação que pôde ser quantificada no primeiro semestre, de janeiro a julho deste ano, numa perda de 22%. Em 2015, tivemos 8,7 milhões de visitantes, e tudo indica que este ano deveremos perder entre 1,6 milhão e 2 milhões de público. Aproximadamente, deveremos ficar por volta dos 7 milhões de visitantes em 2016. Tivemos uma queda importante de visitas de grupos escolares franceses. Com o risco de atentados, o governo limitou fortemente as excursões de alunos. A segurança do Louvre foi reforçada, com patrulhas militares e policiais regulares. Os controles de acesso também foram reforçados com pórticos de detecção de metais, e foram instalados cubos fixos externos para impedir a invasão de veículos. Pode-se dizer que a segurança do Louvre hoje é satisfatória. Obviamente o risco zero não existe, mas o governo tomou todas as medidas necessárias para dar as melhores condições à visita.

Os brasileiros são a quarta nacionalidade mais numerosa no Louvre, e ocupavam o 12° lugar há dez anos. Como as diferentes nacionalidades reagiram a este novo contexto?

Perdemos uma parte do público dos Estados Unidos, que é a primeira nacionalidade estrangeira em número de visitantes. Talvez mais sensível à questão dos atentados, o público americano teve uma forte queda, entre 28% e 30%. Os chineses também diminuíram bastante. E o público japonês praticamente desapareceu. Não tenho ainda os dados do público brasileiro, mas temos a impressão de também caiu em relação ao ano passado, e penso que a atual crise econômica do país e também a Olimpíada do Rio possam ter colaborado para isso.

Trata-se algo excepcional ou já se viu situação semelhante no passado?

O Louvre e demais museus franceses já sofreram uma queda de público ainda mais importante, no rastro dos atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York. Naquela ocasião, o Louvre perdeu 36% de seus visitantes, bem maior do que os 22% já registrados deste ano. Além do reforço da segurança aqui, também fazemos a diplomacia cultural, ou seja, ir buscar o público em seu próprio país para promover o museu. Organizamos três exposições nos EUA: Hubert-Robert, em Washington; Valentin de Boulogne, em Nova York, e Edme Bouchardon, em Los Angeles. No caso da China, será inaugurada em dezembro, no Museu Nacional de Pequim, uma exposição sobre a história do Louvre. Esta mesma mostra será levada depois para Hong Kong. Faremos uma ação também no Japão, em 2018, em torno de uma exposição sobre o tema do retrato.

E no Brasil?

Nós tentamos este ano, por ocasião dos Jogos Olímpicos, fazer uma grande exposição em São Paulo e no Rio. Pensamos num primeiro projeto em torno do esporte, mas que depois abandonamos. O segundo projeto visava apresentar um conjunto das coleções do Louvre no Brasil. Mas fracassamos coletivamente, junto com nossos parceiros brasileiros. A situação no Brasil não é satisfatória, era preciso encontrar patrocinadores, mecenas, e não conseguimos fazer a montagem financeira do projeto. Não deu desta vez, mas tenho esperança de que consigamos fazer algo no futuro, nesta mesma lógica, de ir ao encontro do público brasileiro. Queremos dar este primeiro passo, para que depois o público venha e volte ao Louvre em Paris. No ano que vem, haverá uma temporada da Colômbia na França, e vamos acolher no Louvre obras provenientes de museus colombianos. Além do Brasil, o público colombiano, chileno ou argentino é cada vez mais numeroso no museu. Queremos tornar este desejo pelo Louvre mais presente no mundo.

Como está a construção do Louvre Abu Dhabi, este mega projeto de quase 1 bilhão de euros, sendo 400 milhões destinados, ao longo de 30 anos, para o uso da marca Louvre?

O projeto começou no início de 2013, e as obras estão prestes a terminar. Estive lá há dez dias, e é uma construção realmente espetacular, magnífica. Será certamente um dos maiores museus do mundo. E não se trata apenas do gesto arquitetural, é um grande Jean Nouvel, uma de suas obras-primas. Falta praticamente finalizar os entornos, porque está no meio da areia. É preciso construir as vias de acesso, um estacionamento, ajeitar as paisagens etc. E o subsolo, toda a parte dos ateliês, também ainda não está concluído. Voltarei em novembro para uma nova visita de avaliação. A data de inauguração é uma decisão política do governo dos Emirados Árabes. Potencialmente, poderá ser aberto no início de 2017. Mas se eles não decidirem pela inauguração até abril, deverá ficar para o outono, por causa do calor. São eles que vão decidir a data.

Qual a lembrança de sua primeira visita ao Louvre, em 1975, aos 11 anos de idade?

Nasci em Paris, de família de origem espanhola, mas sou francês de quinta geração. Tive uma infância feliz, mas nos anos 1960, minha família deixou o centro de Paris para o subúrbio. Para nós foi uma melhora de vida, eram condições bastante modestas, mas era a primeira vez que meus pais tinham uma sala de banho, por exemplo. Era feliz nesta região. Digo isso porque hoje na França há uma certa visão ao mesmo tempo negativa e pobre dos subúrbios, mas na época tinha uma vida bastante agradável. Era uma ambiente contemporâneo. Estas cités foram construídas na periferia de antigas aldeias. Onde morava, tudo datava do começo dos anos 1960-70. Não havia um único imóvel antigo. E na primeira vez que me levam ao museu, é no Louvre. É tradicional na França durante o programa de História na escola, quando se estuda o Egito e a Grécia antigos, que se leve os alunos ao Louvre. Nunca vinha ao centro de Paris, exceto uma vez por ano para ir ao cinema Le Rex, ver desenhos animados de Walt Disney. E tudo me surpreendeu, o palácio, as edificações antigas. E experimentei o que pode ser a força de Vitória de Samotrácia, hoje um pouco enfraquecida, porque a entrada se dá pela pirâmide, e antes era nela o ponto de partida da visita do museu. Há esta imensa escadaria, com esta escultura. Ainda hoje é um sentimento impressionante. O Louvre é um museu à parte por isso, não são simplesmente obras excepcionais, mas uma construção e mise en scène excepcionais. Para mim, o Louvre foi também a descoberta da profundeza da história, da Antiguidade. Sou um daqueles que acreditam que o belo pode salvar o mundo. O hábito de ver coisas belas pode promover mudanças. E, sobretudo, ao notar que a cultura dos outros nos supera. Há um risco em se viver encerrado. O modelo francês é fundado no contrário do comunitarismo: pensar que se pode ser francês de origem espanhola, mas ser francês e pertencer a uma nação. Isso é muito francês. E o museu contribui para isso, porque nele você se dá conta de que o outro existe, outras culturas, outras civilizações. Como criança, fiquei fascinado com isso, e foi na mesma idade em que nos interessamos aos dinossauros. E Vitória de Samotrácia é tudo isso. Em 2014, promovi a restauração deste monumento, que foi uma aventura bastante complicada. Foi quase como fechar um ciclo pessoal para mim.

Qual a experiência mais surpreendente vivida nestes anos na direção do Louvre?

O mais difícil e talvez o momento que mais me surpreendeu de forma negativa foi a enchente do rio Sena, que sofremos no começo de junho. Foi muito tenso. Sabia que este risco existia, mas vivê-lo é uma outra coisa, algo extremamente complicado. E o melhor momento surpreendente foi o mesmo episódio, porque vi a extraordinária mobilização dos funcionários, o amor que eles têm por este museu. Cerca de 400 pessoas permaneceram toda a noite aqui para salvar as coleções. É algo que marca para sempre.

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Maquetes lúdicas e interativas foram instaladas no Pavillon de l’Horloge. ©Fernando Eichenberg

Continue lendo aqui a íntegra da entrevista publicada em O GLOBO.