LOUIS POUZIN, gurU do datagrama: “o HOMEM QUE NÃO INVENTOU A INTERNET”

Louis Pouzin, hoje aos 90 anos. Na edição de março da revista Piauí conto como a França jogou no lixo a chance de inventar a internet. ©Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBERG/ REVISTA PIAUÍ

PARIS/PLOURHAN – Na tarde de 17 de dezembro de 1996, a Biblioteca Nacional da França (BnF) havia preparado com zelo a cerimônia de abertura ao público de seu novo espaço de 7,5 hectares no bairro Tolbiac, em Paris. O ambicioso projeto fora anunciado em 1988 pelo presidente socialista François Mitterrand, exaltado como a “maior e mais moderna biblioteca do mundo”, recorrendo às “tecnologias mais avançadas de transmissão de dados”. Mitterrand conseguiu inaugurar oficialmente o local, sem os livros e documentos, em março de 1995, no apagar das luzes de seu segundo mandato. Coube a seu sucessor e rival, o conservador recém-eleito Jacques Chirac, abrir com pompa presidencial as portas da edificação de linhas puristas, de quatro torres de vidro, projetada à beira do rio Sena pelo arquiteto francês Dominique Perrault.

Na visita de praxe acompanhada pela imprensa, Chirac, em pé diante de um computador, acompanhava atentamente uma demonstração sobre as funcionalidades da internet na biblioteca quando interrompeu seu interlocutor: “Mouse? O que é mouse?”. A sequência, exibida no telejornal das 20h do canal France 2, viralizou segundo os meios da época e inspirou um sketch do então célebre programa humorístico de marionetes “Les Guignols de l’Info”, do Canal Plus. A gafe perdurou por anos com diferentes enredos, e a pecha de ignorante do mundo da informática perseguiu Chirac até o final de sua vida. Sua ex-conselheira para o fomento da internet confessou certa vez: “Ele ficou completamente traumatizado pelo affaire do mouse”. 

O episódio seria apenas anedótico se não tivesse sido precedido, duas décadas antes, por um acontecimento que condenaria a França a perder os bits da História na invenção que revolucionou o mundo contemporâneo: a internet. No final dos anos 1970, o país jogou no lixo a possibilidade de se tornar protagonista na criação da rede de transmissão de dados que hoje domina a comunicação no planeta e influencia todos os setores da vida em sociedade. As equivocadas decisões do governo francês entregaram de mão beijada para os americanos um dos elementos essenciais para o surgimento da internet, o datagrama, desenvolvido pelo ilustre desconhecido Louis Pouzin, engenheiro prata da casa.

Já alcunhado pelo jornal francês Le Monde de “o homem que não inventou a internet”, Pouzin, hoje com 90 anos, vive na pacatez de Plourhan, vilarejo de pouco menos de dois mil habitantes aninhado na costa da Bretanha, no noroeste do país. O jardim de sua modesta e acolhedora morada, bem cuidado por sua companheira, Chantal, hospeda cinco preguiçosas tartarugas do Mediterrâneo (Testudo hermanni), répteis antípodas da velocidade da internet no açodado cotidiano das sociedades modernas. Os indolentes inquilinos contradizem a animada trajetória do anfitrião.

Pouzin atravessou os anos praticamente no anonimato. Uma certa visibilidade internacional veio somente em 2013, com o Queen Elizabeth Prize for Engineering (QEPrize), prêmio britânico que recompensa inovações de engenharia de benéfico impacto global para a humanidade. “Ninguém é profeta em seu próprio país”, disse certa vez o homenageado, embora antes disso, em 2003, tivesse sido nomeado Cavaleiro da Legião de Honra pelo governo francês, uma condecoração de menor repercussão. O francês recebeu o QEPrize em Londres das mãos da própria rainha da Inglaterra, Elizabeth II, no Palácio de Buckingham. “Ela foi muito simpática, a rainha”, comentou à piauí assentado no sofá de sua casa com um de seus dois gatos, o pardacento Príncipe de Plourhan, acomodado em seu colo.

Pouzin com a rainha Elizabeth II na cerimônia do QEPrize, no Palácio de Buckingham.
©Arquivo pessoal

Na cerimônia, foram ainda laureados outros quatro “pioneiros da internet”: os americanos Vinton Cerf e Robert Kahn, autores do protocolo TCP/IP, pilar da internet; o britânico Tim Berners-Lee, criador do World Wide Web (WWW), o que possibilitou a troca de informações pela rede por meio de navegadores, e o também americano Marc Andreessen, cocriador do navegador Mosaic e cofundador de Netscape. Na ocasião, a revista britânica The Economist brindou Pouzin com um extenso artigo intitulado “The internet’s fifth man (o quinto homem da internet).

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