Líderes europeus lançam fundo de reconstrução pós-pandemia, mas ainda divergem sobre detalhes

Membros do Conselho Europeu participam de conferência virtual sobre fundo de reconstrução pós-pandemia. ©Pool/Reuters

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Os 27 chefes de Estado e governo da União Europeia (UE) concordaram com a criação de um fundo comum para financiar a retomada da economia nos países do continente, em um quadro de grave recessão causada pela pandemia da Covid-19. Divergências profundas persistem, no entanto, sobre a montagem e funcionamento deste novo instrumento. Em uma reunião por meio de videoconferência, nesta quinta-feira, os líderes encarregaram a Comissão Europeia de detalhar as condições do dispositivo de ajuda financeira até o início de maio.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, havia esboçado a proposta de um Fundo de Recuperação Europeu por meio de um incremento do Orçamento da UE, no Quadro Financeiro Plurianual (2021-2027), que estava em discussão quando eclodiu a pandemia. O montante do fundo poderá variar de € 1 trilhão a € 1,5 trilhão, segundo diferentes estimativas. A cúpula da UE, entretanto, não foi capaz de concluir o debate sobre qual o valor destinado a cada Estado-membro, e como será usado e disponibilizado – se por meio de subsídios, empréstimos ou uma combinação dos dois.

A chanceler alemã, Angela Merkel, se disse aberta em fazer esforços para que o Fundo chegue até € 2 trilhões, mas impôs como condição a aprovação da modalidade e forma de uso deste valor, tema de intensas discussões na reunião.

Nem sempre concordamos, por exemplo, se isso deve ser feito na forma de subvenções ou empréstimos, ou em como deve ser implementado. Mas todos concordamos que esse fundo de recuperação deveria estar intimamente ligado ao próximo quadro financeiro de médio prazo – disse.

O presidente francês, Emmanuel Macron, reivindicou uma resposta “forte e rápida”, lançada no momento certo, e ressaltou que certos países precisam de mais ajuda do que outros, em forma de “transferências orçamentárias reais”, em oposição à Alemanha e Holanda, que preferem por empréstimos.

– A crise atingiu muitos países, mas alguns de forma mais grave, como Itália, Espanha ou Bélgica. Será preciso transferências orçamentárias reais, econômicas, não simplesmente empréstimos, para as regiões e setores mais atingidos. (…) Há Estados cuja fisiologia profunda e restrições políticas justificam posições muito duras – acusou, sem nominar.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, reconheceu que há “diferentes sensibilidades” sobre os instrumentos e as fórmulas mais adequadas para financiar o Fundo de Recuperação Econômica:

– Sobre quais serão as modalidades, vamos aguardar as propostas da Comissão. São questões difíceis, mas o debate foi muito racional e acreditamos que seremos capazes de chegar a boas soluções dentro de semanas – disse, procurando mostrar otimismo na entrevista coletiva ao final da cúpula.

Já o premier português, António Costa, não se intimidou em revelar alguns dos desencontros emergidos na reunião:

– A maioria dos países defendeu que se deve financiar os Estados através de subvenções. Outros defenderam que deve ser com base em subvenções e empréstimos, e uma pequena minoria defendeu que devia se limitar à modalidade de empréstimos.

Entra as subvenções e os empréstimos, será necessário alcançar um “equilíbrio sólido”, disse Ursula von der Leyen, preconizando uma solução híbrida. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, celebrou o resultado da encontro, dizendo que os líderes europeus fizeram “um grande progresso”, algo “impensável há algumas semanas”. O líder holandês, Mark Rutte, se disse disposto a trabalhar nas bases que serão propostas pela Comissão Europeia de “forma construtiva”, em uma “estratégia conjunta”, vinculada ao orçamento plurianual.

O Produto Interno Bruto (PIB) da UE deverá ter uma queda recorde de 7,1% em 2020, segundo as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), índice bem superior aos 4,5% registrados em 2009, durante a crise financeira internacional. A estimativa da presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, é ainda mais pessimista: uma diminuição de até 15% do PIB este ano. A conclusão de um sólido acordo de recuperação econômica tem sido considerada como fundamental para manter vivo o projeto europeu e estancar a crise na UE, já fragilizada pelas críticas de sua gestão da pandemia, encampadas pelos líderes populistas-nacionalistas e eurocéticos em geral.

Na falta de um consenso, a opção pelos eurobônus, também apelidados de coronabonds, na emissão de títulos de dívida conjunta, que era a principal demanda das nações de economias mais frágeis, foi retirada da mesa de negociações. A mutualização da dívida europeia, reivindicada por países do Sul como Espanha e Itália, e defendida pela França, não conseguiram vencer a oposição de nações do Norte, Alemanha e Holanda à frente, desconfiados da capacidade de administração das finanças públicas por governos que têm maiores déficits orçamentários e dívidas.

Para Patrick Martin-Genier, especialista em questões europeias do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), a cúpula da UE foi um “fracasso político”. Segundo ele, a reunião foi encerrada de forma muito rápida, contrariamente às anteriores, porque não foi possível um acordo, e a saída foi solicitar à Comissão Europeia uma solução posterior.

É mais um fracasso. Alemanha, Holanda e outros países não querem que exista um mecanismo que possibilite mutualizar as dívidas dos países mais endividados, como Espanha e Itália. E se remete o problema à Comissão. Esta reunião demonstrou a incapacidade dos líderes de chegarem a um consenso sobre este Fundo.

No comunicado final assinado por Charles Michel, se pede à Comissão que relacione o Fundo ao orçamento plurianual da UE, uma ideia em oposição aos anseios de Itália e Espanha, que exigiam um dispositivo específico para enfrentar a crise, diz Martin-Genier:

– A Comissão vai mordiscar em outras despesas da UE, principalmente nos fundos estruturais para as regiões em maior dificuldade, talvez nos recursos para a Política Agrícola Comum (PAC) ou a pesquisa. E será obrigada a pedir um incremento de seus recursos próprios. Será um orçamento de recuperação feito mais nas costas da Comissão. E no Conselho Europeu desta quinta-feira, não se pronunciaram sobre as modalidades deste Fundo, seu valor ou as regiões que serão beneficiadas. É um fracasso político.

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