Frente a revolta, opções de Macron se estreitam

Manifestantes durante os protestos dos ‘coletes amarelos’ no sábado passado: presidente francês está sendo forçado a mudar seu estilo de governança . © Benoit Tessiier/Reuters 

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Os coletes amarelos sairão hoje às ruas da França no 19° sábado consecutivo de manifestações desde novembro, em um inédito movimento de protesto no país. A revolta, deflagrada por reivindicações de justiça fiscal e social e marcada por momentos de extrema violência, forçou o presidente Emmanuel Macron a mudar seu estilo de governança e a organizar um amplo debate nacional, encerrado no último dia 15, para acolher as principais demandas dos franceses. Mas, na opinião de analistas, pressionado pela radicalização dos protestos e o risco de frustrar as expectativas com as medidas resultantes do chamado Grande Debate, o líder francês não está próximo de terminar com seus problemas, e suas opções para solucionar esta interminável crise encolhem a cada dia. Para este sábado, o governo decidiu fortalecer o dispositivo repressivo face às manifestações.

Em um encontro realizado na última segunda-feira com 64 intelectuais, no Palácio do Eliseu – uma maratona de oito horas transmitida ao vivo -, Macron descartou um “big bang” fiscal e o retorno do Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna (ISF), principais temas evocados no Grande Debate. Para Henri Rey, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), se o governo não propor novas medidas sociais e fiscais e o debate nacional for percebido como uma mera operação de comunicação, “a cólera duplicará” tanto entre os coletes amarelos como no restante da população que espera por resultados amplos e concretos.

– Macron ainda está em perigo, sua popularidade permanece baixa e a situação é extremamente crítica. Ele não parece disposto a abandonar as orientações políticas de seu governo até aqui. Se não houver reais avanços, outras forças populares que até agora não se lançaram neste movimento singular, inovador e divisor dos coletes amarelos, poderão aderir. Neste cenário, há uma grande probabilidade de que as organizações sindicais e estudantis, hoje ausentes das manifestações, se juntem a eles, em uma aliança que até agora não vingou.

LEGITIMIDADE

O analista político Nicolas Leron ressalta a elevada participação dos franceses nos encontros do Grande Debate pelo país, o que teria permitido ao governo recuperar temporariamente uma maior legitimidade. Segundo números oficiais, foram 10.452 reuniões locais e 1.932.881 contribuições recebidas via a plataforma digital. Mas alerta:

– É algo que pode também se voltar contra Macron, e neste caso não seriam os coletes amarelos de hoje os únicos a se mobilizarem – acrescenta. – Se esses franceses considerarem que a expressão pacífica no âmbito do debate nacional não teve resultados satisfatórios, vai complicar para o governo.

Os mais de 280 mil coletes amarelos presentes no primeiro dia de manifestação, em 17 de novembro, se reduziram a cerca de 30 mil nos últimos protestos. O apoio da população ao movimento, que beirou os 80% de aprovação em seu início, caiu para 53% na semana passada, segundo sondagem do Instituto Elabe. Concomitante à diminuição do número de manifestantes, ocorreu uma radicalização do movimento, com cenas de batalha urbana e de vandalismo em cidades da França, Paris principalmente.

– Entre os que praticam a violência, há uma importante contribuição de um movimento transfronteiriço, com a participação de ativistas alemães, italianos, belgas ou holandeses – diz Rey. – Mas não é verdade afirmar que de um lado estão coletes amarelos pacíficos e, de outro, black blocs violentos. Existe também uma ala violenta entre os coletes amarelos, incluindo alguns de seus líderes, que não hesitam em, mesmo que de forma velada, apelar à violência.

Para combater os grupos belicosos, o governo optou por recrudescer a repressão. Na última segunda-feira, caiu a cúpula da Polícia de Paris. A avenida de Champs-Elysées, palco de saques, incêndios e vandalismo, foi interditada para manifestações, e as forças de ordem receberam instruções de atuar no enfrentamento direto para a dispersão de grupos. A proteção de prédios públicos será reforçada por militares da operação antiterrorista Sentinela – o que suscitou críticas por parte da oposição – e cerca de 5 mil policiais foram convocados para garantir a segurança em Paris. Pelo lado dos coletes amarelos, páginas no Facebook deram o tom dos ânimos para este sábado por meio de títulos como “A guerra está declarada”.

RADICALIZAÇÃO

Para o historiador Claude Pennetier, do Centro Nacional de Pesquisa Social (CNRS, na sigla em francês), os incidentes provocam o governo e também lhe conferem legitimidade como um poder forte.

– É um movimento jamais visto, que embora tenha mostrado sinais de enfraquecimento, não parece que vai acabar. Como, por enquanto, não são oferecidas novas perspectivas para a sociedade, isso vai se manter. E a impressão que se tem é a de que mais são utilizados métodos duros de repressão, mais a radicalização se intensifica.

Para Leron, a dificuldade está, hoje, em visualizar se a crise atual é passageira ou se configura um movimento que ultrapassa qualquer capacidade de ação estratégica do governo:

– Um pouco como na Revolução Francesa de 1789, que começou com um sentimento de injustiça fiscal e não mais parou. Hoje, não sabemos se vivemos apenas um sobressalto da população francesa ou se é algo mais profundo, uma virada histórica, como uma onda crescente que ninguém consegue deter.