FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO
PARIS – Na reta final das eleições primárias da direita francesa, três nomes aparecem em condições de brigar pelas duas vagas do segundo turno na disputa que definirá o candidato conservador no pleito presidencial de 2017. Entre os sete concorrentes, as últimas pesquisas de opinião apontam Alain Juppé, Nicolas Sarkozy e François Fillon como o trio favorito das urnas no primeiro turno deste domingo. Na falta de um nome de consenso, é a primeira vez que a direita organiza uma primária para escolher seu candidato, aberta também aos eleitores de centro, em uma campanha marcada por uma maior direitização do debate político.
A chave do embate, segundo especialistas, está no número de pessoas que votará nas 10.228 seções eleitorais espalhadas pelo país. A completa incerteza de prognóstico permanece porque nas sondagens a maioria dos entrevistados revela seu candidato preferido, mas não dá certeza de que sairá de casa para colocar seu voto na urna. Ainda assim, cinco anos após a derrota de Nicolas Sarkozy para François Hollande, a direita espera que, impulsionada pelo atual contexto político de descrédito do governo, a eleição deste domingo supere as primárias promovidas pela esquerda em 2011 (2,66 milhões de eleitores no primeiro turno e 2,86 milhões, no segundo). Para votar, basta estar inscrito em uma lista eleitoral, pagar dois euros, e assinar uma declaração honrando os valores republicanos da direita e do centro. Simpatizantes de esquerda ameaçam, inclusive, também votar neste domingo e no próximo dia 27, data do segundo turno, para tentar impedir que um candidato mais à direita do grupo ganhe a eleição. Um dos cenários mais prováveis para o pleito de 2017 é um duelo final entre o candidato vencedor desta primária e a líder da extrema-direita, Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional (FN).
INCERTEZA DOMINA CENÁRIO
Para Rémi Lefebvre, analista político da Universidade de Lille, estas primárias simbolizam uma “profunda transformação da política francesa”, porque a norma ditava que os militantes dos partidos designassem, de maneira autônoma, seus candidatos.
– Houve o caso de 2011 para o Partido Socialista (PS), e hoje o sistema se generaliza a todos os partidos. No caso da direita, é algo inédito. Normalmente, não há concorrência, mas um só candidato que se impõe. Hoje, é uma verdadeira competição, e ainda incerta e aberta, mesmo que se tenha um favorito, Alain Juppé. E poderá haver surpresas, pois não há precedente de primárias, não se sabe quem e quantos vão votar.
Nicolas Sauger, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), endossa a análise:
– O recurso a uma primária aberta é, de fato, uma grande novidade para a direita francesa, mesmo se a ideia vem sendo debatida há 20 anos. Isso reflete nitidamente a crise de liderança neste campo, cujos líderes podiam ser contestados, mas em que a hierarquia permanecia muito clara para todos. Hoje, é a incerteza que prevalece. Mas além desta constatação, a surpresa – que poderá ser desmentida logo após a primária – foi que a relativa unidade da direita foi preservada.
Analistas identificaram, em geral, uma direitização mais acentuada dos discursos de campanha e nos debates televisivos, encabeçada por Nicolas Sarkozy, o candidato em evidência mais rigoroso nas discussões sobre o islã, o terrorismo, a segurança, a imigração ou a identidade nacional. Rémi Lefebvre se disse “impressionado” pela maior ênfase direitista dos candidatos. Na sua opinião, há duas explicações para isso:
– Primeiro, porque o PS escorregou para direita, e forçosamente os candidatos conservadores são levados ainda mais à direita. Em segundo, os eleitores de direita hoje estão mais direitizados. Tudo, hoje, tende mais para a direita, vide o fenômeno da FN e mesmo o próprio PS.
MUDANÇA DE TOM
O tom, no entanto, poderá mudar após a primária, dependendo também do candidato escolhido. Se Juppé sair vencedor, Lefebvre acredita que as teses sarkozistas sobre os temas mais polêmicos não vingarão. Sarkozy defende, por exemplo, a detenção para todos os indivíduos fichados como suspeitos de radicalização islâmica e a suspensão da política de reagrupamento familiar, que permite a parentes do exterior se juntarem ao imigrante aceito legalmente na França. Juppé é contra as duas medidas, e preconiza medidas mais rápidas e eficientes de expulsão dos imigrantes cujos pedidos de asilo oi de residência foram rejeitados.
Nas questões econômicas, a análise de Lefebvre é diferente:
– Economicamente, os franceses não são de direita. O paradoxo é que eles não querem Hollande, mas também não querem o ultraliberalismo. Seja Juppé ou Sarkozy, eles serão economicamente menos à direita após a primária – aposta.
Nicolas Sauger acredita que as questões em torno da identidade, imigração e segurança, vão predominarna campanha presidencial de 2017.
– Por quê? Simplesmente porque ninguém imagina, hoje, que a esquerda possa vencer as eleições do ano que vem. A disputa se dará, então, entre a direita e a extrema-direita.