“Sejam quais forem as transformações da pintura, seu suporte ou moldura, a questão é sempre a mesma: o que está acontecendo ali? Tela, papel ou muro, trata-se de uma cena onde algo surge (e se, em certas formas de arte, o artista quer deliberadamente que nada aconteça, é também uma aventura). Deve-se encarar o quadro como um tipo de teatro à italiana: a cortina se abre, olhamos, esperamos, compreendemos. E passada a cena, desaparecido o quadro, nos lembramos: não somos mais os mesmos de antes; como no teatro antigo, fomos iniciados”.
As palavras acima foram escritas pelo pensador Roland Barthes (1915-1980) em seu texto “Sabedoria da arte”, dedicado à obra do pintor americano Cy Twombly (1928-2011). Em 60 anos de carreira, Twombly se tornou um dos importantes artistas do século 20, definido como um sincretizador da herança do expressionismo abstrato americano e dos mitos e origens da cultura mediterrânea. Difícil alguém sair indene desta primeira retrospectiva integral do artista, em exposição desde o último dia 30 até 24 de abril de 2017, no Centro Pompidou, em Paris. A inédita mostra – organizada por Jonas Storsve, curador do Pompidou, com a ajuda de Nicola Del Roscio, colaboradora de Twombly durante 48 anos – revela 147 pinturas, desenhos, esculturas e fotografias do artista, retraçando em ordem cronológica – desde a década de 1950 até o início dos anos 2000 – sua trajetória criativa, de seus rabiscos e trabalhos em preto e branco até suas gigantescas telas coloridas. Em 1952, aos 24 anos, Twombly solicitou uma bolsa de estudos para viajar à Europa, com o objetivo de “pesquisar os desenhos pré-históricos da caverna de Lascaux”, e se tornou um artista nômade, em suas viagens e também em suas infinitas leituras inspiradoras de sua obra. Homero, Heródoto, Safo, Ovídio, Virgílio, Keats, Mallarmé, Goethe ou Rilke se tornaram referências implícitas ou explícitas de suas criações.
A arte de Twombly “não quer agarrar nada”, escreveu Barthes, mas mantém-se, flutua, deriva entre o desejo e delicadeza, “em uma ética fora da pintura, fora do Ocidente, fora da história, no próprio limite do sentido”.
Fotos © Fernando Eichenberg