O célebre Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême se encerra neste domingo (29/01), mas para os aficionados de HQ a visita à cidade continua valendo. Duas importantes mostras inauguradas por conta do evento, consagradas a Will Eisner e Kazuo Kamimura, permanecem abertas.
WILL EISNER
O centenário de nascimento do gênio americano Will Eisner (1917-2005), considerado um dos pioneiros do gênero e criador do romance gráfico, pai do antissuper-herói Spirit, é comemorado com uma exposição no Museu da História em Quadrinhos, até o dia 15 de outubro. Foram reunidas mais 120 pranchas originais, esboços, croquis, fotos e cartas manuscritas, dispostas em um generoso espaço cenográfico de 400 metros quadrados. Dois filmes documentários sobre o artista são exibidos durante a mostra: “Will Eisner: Profissão Cartunista”, da brasileira Marisa Furtado de Oliveira, e “Will Eisner: retrato de um artista sequencial”, do americano Andrew Cooke.
Will Eisner em sua mesa de trabalho. ©Will Eisner
Eisner cunhou o termo “graphic novel”, inserido pela primeira vez na capa de uma HQ em “Um contrato com Deus”, álbum sobre sua infância no Brooklyn judeu dos anos 1920-30, lançado em 1978, quando já havia alcançado seus 60 anos de idade. Neste época, fazia 25 anos que não havia produzido uma HQ, e na sequência criou mais uma quinzena de romances gráficos. Seu anti-herói Spirit foi criado em 1940 como um detive mascarado de Central City, cidade inspirada em Nova York, às voltas com malfeitores e mulheres fatais.
Prancha de “Um contrato com Deus”, de Will Eisner. ©Will Eisner
Para Jean-Pierre Mercier, curador da exposição, Eisner é um verdadeiro precursor, que transcendeu na arte da HQ: “Pela sua grande ambição narrativa, e sua exigência formal, atinge um público adulto sensível à ironia que destila. Tecnicamente, a repartição de seus pretos e brancos é magistral, seus jogos de elipse são magníficos. Ele joga com as formas, propõe a cada semana uma abertura graficamente poderosa. Ele traduz em imagens a poesia da cidade“.
“The Spirit” foi adaptado para o cinema por Franck Miller, em 2008. Três anos antes, em 2005, Will Eisner morreu, aos 88 anos, vítima de complicações de uma intervenção cirúrgica.
KAZUO KAMIMURA
Outro motivo para visitar Angoulême é a retrospectiva, em cartaz até 12 de março no museu municipal, da obra do japonês Kazuo Kamimura (1940-1986), com mais de 150 pranchas e ilustrações, pela primeira vez exibidas na França.
©Kazuo Kamimura
Desenhista e ilustrador cult dos anos 1970, Kamimura foi colaborador do mestre do mangá Osamu Tezuka e também inspirador de “Kill Bill”, de Quentin Tarantino, com o álbum “Lady Snowblood” (com roteiro de Kazuo Koike). Em 1964, aos 23 anos, se diplomou em design pela universidade de Belas Artes de Musashino, e logo derivou para a publicidade e o mundo dos mangás. Seu trabalho viveu o auge do gegika, tipo de mangá adulto de tramas sofisticadas e psicológicas, em um registro mais sombrio e dramático.
O primeiro grande sucesso veio com “Quando vivíamos juntos” (1972), a paixão e o sexo entre os jovens Kioko e Jiro, em busca do amor livre na encruzilhada entre o desejo de modernidade e as imposições da tradição. Sua grande obsessão era a psique feminina. Seguiram-se álbuns como “O rio Shinano”, “Maria” (sua famosa heroína), “A aprendiz Geisha” ou “Clube dos Divorciados”. Em seus anos mais produtivos, chegou a desenhar de 350 a 400 pranchas por mês.
Prancha de “Quando vivíamos juntos”. ©Kazuo Kamimura.
Kamimura é reconhecido por seus pares como “o pintor da era Showa” (período de 1926 a 1989) e um profundo observador da sociedade de sua época por meio de seu traço refinado, elegante, lírico, poético e cinematográfico, trabalhado em um extremo cuidado gráfico. Morreu jovem em 1986, aos 45 anos, vitimado por um câncer da faringe.