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Caroline de Maigret e Sophie Mas lançam livro sobre prós e contras da chegada aos 40 anos

Sophie Mas e Caroline de Maigret. ©Bertrand Le Pluard

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Você percebe que o tempo passou quando suas ressacas são mais numerosas do que suas festas; ninguém mais lhe pergunta se planeja ter outro filho; uma marca no rosto, que pensava ser causada pelo travesseiro, ainda está lá três semanas depois; você vai ao seu gineco-obstetra para consultar sobre mamografia em vez de contracepção, o presidente da França é mais jovem do que você. As frases soltas, entra outras tiradas, abrem o recém-lançado livro das francesas Caroline de Maigret e Sophie Mas, “Older, but better, but older” (“Mais velha, mas melhor, porém mais velha”). Caroline, 44 anos, modelo e embaixadora da Chanel, e Sophie, 39, produtora de premiados filmes internacionais, já haviam, em 2014, coescrito – com as amigas Anne Berest e Audrey Diwan – o best-seller “Como ser uma parisiense em qualquer lugar do mundo”.

Desta vez, a ideia foi abordar – “com honestidade, intimidade e também doses de humor” – os prós e contras da maturidade. “Não é um livro sobre a terceira idade”, ressalta Caroline. “Sabemos o que esperar quando chegarmos aos 60 anos, há questões de saúde sobre os quais nos falam, a menopausa, os cabelos brancos. Mas nos 40 anos, de repente você estranha que as pessoas lhe tratem mais de ‘madame’ do que de costume. É algo para o que não se está forçosamente pronta. Digerir todas estas informações e aprender a viver com elas é o luxo de envelhecer”. Segundo Sophie, a intenção foi tratar das mudanças físicas e também psicológicas em relação a neuroses, à família, ao amor, à sexualidade: “Nós falamos sobre o que é passar a 30 e 40 anos. É um pouco uma catarse de se dizer que é preciso avançar. De qualquer forma, não há escolha”.

A dupla de autoras conversou com a revista ELA sobre as alegrias e os infortúnios do avançar da idade no Hotel Pigalle, em um fim de tarde parisiense.

Como vocês se sentem em relação as suas idades de nascimento e emocional?

Caroline: A cada ano, adianta-se a data limite do que se define como uma “pessoa velha”. Tenho uma lembrança muito precisa do dia dos 37 anos de minha mãe, em que me disse: “Pronto, ela está realmente velha”. Me sinto com 32. Tenho a impressão de que posso ainda fazer tudo o que quero, ter todas as fantasias, seja na relação amorosa ou no trabalho. No começo dos 30, se tem uma maturidade e também toda esta liberdade. É onde me situo. Tenho ainda todos os sonhos possíveis.

Sophie: Há manhãs em  que me desperto pensando ter 70, e no fim do dia tenho 22. É algo sempre em movimento. Diria, hoje, que tenho uns 35. Não tive a crise dos 40, mas a dos 30, no sentido de se tornar adulta e independente.

Caroline: Minha sogra, uma mulher genial de 80 anos, tem uma idade emocional de 18. E ela se sente com raiva de envelhecer, não compreende a atitude das pessoas em relação a ela. É a mulher mais rockn’roll, cool, intelectual extremamente bela, e vai em todos os shows. Os outros a tratam como uma velha senhora, e a vejo lutar contra isso.

Caroline de Maigret. ©Johan Lindeberg for BLK DNM

Quais as suas impressões sobre uma mulher mais velha?

Caroline: Sempre vi uma graça nas mulheres de mais idade. Penso que temos a chance na França de ter como ícones mulheres de todas as idades, o que nos facilita a vida para envelhecer. Temos Simone Veil…

Sophie: …Simone de Beauvoir, Catherine Deneuve, Fanny Ardant, Charlotte Rampling.

Caroline: Há um bom equilíbrio entre o intelecto e a beleza. São ícones por tudo o que representam. E ao crescer, se aprende a apreciar um contorno global da mulher – e do homem -, sem se deter unicamente no valor estético. É mais fácil envelhecer quando se têm exemplos de mulheres velhas com esta classe.

Você contou, Caroline, que lê em revistas depoimentos de mulheres dizendo que está tudo maravilhoso no envelhecer, mas admite que não é algo que aprecia.

Caroline: Pessoalmente, acho genial o momento em que estou. É o melhor momento de minha vida na forma de pensar e de viver. Mas não tenho nenhum prazer em ver minha pele se tornar menos elástica e todo o resto que vem junto. Há certamente mulheres que vivem bem e que estão à vontade em relação a isso, mas não é o meu caso. E é um pouco duro quando se lê nas revistas que tudo é genial quando se envelhece. Não é meu prazer número um (risos).

O mais difícil teria sido aprender a serenidade?

Caroline: O interessante com a idade e o fato de nos conhecermos melhor é – e aqui vou dizer um grande clichê – “viver o agora”, o momento presente, o prazer do instante, em vez de a toda hora se projetar na semana ou no mês seguinte, em quando encontrará o amor de sua vida ou terá o trabalho de seus sonhos. Isso cria uma frustração permanente. No meu caso, alcancei um estágio em que aprendi a parar no presente, e isso é o maior luxo.

Sophie: Ainda não cheguei lá. É uma boa resolução para 2020.

Caroline, você diz ter passado há um ano e meio pela crise dos 40. Como foi? 

Caroline: A crise dos 40, para mim, era um pouco um clichê. E pensava que era algo mais masculino. Mas não, são muitas mulheres que a vivem, e em idades diferentes. É verdade, um dia me assustei. Me disse que estava casada há 15 anos, e de repente me vi com o mesmo homem aos 80 anos. Comecei a pensar que eram os últimos anos que estaria no melhor de mim mesma, sexualmente ou fisicamente, e a me questionar por que os dedicaria a um só homem. Seria a última vez em que poderia reinventar minha vida profissionalmente? Tenho um filho, e vinha a questão se deveria ter outro ou não. Era uma pouco a noção da última chance, o que é completamente absurdo com apenas 40 anos, uma idade muito jovem. Mas foi algo bastante violento para mim. Comecei a sair todas as noites para me provar que era uma adolescente e me sentir livre e independente. Foi um momento difícil de viver, ainda mais para o meu entorno. Mas foi também um despertar, no qual me senti superviva. Fico feliz em ter vivido esta crise, que durou cerca de um ano, mesmo que tenha sido dolorida. E sou ainda mais feliz onde estou hoje. São passagens a uma outra pessoa. Para algumas, ocorre de forma mais suave, mas para mim foi um furacão.

Sophie Mas fotografada por Caroline de Maigret.

Como é o “fenômeno da mulher invisível”?

Sophie: O pai do meu filho, com quem vivo, tem 13 anos a menos do que eu. Ele me acha bela, diz que gosta das minhas rugas. Mas quando vou nas festas de seus amigos, sou completamente invisível. Isso foi um pequeno golpe para mim.

Caroline: No meu caso, foi mais sexual. Nas festas, sentia que certos homens que, antes teriam um torcicolo na minha passagem, já não me viam nem mesmo passar. E eram os mesmos. Você envelheceu, só que não sabe. É algo estranho. E leva tempo a se habituar a essas pequenas surpresas. E cabe a nós achar soluções para isso, porque somos nós também que decidimos ser invisíveis. Pela conversa, o lado solar, o humor, se pode recuperar esse gap que se cria naturalmente pela idade. Cabe a nós redefinir as interações. Não se trata apenas da mais bela jovem, mas da mulher que existe, que vive. Essa é a graça na química amorosa, o que se libera de todo seu ser.

Para vocês, no sexo “old is better”.

Caroline: Vejo duas razões para isso. Uma é que você se conhece melhor, sabe como funciona e como ter prazer. A outra, é que compreendeu que se pode ser a boa e má trepada de alguém. É algo que ocorre a dois. Um homem pode ser alguém ótimo na cama para sua amiga, e para você será um total desastre. Não se está mais na performance ou na fantasia do pornô adolescente.

Sophie: E será que aos 20 anos foi a melhor época de sexo? Sim, fizemos muita coisa nesta época, tivemos vários amantes, mas o sexo era mais em quantidade do que em qualidade. Agora invertemos. E sem as inseguranças e medos daquela época.

E no amor?

Sophie: É uma vasta questão. Quando se sente o coração que bate, penso que é a mesma coisa aos 15, 25 e 75 anos. Mas há a questão de partilhar o amor. Caroline está com alguém há 15 anos. Mas é algo também mais suave, pela serenidade da qual falamos. Estamos mais em paz com nós mesmas, somos mais agradáveis para o outro, e não exigimos do outro resolver problemas que temos também.

Caroline: Compreendi que não esperava nada do outro no amor. Ainda somos felizes 15 anos depois um pouco por causa disso. Há pessoas que, ao contrário, têm mais exigências envelhecendo. Não há ideal, e isso que faz a graça do amor neste mundo. É a única coisa que não podemos controlar. E se pode amar e se apaixonar bem tarde, temos muitos exemplos disso em nosso entorno, e é algo muito excitante.

O mundo machista e patriarcal torna mais difícil para a mulher o envelhecer?

Caroline: A sociedade nos impôs isso. Sempre nos explicaram nos livros que os homens envelhecem bem melhor do que nós, que as têmporas grisalhas são sexy. Cada um envelhece a sua maneira, uns melhores do que outros, não penso que seja uma história de gênero. Mas penso que talvez seja mais difícil para uma mulher seduzir à medida que envelhece. Ela têm menos oportunidades. E em três de cada quatro entrevistas que damos, nos falam de Brigitte Macron (primeira-dama francesa, 24 anos mais velha do que o presidente Emmanuel Macron). Não vejo em que teríamos uma opinião a dar sobre duas pessoas que se amam. É curioso que seja um tema, e a situação inversa não interessa às pessoas.

O que pensam sobre intervenções estéticas?

Caroline: Hoje, ainda receio em fazer algo neste sentido, porque tenho medo de que me transforme. Pesquiso por tudo sobre técnicas que possam melhorar, mas sem mudar radicalmente. Penso que um dia farei. Em outros países, é algo natural envelhecer. Para nós, francesas, é algo cultural, as pessoas se julgam muito.

Sophie: O dia em que encontrar alguém que fez e que não se nota, farei também. E há algo contraprodutivo que noto nas pessoas que fizeram, desnatura algo, as pessoas parecem sem idade. Mas tive uma verdadeira conversa com meu namorado, pois quando ele estará no top, aos 40, eu terei 53. C’est la vie.

A ideia de ter pelos pubianos brancos assusta, como vocês mencionam no livro?

Caroline: Os pentelhos brancos são um verdadeiro tabu. A ideia em si é um choque. Se pensa que essas coisas de “pessoas velhas” vão chegar sempre mais tarde. É como a primeira vez que se acorda no meio da noite para ir ao toalete. Se espera que é porque você bebeu muito chá durante o dia. E depois continua, e você se habitua. É o propósito do livro, se habituar a essas novas pequenas revoluções.

Sophie: Para as quais não estamos preparadas.

Sophie Mas e Caroline de Maigret. ©Caroline de Maigret

O estilo, para vocês, é a arte do conhecimento, e neste aspecto vocês citam três exemplos: Keith Richards, Grace Jones e Mark Rothko.

Caroline: O estilo é um meio de comunicação. Tive a necessidade por muito tempo de me mostrar de uma forma mais masculina, porque achava que iriam me levar mais a sério no trabalho. Hoje, revelo mais minha feminilidade. E é verdade que gosto sempre de acrescentar um pouco de rock’n roll e sensualidade ao meu look. E quando gosto de uma bela peça, para construir o look em torno dela, sempre me pergunto como Keith Richards faria.

Sophie: Passar pelo prisma de Keith Richards torna tudo mais simples para nós (risos).

Caroline: Antes havia um certo esnobismo parisiense, de não querer se destacar muito. E ao longo do tempo, houve uma liberação disso, e se passou a compreender as velhas senhoras de cabelos rosa. É preciso se divertir. E Grace Jones é, para nós, a encarnação desta liberdade maluca a que temos direito. Crescer é isso também, não se arrepender de não ter feito isso antes, porque não era o momento e não se estava pronto para aquilo. Seja para o vestuário ou para as atitudes. E Rothko foi para explicar que o estilo se alimenta da cultura e ultrapassa a moda. Há vários ícones hollywoodianos, como Katharine Hepburn, Ava Gardner, Charlotte Rampling, que têm uma forma de assumir o poder, ao mesmo tempo do vestuário e da personalidade.

Que mulheres inspiram vocês no envelhecer?

Sophie: Susan Sarandon, Isabella Rossellini, Kathryn Bigelow, Charlotte Rampling… Todas são fontes de inspiração para considerar que a idade não é a primeira coisa, e ser livre.

Caroline: Para mim, é Charlotte Rampling, porque penso que evolui em adequação física e espiritual. Em seu estilo, se compreende quem é e como se propõe aos outros. Ela tem algo sexy e intelectual ao mesmo tempo.

Vocês dizem que deveria ser possível envelhecer duas vezes, na primeira, para sermos surpreendidos, e na segunda, para aproveitar cada momento já sabendo como é o processo.

Caroline: Mesmo quando se tem 18 anos, se diz “seria cool se soubesse isso quando tinha 14”. O conhecimento é o presente definitivo. Era muito próxima da cineasta Agnès Varda, e para ela a idade nunca foi um freio. Ela se proibia toda preguiça, seja física ou intelectual.

Sophie: É a frase da sogra de Caroline: “A idade nunca deve ser uma desculpa”, para não partir de repente, se apaixonar, mudar de profissão. Tanto melhor se temos uma forma de serenidade, mas a improvisação deve continuar.

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