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Renaud Lavillenie: após as vaias, os aplausos em casa

FERNANDO EICHENBERG/ O GLOBO

PARIS – Ovações, aplausos e um salto de 5m93 que lhe garantiu o primeiro lugar na etapa da Liga Diamante de Atletismo realizada no sábado à noite em Paris. Era tudo o que o atleta da casa, o francês Renaud Lavillenie, desejava para esquecer as vaias do público brasileiro e o segundo lugar do pódio na prova de salto com vara nos Jogos Olímpicos do Rio. Celebrado efusivamente pelas tribunas do Stade de France desde que seu nome foi anunciado ao microfone ao adentrar no estádio, Lavillenie superou o americano Sam Kendricks e o checo Jan Kudlicka. O brasileiro Thiago Braz, campeão olímpico no Brasil (6m03) não competiu na capital francesa, mas reencontrará o rival francês no meeting de Zurique, em 1° de setembro.

O público se pôs de pé e aplaudiu sem cessar na hora dos saltos de Lavillenie, o atleta mais laureado da história do atletismo francês (campeão olímpico em Londres 2012) e ídolo em seu país, que ainda tentou superar ontem a marca dos 6m, mas sem sucesso. O locutor do estádio, em suas entrevistas e comentários, insistia em ressaltar o ambiente positivo e o clima de apoio aos competidores por parte dos torcedores. Entre um e outro salto, Lavillenie chegou a pegar sua filha no colo e recebeu mais aplausos quando a imagem apareceu nos telões do estádio.

“Não criava muitas expectativas após minha viagem ao Brasil, mas com todas as mensagens que recebi da França, imaginava que tudo o que ocorreu não poderia passar despercebido aqui. Eu devia isso aos franceses, e penso que o desempenho desta noite cabe também a eles, pois me apoiaram muito e fizeram com que pudesse me superar, apesar do meu desgaste físico. Não há nada melhor do que um estádio que aplaude todos os atletas – desabafou Lavillenie em entrevista na zona mista, após sua vitória, numa clara referência aos acontecimentos no Rio.

Entre os torcedores franceses presentes no Stade de France, muitos ainda não haviam digerido ou entendido comportamento do público brasileiro, que vaiou Lavillenie durante a competição e também no dia seguinte, no momento do pódio e da entrega das medalhas. O atleta francês chegou a chamar a torcida no Engenhão de “público de merda”.

Thierry Soeur, 53 anos lamentou o comportamento da torcida brasileira, contrário à imagem da população do país. “Que os brasileiros apoiem seu atleta é um pouco normal, mas é verdade que conhecendo o público brasieiro, que tem a cultura do esporte, a alegria de viver , o espírito de festa, nós franceses fomos surpreendidos pelo que ocorreu. Os JO no Rio, cidade de festa… Ninguém entendeu nada do que aconteceu. Ficamos um pouco chocados. Não é motivo para nenhum incidente diplomático, mas não foi bonito. E é uma grande pena que tenha ocorrido logo no Brasil”, disse.

Yaniv Daviaud, contra as vaias dos brasileiros. Fernando Eichenberg

O educador esportivo Yaniv Daviaud, 21, levou sua turma de alunos para assistir às provas no Stade de France. Na sua opinião, os brasileiros também merecem reprimendas. “As vaias não foram uma atitude esportiva. Normal que eles torçam por seus atletas, mas o que ocorreu já entra no antijogo. Os brasileiros estão em sua casa, fazem o que querem, mas eu apoio o fair play. Sou professor de esportes, e tento transmitir aos jovens este espírito de apoiar todos os atletas, e não é normal vaiar um esportista como os brasileiros fizeram. E as vaias no pódio foram uma arrogância da parte dos brasileiros. Uma vez, tudo bem, mesmo que não seja normal, mas a segunda vez foi provocação”, criticou.

Martin Calve: contra o clima de futebol em estádio de atletismo. ©Fernando Eichenberg

Seu aluno, Martin Calve, 14, engrassa o coro dos descontentes: “Não se faz isso, vaiar alguém num estádio. Se diria um clima de futebol num estádio de atletismo. Já vi isso aqui no futebol, mas no atletismo aqui não se faz, a gente apoia todo mundo, todos os atletas, mesmo querendo que um ou outro vença”.

Jacques Kerlirzin, 64, costuma assistir à partidas de rúgby junto da mulher, Micheline, e discorda das vaias em qualquer caso, principalmente em relação ao que ocorreu ao ídolo nacional Renaud Lavillenie: “Não se vaia os atletas assim, mesmo o último colocado merece ser aplaudido, pois é um enorme esforço que fizeram para ter chegado lá. Eles não merecem ser injuriados assim. Lavillenie chorou no pódio não de emoção, mas de dor, tanto foi vaiado. Em todas as Olimpíadas, há sempre algo que estraga. É uma pena. Renaud não merecia este tratamento dos brasileiros. Mas isso passa”, relativizou.

Catherine Petit, 57, definiu como “muito triste” a “incompreensão” entre o público brasileiro e Lavillenie. “Somos bastante chauvinistas enqunto franceses, é verdade, mas foi horrível ver o francês chorar daquele jeito no pódio. Vi pela TV, e tunha vontade de chorar junto com ele. Mas é assim. Já estive no Brasila, são pessoas tão carinhosas, é uma pena tudo isso.

Romain Garrivier, 29, foi ao Stade de Franxce junto com sua namorada, Myriam Sabri, 28. Os dois foram os únicos ouvidos pelo GLOBO que desculparam em parte a atitude dos brasileiros no estádio do Engenhão. “Acho que Lavillenie digeriu mal porque não obteve o que quis, se tivesse ganho, talvez não tivesse reagiu da mesma forma. Nós franceses às vezes somos um pouco chauvinistas em relação aos nossos atletas. Não condeno totalmente o público brasileiro. Os brasileiros são grandes apaixonados pelo futebol, e acho que fizeram como fazem nos jogos,torceram pelo seu time, e funcionou. Não desejo o mal o público brasileiro por isso”, disse Romain.

Para o presidente da Federação Francesa de Atletismo, Bernard Amsalem, no entanto, não há perdão: “Fiquei chocado que não tenha sido respeitado este momento importante da vida de um atleta de alto nível, o pódio com o hino nacional e tudo mais. Para mim, foi algo muito chocante, e para ser bastante honesto, não entendi o público brasileiro. Isso me feriu muito profundamente, não somente por nós, porque somos franceses e solidários, obviamente, mas or princípio”.

Há vinte anos como dirigente esportista, Bensalem sublinha que “nunca havia visto isso no atletismo”. “E os brasileiros são pessoas muito simpáticas. Passei vinte dias No Rio durante as Olimpíadas, é verdade que foi complicado no nível dos deslocamentos e da circulação do tráfego, mas fomos sempre recebidos com sorriso. Os comerciantes, motoristas de ônibus, os voluntários nos acolheram muito bem, por isso não entendi, houve uma desafasagem entre a maneira em que fomos recebidos como estrangeiros e o que se passou no estádio olímpico no momento do pódio de Lavillenie. A impressão era de que não eram as mesmas pessoas, mas eram todos brasileiros”.

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