FERNANDO EICHENBERG
PARIS – Michel Butor vivia recluso em meio a suas paredes abarrotadas de livros em sua casa na localidade francesa de Lucinges, próxima à frontreira suíça. O lar foi batizado de “À l’écart” (à parte), um pouco à maneira de sua presença na paisagem literária e intelectual francesa. Inclassificável, o prolixo escritor, pensador, ensaísta, poeta e viajante morreu nesta quarta-feira, aos 89 anos, deixando um vasta e eclética obra. É ele um dos principais expoentes do movimento literário “Nouveu roman” – com “La Modification” (1957) – , ao lado de nomes como Alain Robbe-Grillet, Claude Simon e Nathalie Sarraute. Mas é também um poeta assumido e autor de numerosos ensaios sobre literatura, arte, pintura, música, fotografia ou viagens. “Se diz seguido de mim que sou um célebre desconhecido”, comentou certa vez.
Na efeméride dos cem anos da morte de Jules Verne (1928-1905), entrevistei Michel Butor, um entusiasta da obra do autor de “Vinte Mil Léguas Submarinas” ou “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, e a quem também dedicou escritos, numa conversa que deixou lembranças pela sua simpatia e generosidade.
Aqui a entrevista, feita na época para o hoje extinto Caderno Mais!, da Folha de São Paulo.
O escritor Michel Butor fala da influência de Júlio Verne, que morreu há cem anos, sua relação dúbia com o progresso e a guinada da crítica, que passou a valorizar suas obras, antes consideradas apenas “literatura para a juventude”
Quero ser grande FERNANDO EICHENBERG O escritor francês Michel Butor foi um dos primeiros a escrever um artigo de análise da obra de Júlio Verne, em 1949, quando o autor de “Viagens Extraordinárias”, especialmente lembrado neste ano pelo centenário de sua morte, ainda não havia alcançado notoriedade mundial. Viajante incansável, leitor voraz e “possuído pelo demônio da escrita”, como definiu num trecho autobiográfico, Butor proclama sua admiração por Júlio Verne, um dos escritores de que reivindica influência e que se tornou, ao longo dos anos, seu objeto de estudo. Folha – Do seu primeiro artigo sobre Júlio Verne até hoje, o que mudou na percepção da obra dele? Folha – O sr. menciona que muitos livros adotados pelos jovens não foram originalmente escritos com esse fim, como “Robinson Crusoé”, de Daniel Defoe, e “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift. E no caso de Verne? Folha – Hetzel, inclusive, o obrigou a alongar certos romances. Folha – O sr. foi influenciado por escritores como Marcel Proust, James Joyce ou Ezra Pound mas também por Verne. Onde podemos encontrá-lo em sua obra? |