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As mil vidas de Belmondo

FERNANDO EICHENBERG

PARIS – “Mil vidas valem mais do que uma”. O título não poderia ser mais apropriado para o livro de memórias da lenda do cinema francês Jean-Paul Belmondo. Aos 83 anos e mais de 80 longa-metragens no currículo, o ator, ícone nos anos 1960 do “charme viril à la française” e estrela do cult “Acossado” , decidiu contar pela primeira vez suas inúmeras vidas em uma autobiografia (ed. Fayard, 320 págs.), lançada na semana passada na França. Simultaneamente, saiu do prelo, pela mesma editora, um álbum de fotos de mais trezentas páginas com imagens retiradas de seu arquivo privado. Versátil nas telas, Belmondo diz que apreciava tanto protagonizar perigosas cenas de ação sem recorrer a dublês, como em “O Homem do Rio” ou  “O Magnífico”, quando chegou a quebrar o tornozelo, como atuar no improviso, sem texto, para o cineasta Jean-Luc Godard, o enfant terrible da Nouvelle Vague.

                          Com Jean Seberg, em “Acossado”.

Incansável sedutor, acumulou amantes na sétima arte, entre elas a primeira James Bond girl do cinema Ursula Andress, com quem viveu por seis anos, ou a musa italiana Laura Antonelli, numa relação de oito anos. Entre suas lembranças, “Bebel”, como é carinhosamente chamado pelos franceses, confidencia que, numa época, furtava a garrafa de leite depositada diariamente pela manhã ao pé de uma porta das vizinhanças, e depois foi descobrir que os moradores da casa, vítimas de sua delinquência cotidiana, era o casal de filósofos Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.

       Com Jacqueline Bisset, em “O Magnífico”.

Um capítulo inteiro é dedicado a seu eterno amigo e rival Alain Delon, a quem chegou a processar na Justiça por causa da desigual disposição de seus nomes no cartaz do filme “Borsalino”, contrariamente ao que estipulava o contrato. “Mas eram brigas de amantes”, relativiza brincando, ao denunciar uma rivalidade criada pela mídia e assegurar que os dois sempre foram “grandes companheiros de cinema”, e que só não se entendem quando o tema é política, pois Delon manifestou há alguns anos sua atração pela direita radical.

           Com Alain Delon, em “Borsalino”.

Em 2001, um acidente vascular cerebral (AVC) deixou Belmondo sem fala por dois anos. Pessimistas, os médicos lhe diagnosticaram um mutismo permanente, o que acabou não ocorrendo: “Precisei de muita força de vontade, pois queria tanto vencer isso. Hoje, gostaria de dizer àqueles que sofreram um AVC de guardar a esperança, não se deixar abater. Pode-se recuperar a fala”. Ele procura manter igualmente o otimismo para o seu país. Confessando-se “perplexo”, desabafou em uma entrevista: “Estou inquieto, como todos os franceses. O que se passa é grave. Os atentados me abalaram, que tenha sido em Paris, em Nice ou em Saint-Étienne-du-Rouvray. Não compreendo este mundo que parece ter enlouquecido. Não sei em quem votar. Sinceramente, entre os candidatos, ninguém me inspira. Mas irei votar, como sempre fiz. Contra Marine Le Pen (líder da direita radical) e contra todos os extremismos”.

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