PARIS – Na esteira das eleições que marcaram o fim do ciclo de 40 anos no qual o Parlamento Europeu foi dominado por uma aliança de conservadores e social-democratas, começaram as negociações no tabuleiro político inédito formado pelo aumento das cadeiras conquistadas por liberais, ecologistas e populistas da direita radical.
Em um Parlamento mais fragmentado, a nova configuração de poder em nível europeu dependerá da capacidade de articulação das diferentes forças políticas que formam, de um lado, o grupo dos progressistas pró-Europa, e, do outro, o dos nacionalistas eurocéticos. Para analistas políticos, os resultados das urnas refletiram as tensões existentes, hoje, no seio das sociedades europeias, e a previsão é de uma conflituosa legislatura.
Nesta terça-feira à noite, 28 chefes de Estado e de governo se reunirão para um jantar em Bruxelas, cujo cardápio incluirá as primeiras discussões sobre a distribuição dos principais postos nas instâncias da União Europeia — as presidências do Conselho, da Comissão e do Banco Central europeus. O debate será feito a partir de uma nova correlação de forças entre vencedores e vencidos das eleições encerradas no domingo.
Entre os vencidos está a chanceler alemã Angela Merkel, cujo bloco democrata cristão, embora tenha sido o mais votado, sofreu um recuo de mais de seis pontos percentuais em relação ao pleito de 2014 e viu os Verdes quase duplicarem seu escore (de 10,7% para 20,7% dos votos). E também o presidente francês Emmanuel Macron, da República em Marcha, membro do bloco dos liberais europeus, que ficou atrás da líder de extrema direita Marine Le Pen, da Reunião Nacional, com 22,4% contra 23,3%. Sem falar na primeira-ministra britânica Theresa May, de saída do governo e derrotada no pleito pelo Partido do Brexit, de Nigel Farage.
Entre os ganhadores, figuram o líder ultranacionalista Viktor Orbán e sua sigla Fidesz (52%), atualmente suspensa do grupo de centro-direita no Parlamento Europeu, e o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, do eurocético Lei e Justiça, o PiS (46%). Vencedor da eleição italiana, o vice-premier Matteo Salvini, da Liga (34%), perderá o convescote na capital belga, pois o convidado por direito é o primeiro-ministro, Giuseppe Conte. Mas estarão igualmente presentes os socialistas espanhol Pedro Sánchez e português Antonio Costa (PS), vitoriosos em seus países.
Para Olivier Costa, do Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux, o “jogo de negociação será extremamente sofisticado”:
– Há 20 anos, os social-democratas e conservadores, que chegaram a ter 70% das cadeiras, perdiam entre 4% e 5% a cada eleição. Neste último pleito, caíram de 52% para 43%. Não têm mais a possibilidade de aprovar textos sozinhos ou controlar o voto para a escolha do presidente da Comissão Europeia. Há uma verdadeira mudança, porque serão obrigados a negociar com outros grupos. Será complexo, porque os liberais e ecologistas sabem que estão em posição de força.
Antoine Vauchez, do Centro Europeu de Sociologia e Ciência Política da Universidade Sorbonne, acredita que, apesar das dificuldades, uma solução é favorita para evitar a falta de governança no Parlamento:
– Penso que será formada uma tríade entre social-democratas, conservadores e liberais. Esse deverá ser o eixo central da instituição. Não há outras maiorias possíveis, nem uma que vá da esquerda crítica aos liberais nem muito menos uma que junte os conservadores e a extrema direita. Não é possível formar uma maioria de esquerda ou direita. A única possível é a paneuropeia.
Direita dividida
A direita eurocética se encontra dividida em três grupos no Parlamento, e pelo menos um deles, liderado pelo Partido de Independência do Reino Unido (Ukip, em inglês) e o italiano Movimento 5 estrelas (M5E), não deverá ter condições de se manter. Após a contagem dos votos, Matteo Salvini não perdeu tempo em mexer suas peças para aglutinar forças em seu campo. Além de sua já aliada Marine Le Pen, o líder italiano procura seduzir ainda o húngaro Viktor Orbán e os espanhóis do Vox. Os poloneses do PiS, no entanto, desconfiam da proximidade da dupla Salvini-Le Pen com os russos.
Segundo Vauchez, a direita radical ultranacionalista não terá condições de pesar nos debates parlamentares se não conseguir eliminar suas diferenças:
– Houve um crescimento da direita soberanista e anti-Europa, mas ela ainda é marcada por profundas divisões entre, de um lado, os grupos de Salvini e de Marine Le Pen, e de outro, os conservadores britânicos e os demais. Essa direita radical nacionalista permanece minoritária, ainda que tenha conquistado quase um quarto do Parlamento.
Para Marc Abélès, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, os resultados das urnas, com o recrudescimento dos votos ultranacionalista e ecologista, revelam uma “fotografia do estado da atual da opinião pública na Europa”:
– Refletem as tensões internas europeias, a tendência isolacionista de alguns países, e também o aumento das preocupações em torno do planeta, que cresceram nos últimos meses. Ninguém imaginava que os ecologistas ficariam em terceiro lugar na França, e foi graças ao voto dos jovens. Há uma questão geracional que influi.
Apesar da previsão de um cenário difuso no novo Parlamento Europeu, o analista vê uma espécie de “tomada de consciência coletiva” em torno da cidadania europeia, o que poderá ser “algo estimulante ao longo dos cinco anos” da próxima legislatura. Na sua opinião, vários temas já automatizados, como a regra do déficit público inferior a 3% do Produto Interno Bruto (PIB), passarão a ser questionados.
‘Primeira eleição europeia’
Uma das grandes surpresas do pleito foi, segundo Olivier Costa, o forte aumento do índice de participação: 51% contra 42,6%, em 2014.
– Subiu ao redor de 10% em muitos países europeus. É a boa notícia desta eleição, que mostra que se tem um espaço público político europeu em emergência. Os cidadãos, enfim, compreenderam que era uma eleição importante. O interessante também foi o fato de temas transversais aparecerem, algo relativamente novo. Sempre foi uma eleição bastante focalizada em questões nacionais, em torno de personalidades. Mas, desta vez, vimos grandes temáticas, como a questão do meio ambiente, do social, do debate entre uma Europa comunitária ou de nações. Nesse aspecto, foi a primeira eleição realmente europeia que tivemos.