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A carioca Tabata Mey trocou a medicina pela gastronomia e hoje é uma chef estrelada na FranÇA

Tabata Mey recebeu sua primeira estrela do Guia Michelin e acaba de abrir um novo empreendimento em Lyon, na França, onde vive desde que saiu do Rio. Fotos ©Nicolas Villion

FERNANDO EICHENBERG/ O GLOBO

PARIS/LYON – Apesar da pandemia da Covid-19, o ano de 2020 trouxe boas notícias para a chef carioca Tabata Mey, 42, radicada em Lyon, na França. Em 15 de janeiro, ela inaugurou, junto com o marido francês, Ludovic, igualmente chef, o Food Traboule, uma praça de alimentação gastronômica em um local histórico da cidade, um projeto que levou três anos para se tornar realidade. Passados apenas 12 dias, foi anunciado que Les Apothicaires, o restaurante criado pelo casal em 2016, recebera sua primeira estrela no Guia Michelin.

Tabata pensou que o marido estava zoando quando telefonou para avisar que seu restaurante passara a ser uma mesa estrelada Michelin. “Ele teve de repetir dez vezes para me convencer de que era verdade. Chorei, ele chorou, a equipe toda chorou. Foi choradeira de novela mexicana”, conta.

A emoção se justifica pela trajetória da persistente chef, que chegou a cursar três anos e meio de Medicina na UFRJ, até cair a ficha de que seu destino seria outro. “Um professor na faculdade, apaixonado por gastronomia, um dia me disse: ‘A sua empolgação quando fala de comida não é a mesma quando você está nas minhas aulas, tem algum problema aí’”. Ela largou a universidade e foi bater na porta do restaurante Le Pré Catelan, então sob comando do chef Rolan Villard, com quem acabou trabalhando por dois anos e meio. Ao mesmo tempo, estudava na Aliança Francesa e ouvia as músicas do cantor Francis Cabrel, para aperfeiçoar sua pronúncia do idioma. “Escutava o Cabrel na praia de Copacabana, no caminho para o trabalho. E aprendi francês!”, diz, contente com seu método.

O restaurante Les Apothicaires, aberto em 2016.

Em setembro de 2002, aos 24 anos, voou para França atrás de seu maior sonho: prosseguir seu aprendizado no país da gastronomia. Um ano depois, saiu diplomada do Instituto Paul Bocuse, escola internacional nos arredores de Lyon, e onde encontrou seu primeiro marido – do qual se divorciou 11 anos depois. Após um estágio no restaurante Ledoyen, em Paris, passou a trabalhar junto ao chef Nicolas Le Bec, em Lyon, uma “paixão culinária à primeira vista”, mas também um dos períodos “mais duros” de sua vida. “O Le Bec é um gênio na cozinha. E todo gênio, em qualquer profissão, é meio louco. Quando ele estava de bom humor, era o mais adorável e simpático do mundo. Mas nos dias de mau humor, era pior do que o diabo, quebrava pratos na parede, enfim, o estereótipo do chef francês bravo. Mas aprendi para caramba nos quase sete anos em que trabalhamos juntos”, admite. O chef um dia chegou a trancá-la no restaurante após uma disputa. “Pior que é meu amigo até hoje. Depois ele pede desculpas e tudo fica ótimo”, diz ela.

Tabata afirma, no entanto, que a nova geração de chefs não herdou os maus hábitos de seus predecessores: “Melhorou muito a relação hoje em dia. Os novos chefs viram que não podiam mais tratar os funcionários dessa maneira, nem querem impor aos outros os sofrimentos que viveram. É uma geração diferente. Hoje, temos um management cooperativo. É um tratamento com dignidade e reconhecimento”. No seu Food Traboule, food court gastronômico que reúne 12 chefs nos espaços da Torre Rosa, classificada como patrimônio mundial da Unesco, ela emprega dez refugiados e também montou uma estrutura ecológica, desde o uso de produtos de limpeza não químicos até a produção de compostos com as sobras de comida.

Ela assegura não ter sofrido sexismo por ser mulher em um setor ainda predominantemente masculino, mas diz conhecer muitas colegas que tiveram sérios problemas, e afirma que, ainda hoje, se trata de um tema tabu. E cita o exemplo do estrelado chef Yannick Alléno, que em um debate promovido no ano passado pelo World’s 50 Best Restaurants, ao responder a uma questão sobre a igualdade de sexos na gastronomia – os cinco debatedores da mesa eram homens -, disse que “o DNA da mulher é dar à luz”. “Como assim? Sério falar isso em 2020? Tenho vontade de dar porrada nele. E é um dos chefs mais respeitados da França. Ainda há muito progresso a ser feito neste aspecto”, lamenta.

Com o marido Mudovic, parceiro na vida e nas criações culinárias.

Em 2013, um ano após ter alcançando as semifinais do concurso Top Chef, o chef Paul Bocuse a convidou para comandar a cozinha de seu novo restaurante em Lyon, batizado Marguerite. “Fui a primeira mulher a dirigir um restaurante dele. Foi o maior orgulho da minha da vida, até hoje, depois do meu filho”, ressalta. Lá, encontrou Ludovic, então seu subchef, com quem viria a se casar e ter um filho, Antoine, hoje com três anos. “O Ludo é 11 anos, 11 meses e 11 dias mais novo do que eu. E me apaixonei antes pelo profissional do que pelo homem. Ele é um cozinheiro muito talentoso e elaboramos juntos nossos menus”. Em 2015, o casal decidiu fazer uma viagem de experiências culinárias. Foram dois meses no Brasil, junto aos chefs Alex Atala, em São Paulo, e Thiago Castanho, em Belém; e depois mais seis meses em Copenhague, onde ela estagiou no laboratório de fermentação do célebre restaurante dinamarquês Noma. No retorno à Lyon, nasceu o Les Apothicaires.

Fechado durante o período de confinamento durante a pandemia, o restaurante reabriu com uma redução do número de couverts (de 29 para 17) para obedecer as novas regras sanitárias. “Graças à nossa estrela, estamos com dois meses de espera para reserva. Mas mantivemos nossos preços. Devemos ser o restaurante estrelado mais barato de Lyon. Queremos ter uma mesa acessível”. A quarentena provocou novas reflexões no casal: “Chegamos à conclusão que não queremos mais trabalhar 15 horas por dia. Se for necessário, contrataremos mais gente ou fecharemos um dia a mais, mas precisamos, simplesmente, viver”, desabafa.

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