FERNANDO EICHENBERG / REVISTA EXAME
PARIS – Aos 22 anos, o jovem estudante de engenharia francês Bernard Arnault viajou pela primeira vez a Nova York, nas férias de verão do hemisfério Norte. No táxi amarelo que o levou do aeroporto John F. Kennedy até Manhattan, para entabular conversa, perguntou ao motorista se conhecia Georges Pompidou, o presidente da França naquele ano de 1971. O chofer nunca ouvira falar do líder francês, mas de pronto afirmou saber quem era Christian Dior. O breve diálogo lhe soou como uma revelação. Na França, BA – como é chamado por seus colaboradores – formou ao longo dos anos o conglomerado número um do mundo no setor de artigos de luxo, a LVMH, constituído de 75 marcas internacionais, Dior incluída. No mês passado, aos 70 anos, concluiu na Big Apple a aquisição de sua 76ª pepita, a icônica joalheria americana Tiffany, pela qual desembolsou 16,2 bilhões de dólares. A operação, somada ao crescente desempenho de seu grupo empresarial, o propulsou como forte candidato a ocupar o topo do ranking das maiores fortunas do planeta, ameaçando desbancar seus dois principais concorrentes, os americanos Jeff Bezos (Amazon) e Bill Gates (Microsoft).
A excelência não alcançada em duas de suas maiores paixões, o piano – embora ainda se exercite no instrumento nas horas vagas – e o tênis – mesmo já tendo trocado bolas com seu amigo Roger Federer -, acabou obtida no âmbito profissional. “O que gosto é ganhar, ser número um. Há a excitação daquele momento em que você está prestes a fechar um enorme negócio e não sabe se dará certo ou não”, confessou em 2015, em uma entrevista ao jornal britânico The Telegraph. Em tempo: para satisfazer sua terceira paixão, as artes, edificou em 2014, no Bois de Boulogne, em Paris, a Fundação Louis Vuitton, uma gigantesca nave de formas projetadas pelo arquiteto Frank Gehry, em um investimento estimado em cerca de 800 milhões de euros.
Em 2018, A LVMH registrou um novo recorde de faturamento em vendas: 46,8 bilhões de euros. Neste ano, a valorização acionária do grupo chegou a 61,42%. Para Isabelle Chaboud, diretora do Master
Exemplos não faltam, segundo ela, para atestar a tese da aliança de uma marca histórica com um nome de vanguarda para insuflar um espírito modernizador e também atrair um público jovem de millenials e da Geração Z. Vide as nomeações do americano Virgil Abloh, estilista da grife Off-White, como diretor artístico do vestuário masculino da Louis Vuitton, do francês Heidi Slimane para a criação de Céline e, na Dior, da italiana Maria Grazia Chiuri, primeira mulher a ocupar o posto desde o surgimento da marca, em 1946. Sem falar na parceria firmada este ano com a estrela internacional Rihanna, para lançar sua própria marca de moda, a Fenty Paris, dentro da LVMH, em uma estratégia dos grandes grupos para bloquear a entrada no mercado de novos criadores independentes.
Chaboud destaca ainda o esforço do grupo em investir nas diferentes fases de produção, nas butiques e no segmento online. “As lojas físicas serão sempre importantes. Os turistas chineses adoram comprar nas butiques da avenida de Champs-Élysées. Em março, será reinaugurada a Samaritaine (em obras desde 2005). Mas, embora não se tenham dados oficiais, se pode deduzir a partir de diversos estudos que, hoje, entre 15% a 20% do faturamento do grupo se faz online. Houve também um forte investimento na vinda de Ian Rogers (ex-Apple) como novo diretor digital de LVMH. Há políticas precisas para o Instagram. E Louis Vuitton foi uma das primeiras marcas a transmitir um desfile no Facebook”.
Jean-Noël Kapferer, diretor de pesquisas na INSEEC School of Business & Economics e autor do livro A estratégia do luxo, define Bernard Arnault como um gênio que convenceu o mundo de que o luxo é um “ato de moda”, impulsionando a renovação da venda de objetos duráveis. Segundo ele, Arnault compreendeu que “big is beautiful”. “Os custos hoje são desmesurados. O paradoxo é que o storytelling do luxo diz que é preciso permanecer pequeno, amar os artesãos etc, mas a realidade é o ‘big is beatiful’. E LVMH é o grupo ideal para responder à demanda asiática, que representa 80% do crescimento do mercado de luxo no mundo. O essencial são os novos clientes. Não são os que passam de três a quatro Ferraris, mas aqueles que compram sua primeira Ferrari”, diz. Na sua definição, Arnault não é um “puro gestor de fundos”, mas um “financeiro com um senso agudo do qualitativo”: “Para transformar Louis Vuitton de um artesanato de malas e de couro em uma marca de moda é preciso ser visionário”.
Segundo a LVMH, a rentabilidade da Bulgari foi multiplicada por cinco desde que foi integrada ao grupo, em 2011. A expectativa é de que, com a aquisição da Tiffany, os atuais 9% de participação do segmento de relógios e joalheria no total de vendas do grupo – 4,1 bilhões de euros – cheguem a 15%. O faturamento da Tiffany fechou em 4,4 bilhões de dólares em 2018. O objetivo é superar a suíça Richemont, hoje líder no setor.
Para Kapferer, a compra da Tiffany exerce também um papel importante no reequilíbrio geográfico do grupo: “A Tiffany é forte nos Estados Unidos, é uma forma de contrabalancear a influência do mercado chinês. Mas além do crescimento externo, por meio de aquisições, a LVMH tem como progredir seu crescimento orgânico. Pode elevar marcas que estão em 2 ou 3 bilhões de euros para 4 ou 5 bilhões”.
Nas previsões do estudo realizado pelos analistas da Bain & Company, o mercado do luxo deverá crescer uma média de 3% a 5% ao ano até 2025, atingindo um valor entre 320 bilhões e 365 bilhões de euros. Recentemente, Bernard Arnault, cuja fortuna provém em sua maior parte dos 47,16% de ações que detém de LVMH, chegou a figurar por algumas horas no alto do pódio na classificação dos mais ricos do mundo. “Não é todo o dinheiro que tenho na minha conta, mas o valor das ações do grupo. Se as ações sobem, sobe, se baixam, baixa. Voilà”, relativizou o interessado.
Sua trajetória é, certamente, repleta de cifras, mas também de simbologias. Em uma cena cult do célebre filme Bonequinha de luxo (Breakfast at Tiffany’s), de 1961, a atriz Audrey Hepburn, exuberante em um vestido preto Givenchy, admira a vitrine da mítica loja Tiffany da 5ª Avenida de Nova York. Hoje, tanto a grife de alta-costura como a marca da caixa azul brilham na constelação de Bernard Arnault.