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Macron: um líder europeu à procura de liderados

Macron ao receber o Prêmio Charlemagne por seu “entusiasmo contagiante” pelo fortalecimento da UE: faltam parceiros. © Ludovic Marín/AFP

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – O presidente francês Emmanuel Macron se elegeu em 2017 como um ardente defensor da Europa, arauto de um ambicioso projeto de reformas nas políticas e instituições do continente. Após um ano no poder, no entanto, sua declarada pretensão de comandar uma refundação da União Europeia (UE) teima em conquistar adeptos, deixando-o na desconfortável situação de um solitário líder em meio à oposição de correntes nacionalistas, à desconfiança de eurocéticos e, principalmente, à resistência da Alemanha em endossar mudanças na zona euro. Hoje, um de seus principais aliados para motivar a reaproximação dos membros da UE seriam os Estados Unidos, por conta das importantes divergências geopolíticas e comerciais europeias com o presidente Donald Trump, cada vez menos inclinado ao diálogo transatlântico.

Em sua cruzada europeia, Macron fez, desde sua posse, cerca de trinta viagens pelo continente e pronunciou quatro importantes discursos detalhando seu projeto de reconstrução da UE – em Atenas, na Universidade Sorbonne, em Estrasburgo e em Aix-la-Chapelle. Mas não foi o suficiente para relançar o processo de reformas com o ímpeto desejado. Para o ex-diplomata Michel Duclos, conselheiro especial em geopolítica do Instituto Montaigne, o líder francês não foi beneficiado pelo “momentum” no período logo após sua eleição, quando a chanceler alemã Angela Merkel se viu politicamente enfraquecida na formação de um novo governo em Berlim, menos entusiasta em relação à Europa do que o esperado.

– As suas dificuldades começaram aí. Essa é a grande decepção de Macron: tem um parceiro alemão bem menos aberto do que esperava, e que aparenta se encerrar em si mesmo. E isso deve perdurar por algum tempo. Mas nem tudo está perdido. Há um novo momentum que se pode criar a partir do choque psicológico que representa a decisão de Donald Trump de sair do acordo nuclear iraniano. Existe, hoje, um maior consenso em relação à ideia de que não somente é preciso resistir à Trump, que passou do unilateralismo ao imperialismo (ao ameaçar empresas europeias com negócios no Irã com sanções), mas também corrigir a ausência ou o déficit de soberania econômica da Europa.

Segundo ele, Macron, entretanto, ainda não encontrou a liguagem adequada para ser ouvido pelos eurocéticos do continente, presentes na grande maioria dos países, seja à margem ou de forma mais importante:

– O tema da Europa que se protege é insuficiente. Ele tem razão em falar de soberania europeia, mas é uma mensagem difícil de passar em países para os quais o que conta é a soberania nacional recentemente reconquistada, como na Hungria, na Polônia ou na República Checa.

A historiadora franco-alemã Birte Wassenberg, especialista em relações internacionais do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Estrasburgo, não se surpreende que as propostas supranacionais de Macron relativas à zona euro, sobre um orçamento comum ou a partilha da dívida, sejam recebidas com reticência por países da UE, Alemanha em primeiro lugar.

– É normal no processo de construção europeia, a cada vez que foram sugeridas proposições como essas, de tipo orçamentária ou fiscais, não houve entusiasmo por parte de Estados. E a verdadeira questão é a Alemanha, que, hoje, hesita, porque isso atinge sua supremacia econômica. Quando se acredita numa Europa federal, faz sentido o que é proposto por Macron. Já os alemães reagem em função de seus interesses nacionais, o que de uma certa forma também é legítimo.

Segundo ela, entre Macron e Merkel há também uma diferença de grau e de estilo no confronto com Trump.

– Nos conflitos, a França nunca vacilou em dizer o que pensa e em intervir. Já os alemães, sobretudo os democrata-cristãos, como Merkel, sempre foram mais atlantistas. Eles são mais prudentes, não anunciam que não serão vassalos dos EUA. A principal aliança militar é a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e quem dirige a organização são os americanos. E não se pode esquecer que Berlim têm muitos problemas econômicos e de tributações com Trump, o que é difícil para a indústria alemã, e por isso também há mais cautela.

Criticado em seu próprio país por adotar uma governança “jupiteriana”, num poder marcado pela verticalidade de decisões, Macron tem sido repreendido também em nível europeu por um apressamento e escassez de diálogo. Para Yves Bertoncini, presidente do Movimento Europeu-França, existe um risco quando o presidente francês mira para o alto e observa o céu geopolítico:

– Se ele olhar para o espaço celeste e se comportar como um navegador, sua iniciativa poderá funcionar. O risco é que se enxergue como um planeta. Na França, ele é um monarca republicano, o presidente francês acumula quase todos os poderes. Por vezes, ele é um pouco imperial. Mas na Europa não funciona assim, é preciso ser bem mais horizontal. Mesmo que França e Alemanha pesem mais por sua importância econômica e sua tradição diplomática, a forma deve ser ajustada.

Na sua análise, Macron também vive uma perigosa solitude no plano eleitoral no continente, já que seu movimento República em Marcha (LREM, na sigla em francês) – que sacudiu o sistema partidário francês no pleito de 2017 ao fragilizar as forças de direita e esquerda tradicionais -, não está filiado a nenhum grupo no Parlamento Europeu. Nas eleições europeias de maio de 2019, o presidente francês já deu sinais de projetar um big bang semelhante ao terremoto partidário provocado por sua vitória na disputa pelo Palácio do Eliseu.

– Mas ele tem opositores, principalmente o Partido Popular Europeu (PPE), grupo de Angela Merkel, que não vê com bons olhos a chegada deste perturbador. Neste caso, será desafiado por forças mais importantes, o que lhe complica a tarefa.

Macron pensava fazer um sprint, mas terá de correr uma maratona para tentar alcançar a reconstrução europeia, diz Bertoncini. O líder francês se via como um arquiteto visionário da UE, acrescenta ele, mas terá, no momento, de se contentar com o papel de bombeiro, apagando incêndios da crise da zona euro, dos refugiados ou dos governos nacionalistas europeus, caso da recente coalizão populista formada na Itália. Mas, segundo ele, uma discussão mais profunda paira numa Europa ameçada pelo aquecimento climático, a crise iraniana e os impulsos de Trump ou a hostilidade da Rússia de Vladimir Putin.

– Existem ameaças, e já que não há uma resposta transatlântica automática, é preciso uma reação europeia. Vamos voltar a um debate que já existia na guerra do Iraque, que dividiu os europeus. A OTAN é a segurança militar, mas por trás havia valores ocidentais comuns. Na Guerra Fria, havia o Ocidente contra soviéticos. Hoje, se não há mais esta aliança transatlântica que encarna valores e interesses comuns, o que resta? A Europa.

Face a atual necessidade de união, o resultado possível poderá ser, segundo ele, uma UE de “geometria variável”:

– Certos temas, como as mudanças climáticas, devem ser tratados no conjunto da UE. Mas questões como segurança coletiva e de cooperação em inteligência, por exemplo, poderão ser acertadas por um número menor de Estados. Para se criar um avião de caça europeu, azar se é feito com apenas 12 países. Isso permitirá, talvez, conciliar a unidade na diversidade. Mas a geometria variável não pode se tornar um programa. O discurso deve ser dirigido a todos, e Macron erra ao anunciar que avançará mesmo sem aqueles que não queiram segui-lo. Isso irrita os demais membros, principalmente os alemães.

Para Manuel Lafont Rapnouil, diretor do European Council on Foreign Relations de Paris, o centro da discórdia entre franceses e alemães está no debate entre a prioridade à solidariedade econômica ou à redução dos riscos orçamentários e das dívidas.

– A tendência da França é mostrar que é preciso mais solidariedade, senão as consequências políticas serão graves, como ocorreu agora na Itália. Mas os países do norte da Europa pensam o contrário: o que se passa na Itália, hoje, é a prova de que aplicar solidariedade sem uma rigorosa redução dos riscos pode gerar situações indesejáveis.

Já para o analista Sylvain Kahn, autor de “História da construção europeia desde 1945”, colocar em primeiro lugar sobre a mesa a reforma da governança econômica nunca funcionou nas negociações na UE. Na sua opinião, a estratégia de Macron pode ser avaliada em três opções:

– Ou ele se iludiu, imaginando que os alemães concordariam com um orçamento europeu. Ou sabia que eles não aprovariam, mas, como diz o provérbio, “Quem não ousa, nada obtém”. Ou tinha certeza do fracasso, mas quis endereçar uma mensagem aos eleitores e à opinião pública francesa: “Eu tentei”. Pode ser também uma mistura destas três alternativas.

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