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Hénin-Beaumont: cidade do norte da frança se tornou reduto da extrema direita

Moradores de Hénin-Beaumont, antigo centro de mineração no Norte da França, falam das razões do seu voto e o que pensam da política nacional. ©Fotos de Fernando Eichenberg

FERNANDO EICHENBEG / O GLOBO

HÉNIN-BEAUMONT, FRANÇA – Nas eleições municipais de 2014, Hénin-Beaumont ganhou notoriedade ao se tornar a primeira cidade da França em que o partido de extrema direita Frente Nacional, hoje rebatizado de Reunião Nacional (RN), se apoderou de uma prefeitura já no primeiro turno. No pleito deste ano, o prefeito Steeve Briois repetiu o feito: se reelegeu com 74,2% dos votos na primeira rodada das urnas, superando seu escore anterior de 50,2%. Situado na região Nord-Pas-de-Calais, no norte do país, o município, ex-centro de mineração atingido pela desindustrialização e antigo bastião da esquerda, se converteu em reduto da direita radical e uma das 14 prefeituras conquistadas pelo RN em 2020. Não foi uma surpresa, portanto, o resultado das urnas em Hénin-Beaumont nas eleições presidenciais de 2017, com ampla vitória de Marine Le Pen (RN), por 66,1% a 38,4%, contra Emmanuel Macron, o vencedor em nível nacional.

Autora do livro “Notícias do front, a vida sob a Frente Nacional” e eleita na coalizão ecologista como uma das quatro vozes de oposição na Câmara de Vereadores da cidade, Marine Tondelier reconhece a derrota municipal, mas não acredita em uma vitória de Marine Le Pen no pleito presidencial de 2022:

– Alguns votam nela porque estão contrariados com a política atual. Outros, porque estão de acordo com seu programa. Mas vimos no segundo turno de 2017, se pensava que estava a um degrau do poder, e tropeçou feio. Há um limite que ela não consegue ultrapassar. A maioria das pessoas não consegue vê-la dirigindo este país. Ela não é credível nas questões econômicas. É uma candidata que deve ser levada em consideração, mas não creio na faísca que fará que com que tenha um desempenho muito melhor na próxima eleição.

Marine Tondelier, uma das raras vozes da oposição eleita na Câmera de Verradores.

Tondelier lamenta a divisão das forças de esquerda no cenário atual, o que reduz as chances de um candidato originado de seu campo político alcançar o segundo turno da eleição presidencial. Mas aponta divergências importantes no seio mesmo do RN.

– Há aqueles que querem restabelecer a pena de morte e os que são contra; os que são a favor e contra o aborto, os que desejam sair da União Europeia e os que querem permanecer. As diferenças são enormes, inclusive entre os eleitores. Aqui no Nord-Pas-de-Calais, eleitores, entre os quais muitos imigrantes, estavam convencidos de que se votassem no RN suas vidas seriam melhores. No Sul da França, um eleitorado mais racista, de senhoras afortunadas com seus cachorrinhos, diz que é preciso expulsar os árabes porque o país vai mal por culpa deles. E todas estas pessoas votam pela mesma candidata, Marine Le Pen.

Em dois dias da semana, os moradores de Hénin-Beaumont e de seus arredores percorrem o mercado público da cidade, que se estende da Place de la République por vias adjacentes. Enquanto atende aos clientes em seu estande de pâtisserie, Catherine, 58 anos, diz não ser refratária à ideia de Marine Le Pen no poder.

Catherine contacom Marine Le Pen para controlar a imigração no país.

– Temos todos algo de bom em nós, é preciso destacar o lado positivo. Não penso que, se ela for eleita, seja algo ruim para França. Ela não fechará as fronteiras, mas certamente irá reduzir o fluxo de imigrantes,algo que é preciso reequilibrar.

Um pouco mais adiante, Jamel, 45, garante que o prefeito Steeve Briois prometeu lhe ajudar a financiar seu novo restaurante, e afirma sua preferência pelo RN em nível nacional:

– Votarei em Marine Le Pen, ela transformará este país em cinco anos. Estamos em uma país democrático, vamos tentar algo novo, é simples. Pago impostos, mas aqueles que têm dinheiro no exterior não o fazem. Eu pago por eles. Eles vivem bem, eu, não. Marine Le Pen não vai cortar a cabeça das pessoas. Tenho estima por ela.

Nathalie, 50, vende queijos no mercado da cidade. Ela ajudou a eleger o atual prefeito de Hénin-Beaumont, e votará em Marine Le Pen em 2022.

– Macron foi uma catástrofe nesta pandemia, mentiu, não soube gerir a crise sanitária. Veja a situação de nossos hospitais. É hora de uma mudança – defende.

Jean-Michel, 67, aposentado, se sente incomodado, sobretudo, pelo sentimento de insegurança e a impunidade, e também é crítico em relação à imigração no país, razões pelas quais declara seu voto na candidata da direita radical.

– Quando há pessoas que agem de forma incorreta e são deixadas tranquilas, algo está mal. Há muita impunidade. E também falta de respeito pela França. Acolhemos milhões de pessoas, e quando elas começam a limpar os pés no país, algo não está certo. Se for morar no Brasil, viverei como seus habitantes, porque sou um convidado e não tenho de me impor. Respeitarei as leis brasileiras, as pessoas e a nação que me acolhem. É uma questão de educação. É como se você convidar alguém para jantar em sua casa, ele coloca os pés sobre a mesa, diz que não gosta da comida que será servida e manda você cozinhar outra coisa. Marine Le Pen diz que mudará isso.

Na sua opinião, sua candidata “tem chances de passar “em 2022:

– Os políticos entenderam, pois mesmo Macron mudou seu discurso, e agora fala em lutar contra o separatismo islamista no país. Nosso sistema de saúde está com um déficit de dezenas de bilhões de euros, e não é por culpa dos franceses. As pessoas chegam na França e têm direito a tudo. Há uma transferência do orçamento social. Se ser contra isso é ser extremista, então sou – assume.

Philippe é contra os extremos, mas poderá votar em Le Pen apenas no primeiro turno só como protesto

Há também vozes contrárias na cidade. Philippe, 58, comerciante, afirma nunca votar em candidatos extremistas, mas admite optar por Marine Le Pen no primeiro turno para mostrar seu descontentamento com a política em geral.

– Não quero que ela seja presidente. O prefeito daqui é tranquilo, mas isso é no nível local, em escala nacional é outra coisa. Mas, talvez, possa votar nela no primeiro turno, só para sacudir as coisas, em uma tentativa para que as pessoas enxerguem que algo está errado neste país, que estamos descontentes.

Mohammed diz que votará em qualquer nome para barra a candidata da extrema direita.

Já Mohammed, 52, vendedor no mercado, não acredita que vitória municipal do RN poderá um dia se repetir em âmbito nacional.

– Aqui em Hénin-Beaumont é um eleitorado popular. São os pobres que votam nela. Aqui são racistas. Antes, as pessoas escondiam que votavam na extrema direita, e hoje se tornou algo normal. Mas Marine Le Pen não passará nunca. Voto em qualquer outro candidato para não deixar que ganhe.

Para Fiametta Venner, diretora do Centro de Estudos, de Documentação e de Pesquisas Sobre os Radicalismos (CEDRE), Marine Le Pen não conseguiu surfar na onda da pandemia, mas resta uma candidata na corrida presidencial:

– As eleições regionais de março de 2021 serão um primeiro teste para ela, e se poderá ter uma ideia melhor do apoio que possui hoje. Marine le Pen procura suavizar sua imagem, mas, à força de transformá-la, corre o risco de se privar do eleitorado de extrema direita fundamentalmente antigaullista. Não há certeza de que seja uma aposta vencedora.

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