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Emma Lavigne, curadora da 14ª Bienal de Arte Contemporânea de Lyon

A biosfera em fogo, cúpula geodésica do americano Richard Buckminster Fuller. ©Archives de la Ville de Montréal

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – Matinal, Emma Lavigne desperta diariamente por volta das 4h. As preciosas horas de seus dias têm sido dedicadas ultimamente aos preparativos da Bienal de Arte Contemporânea de Lyon, que ocorre de 20 de setembro próximo a 7 de janeiro de 2018. A historiadora da arte e diretora do Centro Pompidou-Metz é a curadora da edição deste ano do reputado evento internacional, com a exposição de obras de mais de 60 artistas dos cinco continentes. O Brasil estará representado por Cildo Meireles, Ernesto Neto, Rivane Neuenschwander e Lygia Pape (1927-2004). Lavigne cita ainda o catalão Daniel Steegmann Mangrané e a italiana Anna Maria Maiolino como artistas “praticamente brasileiros”, por viverem e criarem no país.

Emma Lavigne ©Arnaud Bantquin

A Bienal 2017 terá como tema “Mundos flutuantes”, em torno do conceito de “moderno”, numa assumida inspiração de Charles Baudelaire: “O moderno é o transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte cuja outra metade é o eterno e o imóvel”, escreveu o célebre poeta francês do século XIX. “Me interessa este estado da modernidade atual, de um mundo flutuante, no sentido da falta de estabilidade, de uma aceleração de fluxos, de trocas, de viagens, da busca de intensidade permanente”, explica Lavigne.

Lygia Pape: performance no MAM, no RJ, em 1990. ©Paula Pape ©Projeto Lygia Pape

A ideia de incluir Lygia Pape na seleção de Lyon entra nesta perspectiva, segundo a curadora: “Mostro suas obras mais recentes, do final de sua vida, que nunca foram apresentadas na França. Quando ela faz “O ovo”, quebra com a estrutura branca da escultura europeia, e de repente há uma erupção de novas sensações. Estamos num estado do mundo complexo. Zygmunt Bauman fala de modernidade líquida. A circulação de coisas é tão exacerbada, mas penso que neste estado de incertezas há muita poesia, e estas aberturas de formas podem se recombinar, dialogar, gerar um outro imaginário”.

O diálogo reivindicado ocorrerá também na exibição do carioca Ernesto Neto, com a obra “From Sebastian to Olivia”, apresentada na seção “Arquipélago da sensação”. “Neto vai reativar para a Bienal este trabalho, que foi exposto apenas duas vezes. É uma obra bastante abstrata, que atua em todos os níveis da percepção, e que vai dialogar com obras-primas da arte moderna que o marcaram, principalmente as formas de Hans Arp (1886-1966)”, diz Lavigne.

Babel, de Cildo Meireles. ©Agomstino Oslo ©Cildo Meireles

Cildo Meireles estará na Bienal com sua emblemática criação “Babel”, uma torre circular de cinco metros de altura formada por cerca de 900 aparelhos de rádio, na seção “Oceano de sons”: “Era muito importante para mim ter esta obra de Cildo Meireles, totalmente aberta e que vive de diversas formas, em função da atualidade imediata, e mais a confusão de línguas. Haverá obras bastante políticas como essa, e outras mais meditativas, como a do americano Doug Aitken (presente com “Sonic Fountain”, em que microfones reproduzem ao vivo o som de gotas d’água de nove torneiras sobre um poço de água leitosa)”.

Watchword, Rivane Neuenschwander. ©Eduardo Ortega

Rivane Neuenschwander foi selecionada para a seção “Fluxo e refluxo”, em torno da palavra como obra de arte imediata e que será aberta pelo filme “La Pluie (projet pour un texte)”, do belga Marcel Broodthaers, sobre a tentativa de escrita de um texto instantaneamente apagado pela chuva. A obra da brasileira, “Watchword”, extrai do contexto palavras usadas em diferentes manifestações de rua. “Ela começou o trabalho no Brasil, nas manifestações contra a corrupção, e continua agora na França, tanto com palavras de Maio de 68 como dos protestos da “Nuit Debout”. As palavras são bordadas em etiquetas de roupas, e as pessoas podem recompô-las nos espaços da exposição ou em suas próprias vestes, dando-lhes outros sentidos. É um trabalho sobre a linguagem, e a ideia é mostrar que o estado poético do mundo pode ser ativado por qualquer pessoa. Haverá ainda obras de Laurie Anderson ou de Ján Mancuska, em que as palavras circulam nos espaços da exposição”.

Os “mundos flutuantes” de Emma Lavigne serão visíveis em seis seções temáticas – além das três já citadas, “Circulação infinita”, “Corpos elétricos” e “Cosmogonias interiores” – distribuídas em três espaços da cidade de Lyon: o Museu de Arte Contemporânea, a Sucrière (antiga usina de açúcar convertida em local de eventos artísticos) e a cúpula geodésica do americano Richard Buckminster Fueller (1895-1983), símbolo da arquitetura futurista, que acolherá a piscina sonora “clinamen v2”, do francês Céleste Boursier-Mougenot. “Haverá esses três lugares, mas com diversas opções de caminhos de visitação. Não são verdadeiramente seções, mas tonalidades, fios condutores que permitem adentrar no trabalho dos artistas”, nota a curadora.

Obra do francês Céleste Boursier-Mougenot. ©Isabella Matheus ©Céleste Boursier-Mougenot

A fachada da Sucrèrie será coberta de carimbos de passaporte com a inscrição “Forever immigrant”, na aparência de uma nuvem se avistada de longe, numa criação do artista português Marco Godinho sobre o estado de permanente nomadismo no mundo. Na dança, haverá a jovem coreógrafa polonesa Ola Maciejewska, com uma reinterpretação das criações da americana Loïe Fuller (1862-1928). A música terá os americanos David Tudor e Ari Benjamin Meyers, e o cinema, filmes do tailandês Apichatpong Weerasethakul, do francês Melik Ohanian ou do americano Bruce Connor (1933-2008). “O artista tailandês Pratchaya Phintong vai apresentar “Ephemeral Cinema”: um pequeno veículo elétrico transformado em cabine de projeção móvel circulará pela Bienal, e num certo momento vai, inclusive, adentrar no espaço da cidade. É um tipo de cinema ambulante”.

Projeto para a fachada da Sucrière, do português Marco Godinho…
... de nuvens formadas pelos carimbos “forever immigrant”.

Além das obras contemporâneas, muitas delas concebidas para a exposição – caso da japonesa Yuko Mohri, do colombiano Icaro Zorbar ou do francês Julien Creuzet -, a Bienal promoverá o contraste com artistas importantes do século XX, como o americano Alexander Calder (1898-1976) e o argentino Lucio Fontana (1899-1968): “Teremos duas obras sublimes de Fontana, que atuou como deflagrador para o trabalho de outros artistas. É importante que o público compreenda que há obras assim que geram outras criações performáticas. A britânica Elisabeth S. Clark fará, para a abertura, pequenas velas de aniversário, de centenas de metros de comprimento, e todo o prédio terá esta chama de intensidade que vai crepitar no espírito do projeto”, resume Lavigne.

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