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Chico Buarque afirma que PT cometeu muitos erros no governo, mas alerta para a ameaça à democracia com a possível eleição de Bolsonaro à presidência

FERNANDO EICHENBERG

PARIS – Chico Buarque concedeu recentemente em Paris uma entrevista ao canal M6 da TV francesa sobre o embate político no Brasil às vésperas do segundo turno da eleição presidencial. A reportagem, exibida no telejornal da emissora ontem à noite, revelou apenas alguns segundos do total de 25 minutos da conversa do compositor e escritor com a emissora francesa. Aqui a quase íntegra da entrevista.

O DISCURSO DE BOLSONARO

“Bolsonaro é um fascista. Todos seus discursos e pronunciamentos, desde o início de seu tempo de deputado, são próximos do fascismo, para não dizer do nazismo. Ele prega o extermínio dos comunistas, a perseguição aos homossexuais, feministas, índios, quilombolas. Ele é uma ameaça também para as florestas. É aliado das igrejas neopentecostais mais fundamentalistas, dos parlamentares favoráveis ao porte de armas. O problema da violência é muito forte em todo o país, devido à miséria, ao desemprego e também ao combate entre a polícia e os traficantes. Um traficante morto é substituído por outro no dia seguinte, e o tráfico continua, porque a política de repressão às drogas não funciona. Há os conflitos entre a polícia e os traficantes, e no meio inocentes que são mortos. Se quer liberar as armas a pessoas que estão enraivecidas por diferentes razões. E pode-se imaginar que a polícia terá autorização para atirar mais, para matar mais do que já o faz hoje. Esse é o programa de Bolsonaro. E, além das ofensas nas redes sociais, já se começa a ver muito fortemente nas ruas agressões físicas. Se ele ganhar a eleição, haverá o ódio dos vencedores, que serão mais agressivos do que nunca.”

O VOTO EM BOLSONARO E OS ERROS DO PT

“O sucesso de Bolsonaro se explica por várias razões. Pelo desespero das pessoas, a miséria, a violência, e também pela campanha que vem desde a última eleição, vencida pela esquerda, em um resultado não aceito pela direita. E começou uma campanha anti-PT. A presidente eleita foi destituída, sem razões fortes o suficiente, e Lula foi preso. Até o primeiro turno da eleição, se tinha a esperança de que Lula seria liberado, considerando que seu processo judicial foi bastante duvidoso, e que os juízes que o condenarem não foram imparciais. Hoje, o país está dividido entre os que apoiam e se opõem a Bolsonaro, e entre os pró-Lula e os anti-Lula. O movimento anti-Lula é muito forte, o que fortalece a candidatura de Bolsonaro. Se argumentou que havia muita corrupção nos governos do PT, o que é verdade. Havia corrupção, como havia antes e há ainda hoje. Não se pode dizer que era uma exclusividade do PT. O PT cometeu erros em demasia no governo, e se tornou um partido como os outros – como dizem os outros -, com pessoas corrompidas. Mas conheço Lula há mais de 40 anos, e pessoalmente creio em sua honra. Em todo caso, a campanha funcionou. Se diz que a corrupção é culpa do Lula e do PT, e que tudo o que ocorre de ruim no Brasil é culpa da corrupção, portanto, é culpa do Lula. O desemprego, os problemas na saúde e na educação, é tudo culpa do Lula. E o PT se tornou a causa de todos os males. A corrupção é grave e deve ser combatida, mas não é a causa de todos os problemas do Brasil. Isso lembra um pouco a Alemanha dos anos 1930. Hoje, os petistas no Brasil são considerados como eram vistos os judeus na Alemanha. A culpa por todos os males da Alemanha, o desemprego, a inflação, era atribuída aos judeus. Pode-se fazer esta analogia sem dificuldade.”

A POLÍTICA DE BOLSONARO

“Se Bolsonaro for eleito, talvez, num primeiro momento, tentará se mostrar menos selvagem e mais civilizado. Temo que sua política não ajudará os mais desfavorecidos. E temo muito um aumento de atos violência. Ele vai dizer que não é culpa dele, que são milícias independentes, e que não se pode controlar todas essas pessoas. A luta nesta eleição foi muito desigual pela propagação de fake news por parte da campanha de Bolsonaro. Foi uma luta inglória. Eles têm todo o know-how do marketing que elegeu Donald Trump. Steve Bannon (ex-estrategista-chefe do governo Trump e mentor da retórica nacionalista que ajudou a eleger o presidente americano) se encontrou com o filho de Bolsonaro. E era preciso responder a cada fake news, que se sucediam sem parar. E quando Bolsonaro faz a defesa da tortura, as pessoas dizem: “Ele está brincando, não é sério, ele é assim, na verdade é um homem crente, pai de família, um homem justo”. E funciona.”

RISCO PARA A DEMOCRACIA

“Não pertenço ao PT, mas apoio Fernando Haddad. Hoje, não sou um apoiante do PT, mas da democracia, que está ameaçada no Brasil. E é um problema que diz respeito a todo continente. Não foi por acaso que, nos anos 1960-70, tivemos ditaduras militares no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai… E começou no Brasil. Com a eleição de um fascista no Brasil, é todo o continente que se aproxima desta via autoritária. E mesmo na Europa esta onda cresce, a extrema-direita se fortalece por todo o lado. Há um real risco para a democracia, sem nenhuma dúvida. Há uma urgência absoluta, temos uma chance para evitar o fascismo.”

HADDAD

“Haddad é um homem íntegro, honesto, um professor, e talvez polido e cultivado demais para estes tempos no Brasil. Tenho ainda uma esperança de que as pessoas tomem uma posição, não pela esquerda, mas… Estou pronto a renunciar a tudo que já disse, a todas minhas convicções, para dizer “Vamos pela democracia”, sejam as pessoas de direita, de centro ou de esquerda.”

CRÍTICAS

“Tenho sido muito criticado. É normal. Estou aqui para dar minha opinião, e sou criticável. Mas alguns dizem: “Ele é apenas um artista, não é um político” ou “Ele é um burguês, não pode falar pelo povo, porque é rico”. Isso é velho, conheço isso desde os anos da ditadura.”

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