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Macron isolado no boicote ao Mercosul

Os dirigentes do G7 em sua primeira reunião de trabalho, em Biarritz. ©G7/Pool

FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO

PARIS – O presidente da França, Emmanuel Macron, assumiu publicamente um desafio no dia de abertura do encontro do grupo de países ricos do G7 (Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá): prometeu “medidas concretas” ao final das discussões de polêmicos temas que serão abordados pelos grandes líderes presentes no balneário de Biarritz. As queimadas na Amazônia, introduzidas de última hora no cardápio da cúpula, é um dos principais pontos no visor presidencial francês.

A aposta do anfitrião enfrentará, no entanto, um G7 dividido, em uma reunião reputada por não resultar em ações decisivas. O presidente americano, Donald Trump, é conhecido por seu pouco apreço à causa ecológica. Berlim, Londres já se manifestaram contra colocar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) na disputa ambiental com o governo brasileiro, um discurso também partilhado por Madri.

Macron fez um pronunciamento ontem aos franceses, pela televisão, e impôs a questão do meio ambiente e da urgência climática no centro dos debates em Biarritz:

– Nesta questão, vocês sabem de nossas discordâncias com certos países, particularmente com os EUA. Mas quis que este G7 seja útil e, portanto, devemos responder ao apelo do oceano que está atrás de mim, aqui em Biarritz, e ao chamado da floresta que queima atualmente na Amazônia, de uma forma muito concreta.

O presidente definiu a questão amazônica como um tema de todos, sem esquecer de lembrar a especificidade francesa por causa da extensa fronteira da Guiana com o Brasil. “Nós somos amazônicos”, afirmou.

– Sobre a Amazônia, vamos lançar não somente um apelo, mas uma mobilização de todas as potências que estão aqui, mas em associação com os países da Amazônia, para investir. Primeiro, para combater os fogos em curso e ajudar o Brasil e todos os demais países atingidos. Depois, para investir na reflorestação por todo, e para permitir aos povos autóctones, às ONGs, aos habitantes desenvolver as boas atividades, preservando esta floresta que necessitamos, porque é um tesouro de biodiversidade e um tesouro para nosso clima, graças ao oxigênio que emite e ao carbono que absorve.

Impasse sobre Mercosul

Como instrumento de pressão, Macron recorreu ao pacto comercial entre o Mercosul e a UE, assinado em junho após duas décadas de negociações: se o governo brasileiro não respeitar as exigências do Acordo de Paris sobre clima, a França não ratificará o acordo. A iniciativa francesa recebeu o apoio de países de menor peso político, como a Irlanda e a Finlândia, mas foi acolhida com reservas pela Alemanha da chanceler Angela Merkel e o Reino Unido do premier Boris Johnson. Berlim se alinhou às críticas contra a atitude do governo brasileiro em relação à Amazônia e ao meio ambiente, mas afirmou que impedir o acordo UE-Mercosul “não é a resposta apropriada ao que se passa atualmente no Brasil”, segundo disse o porta-voz do governo. Com uma queda de 0,1% da economia no segundo trimestre, e dependente em grande parte de suas exportações, os alemães defendem o acordo como “um sinal forte a favor de um comércio fundado sobre regras e contra o protecionismo”, com “normas ambientais e sociais elevadas”, e consideram que um eventual fracasso de sua conclusão “não contribuiria a reduzir o desmatamento da floresta tropical no Brasil”. Recém-desembarcado em Biarritz, o primeiro-ministro Boris Johnson adotou um tom similar, aproveitando para alfinetar o líder francês:

– Há todo tipo de pessoas que utilizará qualquer desculpa para interferir no comércio e frustrar os acordos comerciais, e não quero ver isso.

O governo espanhol aderiu ao grupo dos contrários ao rejeitar a obstrução do acordo UE-Mercosul, dizendo-se, inclusive, como um dos países que mais se esforçou pela conclusão do pacto em sua fase final. “Consideramos que é justamente aplicando as cláusulas ambientais do acordo que se poderá mais avançar, e não propondo um bloqueio de sua ratificação que isolaria os países do Mercosul”, disse Madri por meio de um comunicado.

Já o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, também presente em Biarritz, disse não acreditar que o pacto entre o Mercosul e a UE possa avançar enquanto a Amazônia continuar ardendo:

– É claro que apoiamos o acordo entre a UE e o Mercosul, mas é difícil imaginar um processo de ratificação enquanto o governo brasileiro permite a destruição da Amazônia.

“Se ele ligar, eu atendo”

O presidente Jair Bolsonaro declarou, ontem, que a situação na Amazônia “está indo para a normalidade”, defendeu que o governo está fazendo o possível para conter os incêndios na região, e disse que aceitaria conversar com o líder francês, mas somente se a iniciativa partisse de Paris.

– Depois de tudo que ele falou a meu respeito, você acha que eu vou ligar para ele? Não tem condições. Eu estou sendo educado. Se ele ligar, eu atendo. Estou sendo extremamente educado com ele, para ele me chamar de mentiroso.

No tabuleiro político francês, Macron, com sua estratégia, faz um gesto à oposição de agricultores do país que temem a concorrência que será aberta com o pacto UE-Mercosul. E também contempla um crescente eleitorado cada vez mais adepto à pauta ambiental e que é igualmente contra o acordo.

Se o presidente francês vencerá sua aposta pela adoção de medidas concretas no G7, só se saberá na segunda-feira, ao final do encontro. Na dúvida, abriu uma porta de saída, resumindo, de uma certa forma, o espírito da cúpula:

– Nós não alcançaremos êxito, sem dúvida, em tudo, e não me queiram mal se, por vezes, não conseguirmos. A França deve fazer o máximo, mas nós não podemos com tudo sozinhos.

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