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Franceses votam hoje nas urnas para eleger presidente “por exclusão”

Macron e Le Pen durante debate na TV, antes do segundo turno da eleição à Presidência, neste domingo.

FERNANDO EICHENBERG/ O GLOBO

PARIS – As urnas decidem neste domingo quem será o próximo presidente da França: o candidato de centro-direita Emmanuel Macron, em busca da reeleição, ou a representante da extrema direita, Marine Le Pen. A disputa repete o cenário da precedente eleição presidencial francesa, em 2017, vencida por Macron por 66,1% a 33,9%. Os cinco anos desde então, no entanto, alteraram o contexto político e a imagem dos dois candidatos. As pesquisas apontam neste duelo final uma vantagem para Macron, mas inferior aos índices do pleito anterior, e a ameaça de uma vitória da ultradireita paira novamente sobre o país.

Hoje, Macron não é mais o jovem candidato surpresa de 2017, emergido no final da campanha e vitorioso no sufrágio contra todas as expectativas iniciais. Após um mandato conturbado pelas manifestações sociais dos coletes amarelos, criticado pela verticalidade do poder e marcado em seu epílogo pela pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia, o atual presidente tem um balanço a defender e um programa de governo a refazer.

Maquiagem

Já Marine Le Pen acelerou seu processo de “desdiabolização” ao procurar se descolar da imagem do partido Frente Nacional, cofundado por seu pai, Jean-Marie Le Pen, balizado em propósitos xenófobos, antissemitas, islamofóbicos, antieuropeus e ultraconservadores. Com a sigla rebatizada de Reunião Nacional e um discurso menos radical, apostando em temas sociais como a defesa do poder aquisitivo, Le Pen conseguiu ampliar seu eleitorado e melhorar sua condição de candidata “presidenciável”, capaz de governar o país. 

Para o cientista político Claude Patriat, da Universidade de Bourgogne, em uma França socialmente e politicamente fraturada, em meio a um desgaste do sistema político e a perda de confiança em seus representantes, a eleição de hoje provoca pouco entusiasmo nos franceses, um sentimento registrado pelo elevado índice de abstenção no primeiro turno (26,3%, pouco abaixo do recorde de 28,4% em 2002).

– O vencedor de hoje será o menos detestado dos dois, provavelmente Macron – analisa. – Mas há um acúmulo de decepções, que pode ser traduzido, no melhor, pela resignação, e no pior, pela cólera, e nesse clima o reflexo republicano não funciona como antes. Penso que o perigo de uma vitória de Marine Le Pen é mínimo, mas não pode ser totalmente excluído, pois há uma situação de cansaço na sociedade.

Na sua opinião, a transformação lepenista, no objetivo de suavizar a imagem radical, não passa de maquiagem para seduzir um novo eleitorado:

– Ela é um camaleão. Independentemente do que diz ou faz, indiscutivelmente sua vitória levaria a uma radicalização autoritária e populista do sistema. A candidatura de Éric Zemmour, com seus propósitos xenófobos excessivos, possibilitou que o discurso de Le Pen fosse ouvido como música de câmera. Agora, para o segundo turno, se viu obrigada a retomar suas posições fundamentais para reconquistar este voto.

Nos últimos dias, Le Pen suscitou polêmica ao defender a realização de um referendo sobre a pena de morte – para depois voltar atrás –, outro sobre as políticas de imigração, e pregar a proibição do véu islâmico nos espaços públicos, temas caros à direita radical. Para o analista Jean-Yves Camus, do Observatório das Radicalidades Políticas, extrema direita é um “termo complicado”, pois na Europa ocidental remete ao fascismo dos anos 1930 e à ocupação nazista na Segunda Guerra.

– Marine Le Pen não é fascista nem nazista, mas seu partido nasceu da extrema direita. Penso que seu modelo atual se aproxima da chamada democracia iliberal do líder húngaro Viktor Orbán. No tabuleiro político francês, é um partido com uma linha bastante singular. É o único, junto com Zemmour, que propõe fechar totalmente as portas do país para a imigração.

Panela de pressão

Se derrotada, Le Pen já anunciou que esta será sua derradeira tentativa de chegar à Presidência, mas seu partido, segundo Camus, não desaparecerá. Para ele, Macron deverá sair vencedor hoje das urnas, mas com um escore “bem mais apertado” do que em 2017, e graças aos votos daqueles que não querem sua oponente, não dos que realmente desejam sua política.

– Já é a terceira vez que vemos esta mesma situação, com a extrema direita no segundo turno, em 2002 (Jacques Chirac contra Jean-Marie Le Pen), 2017 e agora, e o vencedor se dá por exclusão, por quem os eleitores não estão convencidos, mas não querem o seu adversário. Com isso, há um risco de que a França se torne uma panela de pressão: todo um descontentamento do primeiro quinquênio de Macron subsiste e poderá ser reativado em um segundo mandato, principalmente com a reforma da aposentadoria, que não é bem aceita e provocaria novas manifestações nas ruas.

Os resultados do primeiro turno de 2022 enterraram a direita e a esquerda moderadas, que durante as últimas décadas dominaram a vida política no país. Do terremoto eleitoral, sobraram o polo em torno de Macron e os dois extremos: a ultradireita de Le Pen e a esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon. Se reeleito, Macron se diz disposto a “inventar algo de novo para reunir convicções e sensibilidades diversas”, em um “grande movimento político de unidade e de ação” para o país. 

– Se vencer, Macron conseguirá aspirar outras personalidades dos campos social-democrata e da direita republicana – acredita Camus. – Seu objetivo é o de construir um grande grupo, entre a centro-direita e a centro-esquerda, que se pareceria com o que chamamos em ciência política de “partido big tent” (partido pega-tudo). São partidos sem coluna vertebral particular, que procuram atrair os eleitores pela ideia de bem-estar da nação e não por ideologias, o que não deixa muito espaço aos demais, exceto aos extremos.

Para Pierre Bréchon, do Instituto de Estudos Políticos de Grenoble (Sciences-Po), não se pode considerar esta eleição como definida, embora admita que Macron saia em vantagem, segundo as pesquisas. No entre turnos, o presidente-candidato reforçou suas preocupações com a ecologia e alertou para o caráter extremista de sua oponente. Já Le Pen apelou a uma frente “anti-Macron” e à alternância de governo, sublinhando sua “preferência nacional” em oposição à política pró-União Europeia do atual presidente.

–   Le Pen adotou em parte um programa bastante popular para os eleitores de origem francesa, e a extrema direita tem todas as chances de realizar um bom resultado – avalia. – Ao mesmo tempo, mantém um forte discurso anti-imigrante, e propõe modificações institucionais para poder governar de forma autoritária. Já Macron promete ouvir melhor os franceses e federar uma força política mais ampla. Se nota que os dois candidatos tentaram modificar seus programas nas margens, para procurar convencer eleitores que não votaram neles no primeiro turno.

Seja qual for o resultado das urnas, Camus prevê vários desafios ao próximo presidente para instalar uma nova dinâmica e visão de futuro no espírito dos franceses, o “povo mais pessimista da Europa”, segundo pesquisas feitas no continente.

– A França é o país que menos crê em seu futuro. É um tipo de síndrome francesa de rebaixamento, como se não conseguíssemos diferir o fato de não sermos mais um grande império, uma superpotência, e também não um pequeno país. Somos menos do que um gigante, uma potência média, que tem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, a arma nuclear e uma economia que não vai tão mal. Mas ainda assim os franceses parecem pensar, principalmente os eleitores de Zemmour, mas não apenas eles, que a França está a ponto de desaparecer.

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