FERNANDO EICHENBERG / O GLOBO
PARIS – No status de anfitrião, o presidente francês, Emmanuel Macron, recebe de sábado a segunda-feira, no aprazível balneário de Biarritz, seus colegas do grupo de países ricos do G7 (Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá) em um turbulento contexto mundial. Embora o tema central do encontro seja “a luta contra as desigualdades”, as expectativas giram em torno de conversas paralelas sobre polêmicos dossiês como a guerra comercial entre os EUA e a China, o acordo nuclear iraniano e a escalada de tensões entre Washington e Teerã, o conflito na região síria de Idlib, a situação na Ucrânia, as negociações do Brexit ou a urgência climática – reforçada pela indignação internacional insuflada pelas queimadas na Amazônia. Na avaliação de analistas, a cúpula presidida pela França, que não terá o tradicional comunicado final, é marcada de forma inédita por fortes dissensões entre seus participantes, igualmente envolvidos com importantes problemas domésticos
Para Bertrand Badie, especialista em relações internacionais do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), jamais, desde sua criação em 1975 para enfrentar o choque do petróleo e a crise do dólar, o G7 se reuniu “em uma conjuntura tão desfavorável”:
– Primeiro, porque o G7 nunca esteve tão dividido e a vontade de concertação nunca foi tão fraca. Dividido porque o campo dos soberanistas, principalmente os EUA do presidente Donald Trump, procura se distanciar de toda forma de acordo mundial. Mas também porque cada um dos membros do G7 tem seus próprios problemas internos. Não há em relação aos grandes temas da agenda algum acordo potencial entre os atores. E pior ainda: o jogo da maioria dos participantes é mais de mostrar suas diferenças e divergências do que de buscar um compromisso.
O analista ressalta que o G7 não é um grupo formado para tomada de decisões, mas para “explorar possibilidades de convergências”. E lembra que mesmo em períodos de grandes divergências, como no início dos anos 1980, quando o presidente francês, François Mitterrand, pregava a regulação econômica mundial em franca oposição aos líderes americano, Ronald Reagan, e britânico, Margaret Thatcher, havia uma disposição em não evidenciar as discordâncias.
– O novo é que, pela primeira vez desde 1975, há uma vontade de afirmação das divergências. É um elemento chave da política externa populista e da chamada diplomacia eleitoral. Isso remete tanto ao presidente Jair Bolsonaro como ao líderes italiano Matteo Salvini, ao húngaro Viktor Orbán ou a Trump. É um pouco a expressão do bloqueio atual do sistema internacional: a ideia não é mais convergir, mas se afirmar.
ÚLTIMO INTERNACIONALISTA
Trump, em campanha para sua reeleição em 2020, mantém sua trajetória solo, já evidenciada por atitudes como a retirada do Acordo de Paris sobre o clima e do acordo nuclear iraniano. A chanceler Angela Merkel governa em ritmo de fim de mandato em uma Alemanha ameaçada pela recessão. A Itália se encontra em um impasse político após o líder ultranacionalista Matteo Salvini dissolver a coalizão que mantinha a governança do país. O novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ainda busca uma porta de saída para o Brexit. Já Macron, que mesmo com desgastes sobreviveu à crise dos coletes amarelos, procura se afirmar no cenário mundial como o último líder internacionalista.
– Pode-se dizer que a diplomacia francesa está em uma situação mais favorável – avalia Badie. – Primeiro, porque é praticamente a única a defender com força o multilateralismo e, portanto, se vê mais à vontade em uma lógica de concertação. Em segundo, porque ocupando a presidência da cúpula, a França se coloca em condições de se apresentar como intermediária: entre o G7 e o presidente russo, Vladimir Putin; entre o G7 e o Irã, ou entre o Sul e o Norte, ao lançar a questão das desigualdades mundiais no centro dos debates. Macron atuou habilmente em um quadro bastante negativo, e poderá tirar algumas vantagens para sua própria diplomacia.
Raros são os que esperam, no entanto, por anúncios concretos, seja nas questões comercial, iraniana, síria, ucraniana ou mesmo ambiental. Nem o comunicado oficial, frequentemente criticado por ilustrar “palavras ocas e vazias”, terá vez ao final do encontro, para não correr o risco de repetir o fiasco ocorrido na cúpula do Canadá, no ano passado, quando Trump retirou, via Twitter, sua assinatura do documento, sem deixar de insultar o primeiro-ministro local, Justin Trudeau.
Para Christian Lequesne, do Centro de Pesquisas Internacionais (CERI, na sigla em francês), a ausência de um texto de conclusão, mesmo de tom abrangente, é repleta de simbologia:
– O mundo ocidental não apresenta, hoje, uma bela unidade, revelando vários tipos de tensões. A primeira delas é o fator Trump, um líder desinteressado pela cooperação multilateral e que não perde uma ocasião para criticar e enfraquecer a Europa politicamente. O fato de que os sete países não sejam mais capazes de redigir um comunicado final é, na minha opinião, mais um sinal de desunião e de fraqueza da instância G7. Nos anos 1960 ou 1980, por exemplo, essa questão jamais seria colocada.
REINTEGRAÇÃO RUSSA
Expulsa do então G8 em 2014, após ter anexado pela força o território da Criméia e ter provocado a desestabilização da Ucrânia, a Rússia, na opinião de analistas, não deverá ser reintegrada ao grupo tão cedo, mesmo com o declarado lobby de Trump. Macron, que encontrou Putin esta semana no Forte de Bregançon, sua residência das férias estivais, quer impor condições ao retorno de Moscou, como a aplicação dos acordos de Minsk de 2015, o que não é o caso do líder americano. Embora concorde com a tese de que, hoje, o G7 serve sobretudo para mostrar a incapacidade dos países ocidentais em alcançarem consensos, o historiador de relações internacionais Maurice Vaïsse ainda acredita no poder da diplomacia. Segundo ele, os diferentes membros do G7 não se encontram em boa forma, e aquele que, hoje, aparece como o “menos fraco” é a França. Nesta lógica, Macron poderia insistir no retorno das negociações e na reconsideração do multilateralismo, diz.
– A punição à Rússia pelo seu golpe de força na Criméia foi natural e salutar, mas é inevitável que o país volte a este grupo de potências, sobretudo após seu papel no conflito na Síria. Mas o mundo mudou, e nos damos conta, hoje, de que o G7 é um formato restrito e centrado no Ocidente. E, além disso, há no presidente Trump a síndrome do elefante que entra em uma loja de porcelana. Talvez este encontro de Biarritz possa facilitar as coisas. A ver.
Badie define o G7 como um “clube de nostalgia”, que não corresponde a nenhuma realidade internacional concreta, e que, por isso, possui uma utilidade limitada. Na mesma linha, Lequesne questiona a pertinência do grupo em sua atual configuração:
– Quando foi criado em 1975, o então G6 representava em seu poder econômico dois terços da riqueza mundial, e hoje essa relação caiu a menos de um terço. Sua população corresponde, atualmente, a 10% da população do planeta. É incontestável que o sistema internacional mudou muito depois da Guerra Fria, e uma instância que não inclua China, Índia ou Brasil não representa a realidade de poder no mundo.
Para arejar o encontro deste fim de semana, Macron anunciou uma cúpula renovada com a presença de países convidados: África do Sul, Austrália, Chile, Índia, Ruanda, Senegal, Burkina Faso e Egito.